Título: O tango de Cristina
Autor: Ribas, Sílvio
Fonte: Correio Braziliense, 02/05/2012, Economia, p. 8

Há duas semanas, a presidente argentina Cristina Kirchner surpreendeu o mundo ao anunciar a expropriação do controle acionário de duas subsidiárias da espanhola Repsol. Sob a alegação de que o setor de hidrocarbornetos é de "interesse público nacional", o governo federal confiscou 51% das ações da maior petrolífera do país, aYPF. Depois disso, o novo alvo foi aYPF Gás, distribuidora de gás butano e propano.

"Esta medida não só é central para o abastecimento normal da indústria e da agricultura, mas também garante o acesso a setores de baixa renda que não têm serviço de rede", disse o decreto, à época. Na decisão que marcou a expansão do controle do Estado sobre a economia, a Casa Rosada afirmou ainda que começaria a perfurar e reparar mais de mil poços em diferentes áreas em que atua, para aumentar a produção e o refino de hidrocarbonetos e normalizar as atividades da companhia petrolífera.

As medidas acirraram a batalha entre os acionistas da espanhola Repsol e o governo federal e colocaram no centro das atenções dois países que enfrentam graves crises econômicas. Enquanto a Argentina vê o seu crescimento despencar, a Espanha mergulha novamente na recessão, após o seu Produto Interno Bruto (PIB) cair 0,3% entre janeiro e março deste ano na comparação com o trimestre anterior e 0,4% ante o mesmo período do ano passado.

Reações A reação diante da reestatização da YPF, privatizada nos anos 1990 pelo governo de Carlos Menem, foi imediata. De um lado, o presidente da Repsol, Antonio Brufau, disse que cobraria US$ 10 bilhões em indenizações. De outro, o vice-ministro argentino da Economia, Axel Kicillof, mentor da reestatização da petrolífera, avisou que seu país não pagará a conta. Ao contrário, afirmou que o seu governo estava cobrando uma dívida de US$ 9 bilhões que a companhia espanhola se recusava a pagar.

Entre os organismos internacionais, a repercussão também foi grande. A União Europeia deu apoio à Espanha, que, por sua vez, sugeriu a retirada da Argentina do G-20 (grupo que reúne as 19 maiores economias do mundo mais a União Europeia) e das negociações do bloco com o Mercosul. Na prática, a única retaliação que a Espanha conseguiu aprovar foi a limitação das importações de biodiesel do país latino-americano.

Agora, a Repsol terá que revisar a sua estratégia de crescimento. De imediato, ela perderá 25,6% de seus ganhos com a exploração de petróleo. De acordo com o balanço de 2011 da empresa, a Argentina representa um quarto da produção de óleo, 21% do lucro líquido e 33,7% dos investimentos. O impacto foi tão grande que a agência de classificação de risco Standard & Poor"s rebaixou em um nível a nota da companhia espanhola, de BBB para BBB-, a apenas um patamar do que o mercado considera "lixo".

Diante de tantos estragos, a Repsol avisou que pedirá, em uma arbitragem internacional, compensação proporcional ao seu percentual no capital da YPF. A companhia reclamou que, antes de partir para a expropriação, o governo de Cristina Kirchner difundiu, ao longo de semanas, a intenção de reestatizar a petrolífera, a fim de derrubar as ações.]]>O presidente da Bolívia, Evo Morales, nacionalizou ontem a empresa Transportadora de Eletricidade S.A., administrada pela Red Eléctrica Internacional, filial do grupo espanhol Red Eléctrica. Durante o anúncio em evento público na capital La Paz, ele também ordenou às Forças Armadas a ocupação imediata das instalações da empresa estatizada. A medida ocorre apenas duas semanas após o governo da Argentina, aliado da Bolívia, apresentar ao Congresso plano para ampliar o controle estatal sobre o setor de petróleo e gás, começando com o confisco de 51% do capital da petroleira YPF nas mãos da também espanhola Repsol.

Bomba em Buenos Aires Para piorar o clima de hostilidade entre os governos argentino e espanhol, uma bomba explodiu na manhã de ontem em frente à sede da União Europeia (UE) em Buenos Aires, sem deixar vítimas. De acordo com a polícia argentina, o prédio também não sofreu danos. Os discursos de governos europeus em apoio à Espanha e contra a expropriação da petrolífera YPF, que era controlada pela empresa espanhola Repsol, teriam sido o motivo do atentado. A explosão teria ocorrido pouco após dois homens deixarem uma mochila na frente do portão principal. Agentes da Brigada de Explosivos da Polícia Federal foram até o local logo após a explosão. A UE considera a expropriação ilegal e o assunto pode ser decidido na Organização Mundial do Comércio (OMC). Os argentinos contestam e dizem que a expropriação visa proteger a exploração de petróleo e gás, tida como questão de soberania nacional.