Correio braziliense, n. 20177, 18/08/2018. Política, p. 3

 

Lula nas mãos de Barroso

Renato Souza

18/08/2018

 

 

Ministro do TSE será responsável por analisar o registro de candidatura do ex-presidente preso em Curitiba e decidir sobre todas as ações que pedem que ele seja impedido de concorrer. Haddad começa a campanha no Piauí

O ministro Admar Gonzaga, do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), decidiu abrir mão da relatoria de ações que contestam a candidatura do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva à Presidência da República. Ele foi selecionado por sorteio para conduzir quatro reclamações que podem barrar a candidatura do petista, condenado a 12 anos e inelegível pela Lei da Ficha Limpa. No entanto, o ministro enviou os processos para o ministro Luís Roberto Barroso, que estava responsável por analisar o registro de candidatura e foi mantido na função pela presidente da Corte, Rosa Weber. A concentração do caso nas mãos de Barroso preocupa o PT e a defesa de Lula, que temem uma decisão rápida do magistrado.


O relator do caso é quem decide os próximos trâmites, com base na legislação eleitoral. Barroso pode encurtar a trajetória de Lula na Justiça Eleitoral e decidir que a campanha deve ser suspensa imediatamente após o indeferimento do registro pelo Tribunal. Mesmo que o pedido de candidatura seja rejeitado pelo plenário, o petista tem direito de recorrer ao próprio TSE ou apresentar recurso extraordinário ao Supremo Tribunal Federal (STF). Mas, a depender da decisão de Barroso, ele terá que ingressar com recursos enquanto fica de fora do horário eleitoral gratuito no rádio e na TV e distante das demais ações de campanha.

As ações que estavam com o ministro Admar chegaram fora do prazo definido pelo TSE e podem ser consideradas “intempestivas”. Por conta disso, a relatoria delas é definida por sorteio, e não necessariamente ficam com o relator do registro de candidatura em si. Duas contestações vieram de cidadãos sem ligação política e duas foram protocoladas pelos candidatos a deputado federal Kim Kataguiri (DEM) e Alexandre Frota (PSL). Existe uma contestação de candidatura de autoria do Ministério Público Eleitoral (MPE) e uma ação apresentada pelo Partido Novo. O pedido do PT, para que Lula seja aceito como candidato foi publicado ontem na versão eletrônica do Diário da Justiça.

Prazos
A partir de hoje, tem início o prazo de cinco dias para apresentação de novas contestações em relação às candidaturas que, neste caso, podem ser protocoladas até a próxima quarta-feira. Em seguida, as defesas contam com sete dias para apresentar as alegações. No caso de Lula, a situação pode ser decidida de forma monocrática por Barroso ou ser levada ao plenário — o que é mais provável. Se o registro for negado pelo colegiado, mesmo havendo possibilidade de recurso, o relator pode determinar a imediata suspensão da campanha.

Enquanto a situação está indefinida na Justiça Eleitoral, e o ex-presidente permanece preso na Superintendência da Polícia Federal, em Curitiba, quem percorre o país em nome dele é o candidato a vice, Fernando Haddad, ex-prefeito de São Paulo. Na tarde de ontem, Haddad foi ao Piauí, onde participou de comícios e reforçou que Lula pretende continuar na corrida eleitoral. “Viemos ao Piauí inaugurar a campanha Lula, porque é onde ele começou o governo. Ele ressaltou que é candidatíssimo a presidente da República. Todas as autoridades brasileiras parecem que estão querendo evitar o inevitável, que é o Lula voltar a governar”, declarou.

4
Número de contestações à candidatura de Lula que foram enviadas ao ministro Barroso por Admar

Grevistas recebidos no STF
O gabinete do ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Gilmar Mendes recebeu três grevistas de fome que protestam em favor da liberdade do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, assim como pela homologação da candidatura do petista à presidência da República. Eles foram recebidos pelo chefe de gabinete do magistrado, no fim da tarde de ontem. É a terceira vez que são recebidos na Suprema Corte. Os grevistas já se reuniram nos gabinetes da presidente da Corte, Carmen Lúcia, e do ministro Ricardo Lewandowski. Enquanto três grevistas eram recebidos, os outros fizeram uma celebração religiosa em frente ao STF.

