O globo, n. 31036, 28/07/2018. Economia, p. 19

 

Sobretaxa deve valer até fim do ano

Manoel Ventura

28/07/2018

 

 

Seca pressiona, e brasileiro paga bandeira tarifária mais cara por três meses seguidos

A falta de chuvas e o baixo nível dos reservatórios das hidrelétricas devem fazer a conta de luz do brasileiro ficar mais cara até, pelo menos, o mês de novembro. A Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) informou ontem que, em agosto, pelo terceiro mês consecutivo, será aplicada a bandeira tarifária vermelha no nível 2. Com isso, as contas de luz continuarão com a cobrança extra de R$ 5 a cada 100 quilowatts-hora (kWh) consumidos. É a primeira vez que o país passará três meses seguidos com esse patamar nas tarifas de energia, o mais elevado das cobranças adicionais. Especialistas calculam que essa bandeira deve vigorar até o fim do ano.

— A estrutura atual aponta que devemos ter bandeira vermelha 2 pelo menos até novembro. Para dezembro, é de 75% a chance de ter a bandeira vermelha 2. Isso ocorre por causa das chuvas muito abaixo da média histórica e do nível muito baixo dos reservatórios. Quando se compara essas equações, não há boa perspectiva para o médio prazo — disse o vice-presidente de Operações da Comerc Energia, Marcelo Ávila.

Economistas já contavam com a manutenção da cobrança extra. Por isso, a expectativa é que o prolongado período de bandeira vermelha não tenha impacto na inflação, que deve ficar na casa dos 0,2% em agosto.

— Não tem impacto porque o patamar 2 já é o último, e o efeito foi absorvido nos meses anteriores. Nossa expectativa é de um período seco — afirma Leonardo Costa, economista da Rosenberg Associados, que projeta IPCA de 3,9% para este ano.

André Braz, economista da FGV, observa que o efeito será mais observado sobre a atividade econômica.

— Oferecer uma energia mais cara é encarecer a estrutura produtiva e isso não é bom nesse momento. O desejável seria ter uma energia mais barata para que faça coro à taxa de juros mais baixa para estimular a economia.

CUSTO EXTRA DESDE MAIO

O sistema de bandeiras sinaliza o custo real da energia gerada. A cor da bandeira é impressa na conta de luz (vermelha, amarela ou verde). Quando chove menos, os reservatórios das hidrelétricas ficam mais vazios e é preciso acionar mais usinas termelétricas para garantir o suprimento de energia.

Além de mais poluentes, essas usinas são mais caras. Os custos extras decorrentes dessa geração são transferidos para o consumidor. Por isso, nesse caso, a bandeira fica amarela ou vermelha, de acordo com o custo de operação das termelétricas acionadas.

“A manutenção da cor da bandeira deve-se ao prosseguimento das condições hidrológicas desfavoráveis e à redução no nível de armazenamento dos principais reservatórios do Sistema Interligado Nacional (SIN)”, informou a Aneel. Como consequência, segundo o órgão, houve a manutenção do preço da energia elétrica no mercado de curto prazo no valor máximo estabelecido pela Aneel, e aumento do risco associado à falta de chuvas.

As contas de luz estão mais caras desde maio, quando foi acionada a bandeira amarela, que gera um custo extra de R$ 1 a cada 100 kW/h em energia consumida. Em junho, a sobretaxa aumentou para R$ 5, com a bandeira tarifária vermelha nível 2. O mesmo ocorreu em julho, e se repetirá em agosto. De janeiro a abril deste ano, não houve cobrança adicional na conta de luz.

— As chuvas no Sudeste estão no quarto pior nível da História, por isso não apostamos na reversão da bandeira — acrescentou Ávila.

VOLUME PRÓXIMO AO REGISTRADO EM 2017

O volume da água disponível para as hidrelétricas segue em queda e voltou a se aproximar do comportamento visto no ano passado, o pior já registrado. As barragens que abastecem todo o Sistema Interligado Nacional estão cerca de 12 pontos percentuais abaixo do volume estimado para esta época do ano, segundo cálculos da Câmara de Comercialização de Energia Elétrica (CCEE). A previsão da CCEE é que o nível de água nos lagos das hidrelétricas permaneça muito baixo durante todo o ano, pressionando as contas de luz.

— A situação dos reservatórios continua complicada. Não temos perspectiva de chuvas em agosto e acreditamos que setembro tende a contar com pressão na tarifa por conta do maior uso das usinas térmicas — disse o diretor de Regulação da Safira Energia, André Cruz.

O nível dos reservatórios do subsistema Sudeste/ Centro-Oeste, o mais importante para a geração de energia por meio de hidrelétricas no Brasil, atingiu ontem 35,21% da capacidade de armazenamento. Segundo o Operador Nacional do Sistema Elétrico (ONS), neste mesmo período do ano passado, a capacidade armazenada era de 38,54%.

O QUE PESA NO CÁLCULO

BANDEIRA TARIFÁRIA

Cobrança extra deve continuar até novembro

PARADA DE USINAS

Falta de gás deve parar sete usinas mais baratas até setembro

REAJUSTE TABELADO

Parte das hidrelétricas levará a alta de até 3,86%

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Estiagem em São Paulo já prejudica o agronegócio

João Sorima

Roberta Scrivano

28/07/2018

 

 

Em algumas cidades do interior e na capital, não chove há mais de cem dias

Quatro anos depois do início da maior crise hídrica que atingiu São Paulo nos últimos 80 anos, o estado volta a enfrentar nova estiagem com perdas para a indústria e o agronegócio. Em algumas cidades do interior e na capital, não chove há mais de cem dias. No agronegócio, a estimativa de prejuízo, por enquanto, é de R$ 30 milhões, principalmente nas safras de cana e milho. É o mesmo valor das perdas contabilizadas em 2014, mas, se a seca continuar, esse número pode crescer, diz a Associação Brasileira do Agronegócio (Abag).

— Não achamos que tão cedo voltaríamos a falar de seca. Mas ela voltou e traz novas perdas para o setor agrícola — diz Luiz Cornacchioni, diretor executivo da Abag.

IMPACTO EM 31% DAS EMPRESAS

Com a oferta menor, o efeito cascata acaba impactando outros setores. É o caso do leite, que já está, em média, R$ 0,50 mais caro nos supermercados. Os motivos são dois, de acordo com dados do Centro de Estudos Avançados em Economia Aplicada da USP: desperdício do insumo durante a greve dos caminhoneiros, quando litros que não seguiram viagem foram despejados nas rodovias, e a estiagem nas regiões produtoras (como a cidade de Ribeirão Preto), impedindo as vacas de ficarem no pasto, o que reduz a produtividade por animal.

E o problema não se limita ao agronegócio. Levantamento do Sebrae aponta que 31% das empresas brasileiras terão seus negócios impactados pela seca neste ano. De acordo com o estudo, a água foi apontada como de “importância alta” para 30% das indústrias, 29% das empresas de serviços; 21% para as do comércio; e 68% do agronegócio.

“Só 17% das empresas reaproveitam a água usada em sua atividade atualmente, e 24% dos empresários não sabem ou não monitoram o impacto do custo da água”, diz o estudo.

A falta de chuva em São Paulo vem desde maio. Pela medição do Instituto Nacional de Meteorologia (Inmet), naquele mês a chuva ficou 86% abaixo da média histórica e, em junho, 75%. O governo estadual afirma, no entanto, que não há risco de desabastecimento ou rodízio.