Título: Bolívia entra na dança da estatização
Autor: Ribas, Sílvio
Fonte: Correio Braziliense, 02/05/2012, Economia, p. 8

O presidente da Bolívia,Evo Morales, nacionalizou ontem a empresa Transportadora de Eletricidade S.A., administrada pela Red Eléctrica Internacional, filial do grupo espanhol Red Eléctrica. Durante o anúncio em evento público na capital La Paz, ele também ordenou às Forças Armadas a ocupação imediata das instalações da empresa estatizada. A medida ocorre apenas duas semanas após o governo da Argentina, aliado da Bolívia, apresentar ao Congresso plano para ampliar o controle estatal sobre o setor de petróleo e gás, começando com o confisco de 51% do capital da petroleira YPF nas mãos da também espanhola Repsol.

Morales tornou-se, assim, o par da presidente argentina Cristina Kirchner no seu tango de compasso nacionalista. Para encampar a YPF e a Red Eléctrica, os dois alegaram o mesmo motivo: o suposto baixo nível de investimentos das companhias. "Como justa homenagem a todo o povo boliviano que tem lutado pela recuperação dos seus recursos naturais e dos serviços básicos, nacionalizamos a transmissora de eletricidade", discursou o presidente boliviano no Palácio Quemado, sede do governo.

Ontem ele também comemorou o sexto aniversário de nacionalização do setor de petróleo e gás, além de algumas empresas de eletricidade e de fundições, em 1º de maio de 2006, e do qual foi alvo a Petrobras. Eleito há poucos meses, o presidente da Bolívia mandou à época o Exército invadir os campos de produção das empresas estrangeiras no país, entre elas a estatal brasileira, com a qual fechou acordo pouco depois.

Segundo analistas, o líder esquerdista de origem indígena retomou a nova rodada de estatizações para driblar uma onda de protestos de sindicatos, que exigem reajuste salarial superior aos 8% oferecidos pelo governo. A Red Eléctrica tem participação indireta de 99,94% na Transportadora de Electricidad (TDE), que administra mais de 1,9 mil quilômetros de linhas de transmissão de energia. O 0,06% restante pertence aos trabalhadores da empresa.

Morales afirmou que a TDE que foi criada em 1997 durante a privatização do setor elétrico e está sob controle da Red Eléctrica desde 2002, teria investido "apenas US$ 81 milhões nos últimos 16 anos". Ele explicou que o decreto presidencial para nacionalizar as ações da transmissora busca fortalecer a estatal Empresa Nacional de Eletrificação (Ende), acrescentando ao seu comando a malha da Red Eléctrica, dona de 73% das linhas de transmissão.

Espanha Diante do segundo golpe sobre os investimentos da Espanha na América Latina, a primeira reação do governo espanhol foi informar que estava apenas "coletando informações sobre os aspectos técnicos e diplomáticos" da decisão do presidente boliviano. A avaliação preliminar, contudo, era de que se tratava de um "caso bem diferente" da reestatização da argentina YPF.

A resposta oficial será dada pelo ministro de Relações Exteriores, José Manual García-Margallo, que também conduzirá a gestão diplomática da nova crise. A exemplo do caso argentino, o governo estuda pedir ajuda aos parceiros europeus para buscar apoio e a condenação internacional.

Apesar da nova etapa estatizante, o presidente boliviano tem evitado opinar sobre a decisão argentina de tomar o controle da YPF. "É um tema da Argentina e da Espanha", disse ele um dia após a decisão de Cristina Kirchner, no último dia 16. Morales também ressaltou que a Repsol já tinha uma boa relação com a Bolívia, respeitando normas e metas de investimentos.

Após a nacionalização do setor petroleiro, em 2006, e meses de duras negociações, 10 petroleiras estrangeiras, entre elas a Petrobras e a espanhola Repsol, que controlava 27% das reservas de gás bolivianas, firmaram acordos com o governo sobre as novas condições para operar no país. Só a estatal brasileira tinha investido mais de US$ 1,5 bilhão no país.

O grupo EBX, do empresário brasileiro Eike Batista, anunciou no fim de abril daquele ano sua saída da Bolívia, depois que Morales acusou a companhia de operar ilegalmente e ameaçou expulsar a empresa do país. Além de uma siderúrgica, o grupo deixou de construir uma termelétrica, em um investimento total de US$ 450 milhões. Ex-dirigente do Movimento para o Socialismo (MAS) e líder dos produtores de coca, Morales, o primeiro índio eleito à presidência da Bolívia, havia anunciado várias vezes durante a campanha presidencial a sua intenção de nacionalizar o petróleo e o gás, alegando ser esta uma exigência expressa da população indígena.

Todo o povo boliviano tem lutado pela recuperação dos seus recursos naturais e dos serviços básicos" Evo Morales, presidente da Bolívia