____________________________________________________________________________________________________________________________________

Itamaraty encaminha recomendação da ONU

18/08/2018

 

 

O governo brasileiro respondeu de imediato ao Comitê dos Direito Humanos da ONU, que solicitou ao país a adoção de medidas para que o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva “possa desfrutar e exercer seus direitos políticos, enquanto esteja na prisão, como candidato para as eleições presidenciais.” O ministro das Relações Exteriores, Aloysio Nunes, usou a conta dele no Twitter para reproduzir nota divulgada pelo Itamaraty, dizendo que o grupo da ONU é composto “não por países, mas por peritos que exercem a função em sua capacidade pessoal”, e suas conclusões “têm caráter de recomendação e não possuem efeito juridicamente vinculante.” Ou seja, o Brasil não é obrigado a adotá-las.


Segundo Nunes, as recomendações do comitê serão encaminhadas ao Poder Judiciário brasileiro. “O Brasil é fiel cumpridor do Pacto de Direitos Civis e Políticos. Os princípios nele inscritos de igualdade diante da lei, de respeito ao devido processo legal e de direito à ampla defesa e ao contraditório são também princípios constitucionais brasileiros, implementados com zelo e absoluta independência pelo Poder Judiciário”, conclui.

O Comitê da ONU acatou um pedido liminar feito pelo defensor do petista na Corte, Geoffrey Robertson, para que autoridades brasileiras “tomem todas as medidas necessárias para permitir que o autor desfrute e exercite seus direitos políticos da prisão como candidato nas eleições presidenciais de 2018, incluindo acesso apropriado à imprensa e a membros de seu partido político”. “O Comitê também solicita ao Brasil que não o impeça de concorrer às eleições para presidente em 2018, até que seus recursos diante das cortes tenham sido completados em processos jurídicos justos”, aponta o documento.

Defesa petista
Os advogados do petista insistem que o órgão não fez uma “recomendação” ao país, mas que se trata de uma “decisão” que precisa ser cumprida imediatamente por todos os órgãos brasileiros. “De que forma o Brasil vai cumprir isso não cabe a nós aqui discutir, mas não há opção. Deve cumprir, não é uma recomendação”, afirmou o criminalista Cristiano Zanin Martins. Para amparar o argumento, a defesa sustenta que o Brasil aderiu ao Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos, concordando em seguir todas as decisões do comitê das Nações Unidas e que isso fica sobreposto à própria legislação brasileira. “Sem a presença do ex-presidente Lula, essas eleições serão questionadas internacionalmente”, disse Zanin.

Análise da notícia País é achincalhado

» Plácido Fernandes

A pedido do PT, o Brasil volta a ser tratado como um país que não é sério. A decisão do Comitê de Direitos Humanos da ONU tenta desmoralizar o Judiciário e outras instituições brasileiras, como o Ministério Público e a Polícia Federal. Afinal, o petista, além de amplo direito à defesa, contou com o auxílio luxuoso de alguns dos mais caros e renomados advogados do país. Mesmo assim, acabou condenado em primeira e em segunda instâncias, está preso em conformidade com a jurisprudência do STF e inelegível pela Lei da Ficha Limpa.

Caso se curve à chicana, o Supremo colocará o Brasil na condição de único país onde cometer crimes, como corrupção, desvio de recursos dos cofres públicos e lavagem de dinheiro, constituirá direito assegurado pela mais alta corte de Justiça. Afinal, ser considerado inocente até que o STF aprecie o último recurso possível e imaginável garante impunidade eterna ao réu, pois a possibilidade de apelação no arcabouço jurídico tupiniquim é inesgotável. 

Mais grave: se garantir a impunidade a Lula, o STF terá, caso pretenda ser justo, de abrir as portas da cadeia também para outros 720 mil presos no país. Entre eles, os “inocentes” Marcola, Fernandinho Beira-Mar, Nem... E, ainda, Sérgio Cabral, Eduardo Cunha, Luiz Estevão, Gim Argello. Tutti buona gente!