Valor econômico, v. 19, n. 4501, 11/05/2018. Brasil, p. A2.
Indicado para a OMC, Parola diz que órgão corre risco de deixar de existir
Fabio Murakawa
11/05/2018
Indicado ao cargo de embaixador do Brasil na Organização Mundial do Comércio (OMC), o diplomata Alexandre Parola disse ontem em sabatina no Senado que o órgão das Nações Unidas corre o risco de deixar de existir. Para ele, uma das razões para isso é que os Estados Unidos têm percebido o sistema multilateral como uma ameaça aos seus interesses - um fenômeno que se intensificou no governo Donald Trump, mas já vem ocorrendo desde a administração Barack Obama.
"Me parece que há uma ameaça ao sistema, na medida em que há atores importantes, e um ator muito importante [Estados Unidos], que percebem o sistema como não servindo aos seus próprios interesses", disse ele ao Valor. "Saber até que ponto esse diagnóstico irá se manter não está claro."
Parola foi sabatinado ontem pela Comissão de Relações Exteriores (CRE) e teve sua indicação aprovada de forma unânime, com 13 votos. A indicação ainda precisa ser referendada pelo plenário do Senado.
O diplomata atuou como porta-voz do presidente Michel Temer até a semana passada, quando deixou o cargo para assumir a presidência da EBC (Empresa Brasil de Comunicação), posto que terá que deixar para assumir a nova função.
Na exposição aos senadores, Parola disse que sua prioridade no cargo será ter "uma atuação política, conceitual, engajada e muito decidida em defesa da OMC". "Eu não creio que seja um exagero dizer hoje que a OMC está sob risco existencial", afirmou. "Não é uma peça de retórica. Eu acho que há um risco real."
Para ele, "seria muito negativo para o Brasil" ter que "reinventar" em negociações bilaterais todas as conquistas obtidas no âmbito da OMC. "Muito dificilmente nós teríamos o mesmo resultado."
Parola disse ainda que trabalhará pela recomposição do "pilar negociador da OMC", que está parado desde 2008. "O que resta, portanto, no pilar negociador é a intensificação, uma presença mais ativa e uma atenção redobrada a ser concedida aos órgãos regulares de atuação da OMC."
Defendeu também esforços para recompor o órgão da solução de controvérsias, hoje desfalcado de três de seus sete integrantes - em setembro, expira o mandato de um quarto. "Isso enfrenta uma dificuldade imediata, que é a posição do governo americano", disse.
Segundo Parola, os EUA fazem um "silêncio tático" para manter o órgão inoperante. Ele sugeriu, como alternativa, "tentar negociar formas que não envolvam os EUA".
"Os delegados norte-americanos simplesmente não dizem o que querem. Então, é impossível você se engajar numa negociação. Eles dizem que não estão satisfeitos com o status quo; e você diz assim: 'Então, vamos negociar. Qual é a sugestão?'. E não vem nada."
Para ele, essa postura dos EUA vem desde o governo Obama e reflete a sensação de que "o jogo está muito equilibrado na OMC". Esse sentimento, disse, serviu de estímulo para Washington abraçar negociações como a da Parceria Transpacífico (TPP) e do TTIP, uma proposta de acordo de livre comércio entre EUA e União Europeia.
Diante do impasse na OMC, Parola afirmou estar "aberto conceitualmente e do ponto de vista negociador para desenvolver formatos negociadores que não sejam estritamente multilaterais, na linha da unanimidade que é requerida, do consenso pleno que é requerido na OMC". Ou seja, o país deve se abrir a negociações setoriais e plurilaterais.
O diplomata também disse que pretende atuar para dar "dimensão pública" à OMC. "A sensação que eu tenho é a de que a OMC se beneficiaria de ser mais exposta ao debate público e ao conhecimento público. Embora seja um órgão extraordinariamente técnico, é órgão extraordinariamente importante", afirmou. "As coisas que se decidem na OMC não são abstratas, não são irrelevantes. Elas dizem respeito à vida cotidiana das pessoas, a questões simples como, por exemplo, se haverá ou não emprego em algum lugar."
