O globo, n. 30999, 21/06/2018. País, p. 5​

 

STJ decide restringir foro privilegiado de governadores

Mateus Coutinho

Gustavo Schmitt

21/06/2018

 

 

Decisão vale para conselheiros de tribunais de contas dos estados

O Superior Tribunal de Justiça (STJ) decidiu ontem, por unanimidade, restringir o foro privilegiado para governadores e conselheiros de tribunais de contas dos estados, nos casos em que envolvem crimes cometidos antes de eles assumirem o cargo ou que não tenham relação com a função exercida por eles. A Corte Especial do STJ chegou ao entendimento na terceira sessão dedicada a analisar o tema.

Inicialmente, a discussão envolvia apenas conselheiros de tribunais de contas, pois foi tomada em uma questão de ordem levantada pelo ministro Mauro Campbell no julgamento de uma ação penal envolvendo um conselheiro do Tribunal de Contas do Distrito Federal. Em maio, ele era contrário à restrição do foro, por entender que essa discussão deveria ser feita pelo Supremo Tribunal Federal (STF).

Ontem, porém, Campbell mudou seu voto, usando como base o recente julgamento da Primeira Turma do STF, que decidiu, no dia 12, expandir a restrição de foro a ministros de Estado, ao analisar denúncia contra o ministro da Agricultura, Blairo Maggi.

— A guinada que dei não é de fundamento, entendo que a competência (para analisar a restrição do foro) é do Supremo, como eles disseram qual era nossa competência ou incompetência, eu sigo — disse o ministro.

Para ele, cabe apenas ao STF o papel de interpretar a Constituição sobre a restrição de foro e, como no julgamento da denúncia de Blairo também havia um conselheiro de tribunal de contas denunciado e o Supremo também restringiu o foro para ele, o ministro do STJ decidiu aplicar o entendimento da Primeira Turma. Para Campbell, o STF indicou que o foro deve ser restrito a todos os demais cargos. Apenas o ministro Og Fernandes seguiu o mesmo entendimento de Campbell de que a análise da restrição de foro cabe ao STF.

Os outros 12 ministros da Corte Especial, porém, entenderam que cabe ao STJ decidir sobre sua própria competência para restringir ou não o foro dos casos da Corte. Apesar da divergência sobre esse ponto, todos os ministros foram unânimes ao votar pela restrição do foro. A Corte Especial é formada pelos 15 ministros mais antigos do STJ, sendo que a presidente do colegiado, ministra Laurita Vaz, não vota. Após a votação específica sobre os casos envolvendo conselheiros de tribunais de contas, os integrantes da Corte Especial entenderam por unanimidade expandir a restrição do foro também para os casos envolvendo governadores.

Nove governadores respondem a 52 processos, sigilosos ou não, no STJ: 16 ações penais, 26 inquéritos e dez sindicâncias.s.

VINTE E SEIS AÇÕES PENAIS

Embora tenham a obrigação de fiscalizar o bom uso do dinheiro público por estados e municípios, esse rigor nem sempre existe entre os próprios conselheiros dos tribunais de contas, e muitos deles, em diferentes regiões do país, são réus em processos na Justiça. Hoje, eles respondem a 54 inquéritos e ações penais, segundo levantamento feito pelo STJ a pedido do GLOBO.

Ao todo, são 26 ações penais e 28 inquéritos em 12 estados e no Distrito Federal envolvendo conselheiros. Os cargos são vitalícios, com salários que podem chegar a R$ 30 mil mensais, e a maior parte deles é ocupada por meio de indicações políticas. Não faltam casos de processos por corrupção abertos por flagrantes em pleno exercício do cargo.

Em razão de suspeitas, 13 conselheiros estão afastados de suas funções no país. Nesse quesito, o Rio é recordista: seis dos sete estão fora da corte por causa das acusações de corrupção e lavagem de dinheiro. Em março de 2017, o STJ mandou prender cinco deles na Operação Quinto do Ouro, braço carioca da Lava-Jato. A delação premiada do ex-presidente do órgão Jonas Lopes de Carvalho Filho levou à ação contra os conselheiros em dois esquemas de arrecadação de propina para fazer vista grossa a irregularidades praticadas por empreiteiras e empresas de ônibus.

Há uma série de investigações que envolvem conselheiros. No DF, o conselheiro Manoel Paulo de Andrade Neto, o “Manoelzinho dos Táxis”, é réu em ação penal no STJ, depois de ser condenado em primeira instância por improbidade administrativa por manipulação de auditoria de táxis em Brasília, em 2015. Dono de permissão para dirigir táxis no DF, ele não poderia atuar em decisões sobre o serviço. Contudo, a denúncia diz que o conselheiro cometeu prevaricação ao pedir vista de um processo, e mantê-lo em seu gabinete por mais de um ano, por interesses pessoais.

Em Roraima, Manoel Dantas Dias trocava decisões e arquivamentos de processos na Corte por nomeações de familiares em cargos comissionados no governo estado. Ele foi denunciado por peculato ao STJ.