O globo, n. 31002, 24/06/2018. País, p. 5

 

Bancada da 'lei e da ordem' busca as urnas

Jailton de Carvalho

24/06/2018

 

 

Estudo revela que 429 militares e policiais espalhados pelo país devem concorrer em outubro

O burburinho nos quartéis e nas delegacias não deixa dúvidas: no indefinido e polarizado cenário político do país, está em formação uma onda de candidaturas de militares e policiais, um movimento sem precedentes na História recente do país. Pelos dados disponíveis até o momento, pelo menos cem militares das Forças Armadas, entre eles oito generais, deverão concorrer a um cargo nestas eleições.

Estão se movimentando também para engrossar a nova bancada da “lei e da ordem” 50 policiais federais, entre eles 13 delegados, mais de 300 policiais militares, 52 policiais civis e pelo menos 40 inspetores da Polícia Rodoviária Federal, conforme levantamento feito pelo GLOBO entre entidades sindicais e líderes das categorias. Os dados não são definitivos. O registro formal das candidaturas só deve ocorrer entre 20 de julho e 5 de agosto.

Militares e policiais estariam, agora, tentando surfar no sucesso de público da Operação Lava-Jato, no clima de insegurança que reina no país e até mesmo na pré-candidatura do deputado Jair Bolsonaro (PSLRJ) à Presidência da República. O deputado tem aparecido em primeiro lugar nas pesquisas de opinião quando o nome do expresidente Luiz Inácio Lula da Silva é excluído da disputa.

Ao mesmo tempo, a Segurança Pública, sempre listada esteve entre os temas que mais preocupam o eleitorado, ganhou uma nova dimensão. O último Atlas da Violência revelou que 62.517 mil pessoas foram assassinadas em 2016, um recorde na longa curva de crescimento da violência no país.

EFEITO LAVA-JATO

As entidades de policiais e militares calculam que o contingente de seus candidatos deve dobrar ou até mesmo triplicar nestas eleições em comparação com as de 2014. Para o general da reserva Antônio Hamilton Martins Mourão, não restam dúvidas de que o pleito deste ano terá um expressivo número de candidaturas de militares. Pelo menos dois generais vão disputar os governos de Distrito Federal e Ceará. Um terceiro deve concorrer ao governo do Rio Grande do Norte.

— Serão mais, muito mais candidaturas de militares. É aquela questão: existe uma demanda, e o pessoal resolveu participar. Até porque, se a gente quer mudar, só tem duas maneiras: ou é debaixo de pau, ou é fazendo o jogo — afirma Mourão.

O presidente da Associação Nacional dos Delegados de Polícia Federal (ADPF), Edvandir Paiva, confirma o boom de candidaturas de policiais federais. Segundo ele, 13 delegados vão concorrer a vagas de deputados estaduais, federais e senadores. O projeto é ampliar a bancada de delegados da PF, hoje composta por apenas dois deputados federais.

— A Lava-Jato mostrou a importância do combate à corrupção. Como a PF se destacou, isso encorajou delegados, agentes, peritos e policiais de todas as áreas a concorrer — analisa o delegado.

O presidente da Associação Nacional de Praças, Elisandro Lotin, está ainda mais empolgado. Para ele, é forte o movimento nos quartéis das polícias militares pelo país. Ele estima que mais de 300 PMs vão se candidatar.

— Vamos ter o triplo de candidaturas de militares, o que se dá por causa do caos na Segurança Pública — afirma.

Na corrida eleitoral, a Federação Nacional dos Policiais Federais (Fenapef ) largou na frente. A entidade criou uma página na internet para promover a candidatura de seus afiliados e batizou-a de frentelavajato.com.br.

— É um dos efeitos da Lava-Jato, que deu visibilidade (à polícia) ao alcançar quem não era alcançado — diz Luis Boudens, presidente da Fenapef.

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Risco de partidarização

240/06/2018
 
 

Haverá independência de um delegado que perde uma eleição e, na volta ao trabalho, investiga um ex-aliado?

O aumento das candidaturas de militares e policiais, sobretudo de delegados, tem chamado a atenção de especialistas. Para alguns, o envolvimento de agentes do Estado em campanhas eleitorais expõe as instituições ao risco da partidarização e mesmo da polarização que hoje se verifica na sociedade.

Uma das perguntas que se impõem é: um delegado que perdeu uma eleição e volta ao antigo trabalho tem isenção para conduzir inquéritos contra ex-correligionários ou exadversários políticos? Outra pergunta: a politização dos quartéis pode quebrar o basilar princípio da hierarquia?

Alguns delegados, questionados sobre o assunto, confirmam que a questão da isenção incomoda a instituição. De modo geral, investigadores não veem políticos profissionais com bons olhos, sobretudo aqueles que trocam o distintivo por um broche parlamentar.

Mas o tema é novo e está longe de um consenso. Entre os analistas há também quem afirme que o número de policiais candidatos é pequeno e não tem poder para influenciar as linhas gerais da atuação policial. O mesmo raciocínio tem sido usado em defesa da atuação política dos militares.

Se a onda de candidaturas de policiais e militares vingar nas eleições deste ano, provavelmente estas perguntas terão respostas mais conclusivas.