O globo, n. 30999, 21/06/2018. Economia, p. 17​

 

Sem alteração nos juros

Gabriela Valente

João Sorima

Roberta Scrivano

21/06/2018

 

 

Citando greve de caminhoneiros, BC mantém Selic em 6,5% e reafirma que seu foco é inflação

Apesar da pressão do mercado financeiro para aumentar os juros básicos, o Banco Central (BC) manteve, por unanimidade, a Taxa Selic em 6,5% ao ano. Após o acirramento da turbulência internacional, havia a expectativa de que o Comitê de Política Monetária (Copom) pudesse subir os juros para conter a disparada do dólar. A autoridade monetária, no entanto, frisou que sua decisão foi focada apenas na inflação, atualmente em 2,68%, bem abaixo da meta oficial do governo, em um cenário de atividade econômica fraca. O BC não se comprometeu com os próximos passos. Ainda não tem dimensão do impacto da greve dos caminhoneiros na economia, mas espera mais inflação e retomada mais lenta do crescimento. Pelo comunicado, analistas veem pouca chance de alta da taxa básica antes das eleições de outubro. Há até quem só espere um movimento em 2019.

“A paralisação no setor de transporte de cargas no mês de maio dificulta a leitura da evolução recente da atividade econômica. Dados referentes ao mês de abril sugerem atividade mais consistente que nos meses anteriores. Entretanto, indicadores referentes a maio e, possivelmente, junho deverão refletir os efeitos da referida paralisação”, afirmou o BC em comunicado divulgado após a reunião. “O cenário básico contempla continuidade do processo de recuperação da economia brasileira, em ritmo mais gradual”.

Para o BC, o repique da inflação por causa da crise dos caminhoneiros deve ser significativo, mas temporário. A autarquia estima inflação de 4,2% no fim deste ano, acima das projeções do mercado, de 3,88%. A meta para 2018 é de 4,5%, com margem de tolerância de 1,5 ponto percentual. Para 2019, o BC espera 3,7%, contra 4,1% do mercado. Mas a meta é um pouco menor: 4,25%.

Entre os riscos listados pelo Copom para o não cumprimento da meta estão a possibilidade de os preços continuarem baixos, a continuidade da turbulência internacional e a suspensão das reformas. No comunicado, o BC ressalta que as reformas são essenciais “para a manutenção da inflação baixa no médio e longo prazos, para a queda da taxa de juros estrutural e para a recuperação sustentável da economia.”

Copom reafirmou que não recorrerá a juros altos para conter a disparada do dólar. Deve atuar apenas para evitar que uma alta generalizada se propague por toda a economia.

A valorização da moeda americana era um dos fatores que levaram o mercado a cogitar a possibilidade de um aumento nos juros. Mas, há cerca de duas semanas, quando o dólar atingiu R$ 3,925, o presidente do BC, Ilan Goldfajn, convocou uma entrevista coletiva, na qual afirmou que, diferentemente de países que foram alvo de ataques especulativos, como Turquia e Argentina, não usaria os juros para controlar o câmbio.

Em razão das críticas no mês passado, quando manteve a Selic após ter sinalizado que cortaria os juros, o BC adotou uma linguagem cautelosa em suas projeções. “Na avaliação do Copom, a evolução do cenário básico e do balanço de riscos prescreve manutenção da Taxa Selic no nível vigente. O Copom ressalta que os próximos passos da política monetária continuarão dependendo da evolução da atividade econômica, do balanço de riscos e das projeções e expectativas de inflação.”

A indicação frustrada em maio contribuiu para o desequilíbrio no mercado, já afetado pelo cenário internacional. Os juros futuros saltaram e houve pressão para que o BC elevasse a taxa.

A menção, no comunicado, da greve dos caminhoneiros foi considerada positiva por analistas.

— Na reunião anterior, o BC deu muita ênfase ao cenário externo. Agora, está ponderando que tem uma situação doméstica e que está de olho nisso, ou seja, não está preocupado somente com o câmbio, mas com um conjunto de fatores — explica o economista-chefe da Austin Rating, Alex Agostini.

Analistas começam a afastar a possibilidade de alta dos juros antes das eleições. Para Neil Shearing, economista-chefe para mercados emergentes da consultoria Capital Economics, o fato de o BC mostrar que os efeitos da crise pesam mais que o câmO bio respalda essa projeção. Em nota, ele afirma que a alta do dólar pode até levar a um aumento da Selic nos próximos meses, mas ressalta que o arsenal do BC para lidar com isso é grande. E diz acreditar que o Copom deve esperar até depois das eleições de outubro para começar a subir os juros,

Já a economista do banco Santander, Tatiana Pinheiro, acredita que a Selic ficará em 6,5% até, pelo menos, o segundo semestre de 2019:

— O comunicado avalia que não há transmissão mecânica entre os choques recentes (alta do câmbio) e a política monetária. Admite que haverá pressão da alta do dólar e da greve dos caminhoneiros na inflação. Mas a avaliação é que isso será temporário e que essa alta será mitigada pela ociosidade da economia. Além disso, o BC ressaltou que a taxa de juros tem que ser estimulativa neste momento.

ELEIÇÕES PODEM INFLUENCIAR COPOM

O analista-chefe da Rico Investimentos, Roberto Indech, no entanto, ressalta que os cenários doméstico e internacional são muito complexos. Por isso, diz, as decisões sobre a Selic serão tomadas na véspera das reuniões do Copom.

— Vivemos um momento complexo, com incerteza eleitoral, preocupação fiscal, expectativa das decisões da Justiça sobre a situação do ex-presidente Lula, atividade econômica prejudicada pela greve dos caminhoneiros, além das tensões entre EUA e China. Portanto, o Copom só terá condições de avaliar se mantém ou não os juros na véspera de cada reunião — diz Indech, que, devido às eleições, não descarta alta de juros ainda este ano.

Tatiana, do Santander, admite ver risco no cenário eleitoral, mas que o impacto ficaria para 2019: — O BC lida com o que é real hoje. A Selic a 6,5% mantém o Brasil na 7ª posição dos maiores juros reais do mundo, segundo ranking elaborado pelo site MoneYou, em parceria com a Infinity Asset Management. O juro real brasileiro é de 2,91%, abaixo de Indonésia, Índia, México, Rússia e Turquia. A lista é encabeçada pela Argentina, que elevou sua taxa básica para 40%, e tem juro real de 23,89%.

Entidades ligadas à indústria e ao comércio consideraram acertada a manutenção da Selic em seu mínimo histórico, devido à queda nas projeções para o crescimento da economia. Alencar Burti, da Associação Comercial de São Paulo (ACSP), vê a taxa nesse patamar até o fim do ano. Já para os sindicatos, a Selic continua alta. Miguel Torres, presidente interino da Força Sindical, disse que isso inibe os investimentos e a criação de empregos.