O globo, n. 30998, 20/06/2018. Economia, p. 25​

 

Senado aprova projeto que permite venda de etanol direto aos postos

Maria Lima

Geralda Doca

Ramona Ordoñez

20/06/2018

 

 

Texto seguirá para a Câmara. Para relator, mudança reduziria preço em R$ 0,20

O plenário do Senado aprovou ontem projeto de decreto legislativo que permite a venda de etanol diretamente das usinas para os postos. A proposta, de autoria do senador Otto Alencar (PSD-BA), altera uma resolução da Agência Nacional do Petróleo (ANP) que exigia que a venda fosse feita apenas para distribuidoras.

A medida foi uma das propostas apresentadas pelo Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade) para reformular o setor de combustíveis depois da greve dos caminhoneiros. Segundo a autarquia, a impossibilidade de venda direta aos postos produz ineficiências econômicas, pois impede o livre comércio e dificulta a possibilidade de concorrência que poderia existir entre o produtor de etanol e o distribuidor de combustível.

O projeto chegou a receber críticas de alguns parlamentares, que o classificaram como eleitoreiro. A senadora Ana Amélia (PP-RS) disse que o projeto é “um presente de grego” para o consumidor, já que, sem fiscalização eficiente, o etanol entregue pelas usinas pode ser “batizado” e de pior qualidade.

— A lógica é que o etanol será vendido mais barato, mas como ficará o controle fiscal, tributário e de qualidade do produto? Temos que fazer um debate sobre a logística de transporte desse produto que é muito perigoso, é uma logística muito complexa para ser assumida pelos produtores do etanol. Sem falar na redução drástica de receita de estados e municípios — criticou Ana Amélia.

EXECUTIVO VAI DISCUTIR ALTERAÇÃO COM O SETOR

Mesmo assim, o texto foi aprovado por ampla maioria. Foram 42 votos a favor e apenas dois contrários. Ele agora segue para votação na Câmara. Segundo o relator, a medida poderia baratear em cerca de R$ 0,20 os preços para o consumidor. A maior defesa do texto foi feita pelos senadores do Nordeste, onde está localizada a maioria das usinas. Segundo Otto Alencar, sem a mudança, o polo sucroalcooleiro do Nordeste estaria em risco.

— São várias distribuidoras que, hoje, dominam esse mercado. Um litro de álcool hidratado sai, em média, da usina no valor de R$ 1,57. Sai dali e chega lá ao posto de combustível, em alguma localidade, a R$ 3,50, R$ 3,37, R$ 3,30. Enfim, tem uma variação muito grande, mas em média, praticamente, mais do que dobra o preço do litro do etanol hidratado da usina até chegar ao consumidor — defendeu Otto Alencar.

O ministro de Minas e Energia, Moreira Franco, disse que o governo está acompanhando o assunto. Segundo ele, o setor está muito dividido em relação a essa medida, e, caso a proposta seja aprovada no Congresso, o Executivo vai chamar todas as partes envolvidas para discutir a solução que melhor atenda ao consumidor.

— Existem propostas na Câmara e no Senado. O setor está muito refratário a isso e acha que o impacto será grande no modelo de negócio praticado no Brasil e no mundo. Temos que encontrar a melhor solução, que mais interessa ao bolso do consumidor — disse o ministro ao GLOBO.

PROBLEMAS PARA COMPRA EM ESCALA

Para Leonardo Gadotti, presidente da Plural, associação que reúne distribuidoras, a venda direta de etanol dos usineiros aos postos vai aumentar a sonegação de impostos, estimada atualmente em cerca de R$ 4 bilhões por ano. Ele avalia que o projeto deveria ter sido amplamente discutido com a sociedade e que os postos não têm infraestrutura ou escala para comprar diretamente das usinas, exceto os postos localizados próximos dos produtores.

— Vai contra tudo que se conhece de mercado competitivo, busca de eficiência, controle de processos e recolhimento de tributos. Esse projeto não foi discutido com ninguém — criticou Gadotti.