Segundo ele, "uma dimensão essencial da diplomacia pública é, naturalmente, a diplomacia parlamentar, de forma que instruções, engajamento e uma presença do Congresso Nacional nos debates sobre OMC me parece extraordinariamente importante".
Sobre as cotas impostas pelos EUA ao aço brasileiro, que têm como pano de fundo uma guerra comercial com a China, Parola disse que "foi uma decisão do governo brasileiro, ouvindo o setor privado, evitar, neste momento levar ao tema a um contencioso".
"O setor privado entende que um mecanismo de cotas preserva o acesso ao mercado mais do que a interrupção de qualquer negociação e o fechamento virtual do mercado", disse. "É previsível que nós viéssemos a ganhar num mecanismo de solução de controvérsias; o problema é o tempo para isso. Uma vitória que venha daqui a dois anos e meio tem um impacto muito grave sobre o setor industrial brasileiro, de forma que, no momento, é melhor negociar."
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Governo não desistiu de mudar reforma trabalhista, diz ministro
Edna Simão/Raphael Di Cunto
11/05/2018
O ministro do Trabalho, Helton Yomura, afirmou ontem ao Valor que o governo não desistiu de fazer ajustes na reforma trabalhista, que completa hoje seis meses que entrou em vigor, por meio de projeto de lei ou medida provisória. Ele admitiu, no entanto, que há dificuldades devido ao calendário político.
"[O governo] Não desistiu. Pelo contrário, a gente acha que precisa realmente virar essa página, encerrar esse assunto. Essa avaliação política ainda está se construindo", disse.
Yomura participou ontem de reunião com o presidente da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia (DEM-RJ), para debater o assunto. "A dificuldade é o prazo", ponderou. O ministro afirmou que o presidente da Câmara solicitou uma divisão temática dos ajustes que o governo pretende fazer na reforma, para que então seja feita uma "avaliação a quatro mãos do que poderia ser tratado" ainda neste ano.
Segundo Yomura, "o esforço do governo vai ser de regulamentar aquilo é possível por atos normativos do Poder Executivo" com a edição de decreto ou portarias. O ministro argumentou que o Congresso tem uma rotina diferenciada este ano devido ao processo eleitoral. "Tem assuntos que são mais aceitáveis, tem tramitação mais fácil. E outros têm divergência, [tramitação] mais complicada e merecem discussão mais profunda", explicou.
Há demandas de empresários para "esclarecer" pontos do regime intermitente e da equipe econômica do governo para fechar supostas brechas que levariam à queda de arrecadação, como permitir o pagamento de bônus sem que incidam encargos sobre o salário e autorizar que os trabalhadores autônomos tenham contrato de exclusividade.
O deputado Rogério Marinho (PSDB-RN), relator da reforma trabalhista na Câmara, participou da reunião e afirmou que não foi apresentada nenhuma minuta do decreto elaborado pelo governo. "O ministro foi sondar qual era a posição do presidente sobre esses ajustes. Repetimos que não há clima hoje para projeto de lei ou nova medida provisória", disse o tucano.
Para Yomura, as mudanças que dependem do Legislativo poderiam ocorrer "pegando carona" em projetos já em tramitação. "Quando o presidente Rodrigo e o deputado Rogério sinalizaram com essa possibilidade de a gente analisar a questão por temas, fatiar os assuntos que eram tratados na MP [808, que caducou] por tema, me dá a esperança de construir uma solução", afirmou. A MP, editada num acordo entre o presidente Michel Temer e o Senado para ajustar a legislação, perdeu a validade em abril sem sequer ser discutida.
O decreto estudado a pedido de entidades do setor de serviços poderia tornar mais claros pontos sobre o regime de trabalho intermitente, como a aplicação das regras para cotas de deficientes nas empresas com mais de 100 funcionários, o prazo para pagamento dos salários e dos encargos trabalhistas. Mas não tem poder para mudar as regras sobre bônus ou a exclusividade do autônomo, nem determinar o período de quarentena entre a demissão de um trabalhador com contrato por prazo indeterminado e sua recontratação como intermitente.