O globo, n. 30998, 20/06/2018. Sociedade, p. 28​

 

Nova ameaça dos mosquitos

Ana Lucia Azevedo

20/06/2018

 

 

Confirmação de morte de cavalos com a febre do Oeste do Nilo acende alerta no país

A comprovação de que quatro cavalos morreram de febre do Oeste do Nilo no Espírito Santo levanta na comunidade científica o temor de que o vírus, transmitido pelo mosquito Culex, o pernilongo comum, esteja circulando no país. Parente dos vírus da zika, da dengue e da febre amarela, ele pode infectar seres humanos e animais, especialmente alguns tipos de mamíferos, mas a preocupação maior dos especialistas neste momento é com os equinos. Devido à alta incidência nos últimos anos de dengue e zika no Brasil e também à vacinação contra a febre amarela, espera-se que boa parte das pessoas no país tenha desenvolvido certa imunidade a essa nova doença.

Surtos recentes de doença neurológica em cavalos em Goiás, ainda sem causa identificada, acenderam o alerta de que o vírus pode ter se espalhado para outros estados. Especialistas da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) se preparam para investigar se o vírus infecta cavalos no Estado do Rio. As quatro amostras colhidas no Espírito Santo enviadas ao Instituto Evandro Chagas (IEC) tiveram resultado positivo em exames moleculares (PCR). O vírus foi isolado pela primeira vez no país numa delas, a de um cavalo com alta carga viral no cérebro.

Descoberta em 1937 em Uganda (daí a referência ao rio que nasce no país no nome da febre), a enfermidade se tornou mundialmente conhecida ao causar epidemias que mataram centenas de pessoas nos Estados Unidos no início dos anos 2000. Os especialistas frisam, no entanto, que, no Brasil, o risco é bem menor para os humanos porque o vírus é da mesma família dos flavivírus que já circulam no país. Isso reduz o risco de desenvolvimento da doença em grande parte da população, explica o virologista Pedro Vasconcelos.

APENAS 1% DOS DOENTES CORRE RISCO

Seres humanos raramente morrem devido à febre do Oeste do Nilo — somente 1% dos infectados desenvolve sintomas graves, como a encefalite, caracterizada por inchaço e inflamação do cérebro, com forte dor de cabeça. Cerca de 80% dos casos são assintomáticos e os demais apresentam apenas sintomas difusos, como febre e dores de cabeça e no corpo, quase sempre brandos.

— Nos EUA, a população era muito suscetível pela falta total de contato com outros flavivírus — pondera Vasconcelos, que dirige o Instituto Evandro Chagas (IEC) em Ananindeua, no Pará, centro nacional de referência para a doença, aonde as amostras de cavalos do Espírito Santo foram analisadas. — Não se pode excluir, claro, risco para os seres humanos. A vigilância tem que estar ativa. O vírus pode se espalhar pelo país, mas a princípio, a maior ameaça é veterinária. Para as pessoas, o risco seria mais significativo apenas no Sul, porque lá houve menos casos de flaviroses (dengue, zika e febre amarela) e, logo, em teoria, haveria menos imunidade cruzada.

Segundo o especialista, outra vulnerabilidade do Sul é que a região tem ainda consideráveis concentrações de aves migratórias. São as aves e não os mamíferos os reservatórios do vírus, que se espalha pelo mundo levado por elas. Em seres humanos e equinos, o vírus circula por seu sangue por pouco tempo e em menores concentrações. O vírus se espalha quando pernilongos que picaram aves doentes atacam também pessoas ou equinos. Mas dificilmente mosquitos viram vetor da doença após picar humanos ou animais infectados.

O Brasil desde o fim dos anos 90 faz vigilância das aves migratórias, mas poucos testes foram positivos para a presença do vírus da febre do Oeste do Nilo. Em seres humanos, houve apenas um caso positivo notificado, no Piauí, em 2015. O estado nordestino também costuma receber muitas aves migratórias.

Mesmo com baixo risco, o chefe do Laboratório Virologia Molecular da UFRJ, Amílcar Tanuri, defende uma investigação do vírus da febre do Oeste do Nilo nos cavalos, não só por suas consequências para a saúde animal, mas também para estudar possíveis desenvolvimentos para os seres humanos.

— Ele pertence a uma família de vírus perigosos e é disseminado pelo mosquito mais comum. Só isso já o torna um risco — diz o cientista, que lidera o grupo que vai avaliar equinos no Rio.

A maior preocupação no momento é mesmo com os cavalos. O vírus do Oeste do Nilo tem semelhanças com outros causadores de encefalite equina, como o Saint Louis. Mas o teste de PCR e o isolamento do vírus nas amostras capixabas comprovaram que se trata mesmo da febre do Oeste do Nilo.

O fato é que os cientistas ainda têm muito mais perguntas do que respostas sobre como a doença chegou aos equinos no Espírito Santo. O vírus pode ter chegado com aves migratórias silvestres. Mas quais? De onde?

— Não sabemos ainda. Os vírus são imprevisíveis e isso é mais um exemplo de que jamais podemos baixar a guarda em relação a eles — diz Vasconcelos.

Também são cercadas de mistério as notícias de mortes de cavalos com sintomas de encefalite em Goiás. Em Serranópolis, no sudoeste do estado, a veterinária Thaynã Chaves, secretária de Agricultura do município, estima que pelo menos 200 equinos morreram na região entre fevereiro e abril. A febre do Oeste do Nilo é uma doença de notificação obrigatória. Mas não se sabe, por enquanto, se é a causadora das mortes. Amostras colhidas de um potro foram enviadas para exame na Universidade Federal de Goiás, mas os testes ainda não têm resultado.

Para a secretária, muitos proprietários escondem os surtos por medo de restrições sanitárias. A maioria dos cavalos da cidade e vizinhança é empregada na lavoura ou criada como animal de estimação na zona rural. Não existem haras com animais valiosos na região, aonde se cria comercialmente gado bovino.

— Isso faz com que os proprietários temam represálias sanitárias ao rebanho de gado (que não é suscetível à febre do Oeste do Nilo) ou não se mobilizem para encontrar o motivo da doença. Os cavalos morreram principalmente em fevereiro e março. Mas acredito que o problema possa ter começado antes — diz Thaynã, que observa uma queda nos casos desde abril, quando também diminuiu a infestação de pernilongos. — Sabemos que não é raiva porque há casos de animais que se recuperaram, o que não aconteceria se fosse essa a doença. Houve apenas um animal no município com raiva. Os demais continuam sem diagnóstico.

Quando afetados pela febre do Oeste do Nilo, cavalos começam a perder a sensibilidade das patas traseiras. Depois, deixam de ter coordenação motora. Em seguida, vêm paralisia e morte.

— A maioria é sacrificada pelo próprio dono, para abreviar o sofrimento, já que não existe tratamento — conta Thaynã.

Segundo o pesquisador Pedro Vasconcelos, do IEC, há vacinas para equinos no exterior, mas elas não são comumente importadas para uso no Brasil porque não havia histórico anterior da doença entre esses animais no país. O imunizante protege por um ano. Para os humanos ainda não existe vacina disponível.