O globo, n. 30999, 21/06/2018. País, p. 3​

 

No rastro do dinheiro

Marco Grillo

​Thiago Prado

​21/06/2018

 

 

Órgão de controle indica que Romário usou conta de irmã para lavagem de recursos

O Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf ), órgão do Ministério da Fazenda, encontrou indícios de lavagem de dinheiro em operações bancárias envolvendo o senador Romário (Podemos-RJ), pré-candidato ao governo do Rio. Um relatório, do dia 2 de maio, indica que ele administra uma conta em nome da irmã, Zoraidi de Souza Faria, com o “intuito de ocultar” a sua própria movimentação financeira. O senador tem uma procuração, entregue por Zoraidi, que dá a ele poderes específicos sobre recursos depositados no Banco do Brasil. Segundo o Coaf, o fluxo financeiro da conta é “incompatível com a capacidade financeira” da irmã de Romário.

Revelada por O GLOBO em fevereiro, a conta de Zoraidi foi aberta em uma agência no Congresso Nacional, em Brasília, onde Romário exerce mandato parlamentar desde 2011 — primeiro na Câmara e depois no Senado. Já a sua irmã vive em Jacarepaguá, na Zona Oeste do Rio. Com rendimento anual declarado de apenas R$ 8 mil, Zoraidi recebeu na sua conta, segundo o Coaf, R$ 8 milhões, entre agosto de 2016 e abril de 2017. Já as saídas da mesma conta totalizaram R$ 7,5 milhões no mesmo período.

“A movimentação financeira apresenta-se incompatível com a capacidade financeira da cliente (Zoraidi), mesmo considerando a renda de seu procurador (Romário); aparenta pertencer ao procurador e irmão da cliente e nos leva a crer que o mesmo utilize a conta da irmã com o intuito de ocultar sua movimentação. Comunicamos por não encontrar fundamentos econômicos ou legais para a movimentação financeira, podendo configurar a existência de indícios do crime de lavagem de dinheiro”, diz o relatório do Coaf.

Do valor total que entrou na conta de Zoraidi no período analisado, R$ 6 milhões vieram da RSF, uma empresa com as iniciais do nome do senador, cujos sócios no papel são a mãe e o pai dele. É por meio desta empresa que Romário recebeu valores devidos pelo Flamengo — o acerto foi feito por um acordo judicial. Outros R$ 2 milhões rastreados no Banco do Brasil vieram de uma transferência feita pelo próprio Romário de uma outra conta sua na Caixa Econômica Federal.

As despesas identificadas também ligam a conta de Zoraidi ao senador. Para a advogada Adriana Sorrentino, foram repassados R$ 1,3 milhão entre 2016 e 2017. Em fevereiro, ela disse ao GLOBO ter vendido a Romário — por R$ 6,4 milhões — uma casa em um condomínio de luxo na Barra, Zona Oeste do Rio. O senador já negou ser proprietário do imóvel, que teve cotas do IPTU pagas por meio da conta de Zoraidi no Banco do Brasil.

OUTROS PAGAMENTOS RELACIONADOS AO SENADOR

Outro que recebeu recursos da conta em nome da irmã foi o escritório do advogado Norval Valério, que já representou Romário em diversos processos (R$ 408 mil). Já o advogado Marcello Santoro, ex-cunhado de Romário, a quem representou em ações na Justiça, recebeu depósito de R$ 300 mil. Uma pesquisa feita em sites de tribunais não identificou processos em que Zoraidi seja defendida por estes advogados. Há também um pagamento de R$ 82 mil a Marcius Ney de Oliveira Fernandes, assessor parlamentar de Romário, lotado em um escritório de apoio no Rio.

O senador tem dívidas milionárias com credores já reconhecidas judicialmente. A Justiça, no entanto, tem dificuldades de encontrar valores e bens em nome de Romário, em função das movimentações financeiras por contas que não pertencem oficialmente a ele e pelo registro de imóveis e carros em nome de familiares, como Zoraidi e a mãe.

Outros documentos obtidos por O GLOBO mostram transações que podem ter sido feitas com o objetivo de dar lastro financeiro a Zoraidi e uma aparência de normalidade às movimentações milionárias na conta no Banco do Brasil. Entre 2015 e 2016, ela assinou contratos de empréstimos que chegaram a R$ 10 milhões. Em abril de 2015, foi firmado um acordo com Romário, no valor de R$ 4 milhões. No ano seguinte, assinou outro contato, este com a RSF, no valor de R$ 6 milhões.

Por lei, o Coaf é obrigado a avisar as autoridades responsáveis por investigações quando encontrar indícios de lavagem de dinheiro em movimentações financeiras.

O senador Romário e Zoraidi receberam na segunda-feira, por e-mail, uma série de questionamentos, mas não responderam até o fechamento desta edição. Por telefone, o parlamentar foi avisado, via assessoria de imprensa, sobre o envio das questões. A irmã do senador também recebeu as perguntas por WhatsApp, mas não respondeu. Tampouco atendeu o telefone.

