O globo, n. 30997, 19/06/2018. Economia, p. 19

 

Temer defende tabela temporária de frete

Geralda Doca

Bárbara Nascimento

Eliane Oliveira

19/06/2018

 

 

Ideia é convencer o STF, que dará a palavra final. Cade e ANTT têm visões divergentes sobre fixação de preço

O governo defende uma solução intermediária para resolver o imbróglio em torno do tabelamento do frete. A alternativa que vem sendo costurada nos bastidores pela Advocacia-Geral da União (AGU) e outros órgãos federais prevê que a política de preços mínimos no transporte rodoviário de cargas valha temporariamente. A ideia é convencer o Supremo Tribunal Federal (STF), que dará a palavra final sobre o tabelamento, de que essa seria a melhor solução.

Segundo interlocutores do governo, o preço mínimo deveria valer até que seja resolvida uma distorção no mercado provocada pela subcontratação de caminhoneiros autônomos por valores abaixo do custo do transporte. Isso também daria tempo para que a Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT) ganhasse fôlego para regulamentar o setor, criando mecanismos para combater atravessadores e evitando o “empobrecimento” da categoria. O tabelamento do frete foi uma das promessas do governo para acabar com a greve dos caminhoneiros.

‘VAMOS ESPERAR O SUPREMO’

Apesar de pareceres técnicos contraditórios entre os órgãos do governo responsáveis pelo setor, a nova investida do governo encontra respaldo no documento emitido pelo Ministério da Fazenda e já enviado ao Supremo. Embora seja contra a medida, a Secretaria de Promoção da Produtividade e Advocacia da Concorrência da Fazenda admite que o tabelamento poderia ser adotado em curto espaço de tempo para não prejudicar excessivamente a concorrência. “Essa Secretaria entende ser necessário que o afastamento da concorrência seja feito na menor amplitude possível e pelo menor lapso de tempo possível”, conclui o documento encaminhado ao STF.

A Corte vai julgar o tema porque várias entidades recorreram à Justiça contra o tabelamento do frete. O relator das ações é o ministro Luiz Fux, que realiza audiência amanhã na tentativa de buscar uma solução que atenda aos setores do agronegócio e da indústria de um lado e os caminhoneiros de outro. Caso a proposta da solução intermediária prospere, os termos poderão ser ajustados na votação da medida provisória (MP) 832, que instituiu a política de preços mínimos e determinou que a ANTT elabore uma tabela para os valores.

Ontem, o presidente Michel Temer afirmou que o governo seguirá qualquer que seja a determinação do STF, dando a entender que o Planalto transferiu o desgaste do tabelamento de frete para Justiça:

— Há uma ação no Judiciário. Vamos esperar o Supremo decidir. O que aconteceu foi o seguinte: fizemos uma grande composição com os caminhoneiros e vocês perceberam o drama que foi. Conseguimos pacificamente, sem nenhum incidente de maior monta, desmontar aquele movimento por meio do diário e com a utilização de autoridade. Se o Supremo decidir de outra maneira, evidentemente vamos obedecer.

‘NÃO AFRONTA LIVRE INICIATIVA’

Depois da Fazenda e da AGU prestarem esclarecimento ao Supremo sobre o tabelamento de frete, ontem foi a vez da ANTT e do Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade) apresentarem pareceres técnicos sobre a medida. No documento da ANTT, o órgão regulador justifica que a medida tem como objetivo corrigir uma distorção no mercado, causado pelo descasamento entre a oferta de caminhões e a demanda pelo serviço, fazendo com que a remuneração dos caminhoneiros fique abaixo do custo.

Na visão da ANTT, a MP que tabela o preço do frete "não afronta os princípios da concorrência e da livre iniciativa" — argumento utilizado pelas entidades representativas do agronegócio e da indústria nas ações apresentadas ao STF. Essas entidades alegam que a norma é inconstitucional.

“Ao se fixar o mínimo, se está garantindo uma política de preços de mercado que não seja subestimada, como vinha ocorrendo”, diz a ANTT no parecer.

O documento sustenta a urgência e relevância da MP, alegando que a medida era umas das principais reivindicações dos caminhoneiros. “A tutela ora pleiteada não pode ser concedida sob pena de retornarmos ao estado de cizânia (discórdia)", alertou a agência.

Já o Cade reforçou sua posição contra a o tabelamento do frete, afirmando que a medida “não apresenta benefícios ao adequado funcionamento do mercado e ao consumidor final, que arcará com os aumentos de preço”. Segundo o órgão, é preocupante e anticoncorrencial a estipulação de um preço padrão para o frete.