​______________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________

Assessor sacou R$ 1,3 milhão em espécie

21/06/2018

 

 

Transação ocorreu em outra conta ligada a Romário, zerada menos de um ano depois

Um assessor parlamentar de Romário (Podemos-RJ) sacou R$ 1,3 milhão em espécie de outra conta ligada ao senador em um intervalo de 17 dias. As informações sobre os saques também constam do relatório do Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf ), órgão do Ministério da Fazenda. A operação foi dividida em quatro retiradas, entre os dias 28 de novembro de 2016 e 14 de dezembro de 2016. Em duas oportunidades, foram sacados R$ 392 mil; em outra ida ao banco, foram retirados R$ 396 mil; na última vez, o saque foi de R$ 165 mil. Ao todo, as transações chegaram ao valor exato de R$ 1.345.000.

O dinheiro foi sacado de uma conta da empresa RSF no Banco Itaú. É por esta firma que Romário recebe recursos do Flamengo, por causa de uma dívida do período em que ele atuou pelo clube. Entre julho e novembro de 2016, o Flamengo depositou R$ 7,4 milhões. Os saques em espécie e os repasses para a conta da irmã, Zoraidi de Souza Faria, impedem que os valores sejam bloqueados pela Justiça para o pagamento a credores espalhados pelo país.

Em julho de 2017, apenas R$ 1.228,79 foram encontrados pela Justiça na conta da RSF. Em novembro do ano passado, uma nova busca judicial foi feita, mas a conta já estava zerada. Não há no relatório do Coaf análise ou indicação de que os saques em espécie tenham relação com a prática de qualquer crime.

Os saques foram feitos por Marcius Ney de Oliveira Fernandes, que tem cargo comissionado no gabinete de Romário desde 2015. Atualmente, ele está lotado em um escritório de apoio do senador no Rio, com salário de R$ 21.955,76.

MUDANÇA DE REGRA CONTRA O CRIME

Por determinação do Banco Central, os clientes precisam avisar os bancos, com três dias de antecedência, quando desejarem sacar valores acima de R$ 50 mil. As informações são repassadas ao Coaf pelas instituições financeiras. Esta norma passou a vigorar no ano passado. Quando o assessor de Romário retirou o dinheiro, o limite mínimo para comunicação prévia era um pouco maior: R$ 100 mil. O objetivo do Banco Central foi aumentar o controle sobre práticas de lavagem de dinheiro e corrupção.

O assessor Marcius Ney de Oliveira Fernandes foi procurado por telefone no número associado à RSF, por meio do qual foi contatado pelo Coaf, mas mas não foi encontrado. Perguntado sobre o tema, o senador não respondeu.

____________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________

Imóveis e carros ocultados

21/06/2018

 

 

Desde fevereiro, O GLOBO vem mostrando como o senador Romário (Podemos-RJ) ocultou uma parcela milionária do seu patrimônio para evitar o pagamento de dívidas reconhecidas pela Justiça. O senador e duas de suas empresas são cobrados por pelo menos R$ 36,7 milhões em débitos com a União, outras empresas e pessoas físicas. O mecanismo para esconder bens e burlar credores foi explicitado em um dos processos a que o senador responde, em que um credor tenta reaver valores devidos pelo ex-jogador: “O expediente é tal flagrante que não pode ser ignorado. Não é preciso maior dilação para se concluir pela ocultação de patrimônio para fraudar credores”, descreve despacho judicial de outubro.

Os bens mapeados — todos estiveram ou ainda estão oficialmente registrados em nome de terceiros — são avaliados em R$ 9,6 milhões. Durante 11 anos, Romário teve dois apartamentos na Barra da Tijuca em nome da Cyrela. No ano passado, os imóveis foram leiloados por R$ 2,8 milhões para pagar um credor.

Romário também nega ser o dono de uma casa em um condomínio de luxo na Barra. A ex-proprietária do imóvel, no entanto, afirmou que vendeu a casa a ele. Um vizinho também confirmou a informação.

Além disso, uma lancha usada por Romário foi penhorada. A embarcação, que fica na Marina da Glória, estava em nome de Zoraidi de Souza Faria, irmã do senador. Além disso, a Justiça já determinou a penhora de outros cinco veículos que estão em nome de Zoraidi ou da mãe de Romário: um Porsche Macan Turbo, um Peugeot Allure, um Hyundai Elantra, um Audi RS6 e um Land Rover. A frota automotiva está avaliada em R$ 1,3 milhão, segundo a tabela Fipe. Romário já foi fotografado entrando no Porsche ao sair de uma boate na Zona Sul do Rio. Em fevereiro, o senador alegou que a irmã emprestava o veículo a ele.