O globo, n. 31038, 30/07/2018. País, p. 6

 

Primeiras delações da Lava-Jato condenaram só uma autoridade

André de Souza

30/07/2018

 

 

Apesar de fundamentais para crescimento da operação, acordos de colaboração resultaram em 22 investigações no STF, e metade delas foi descartada na Justiça

Quatro anos após a primeira delação da Operação Lava-Jato e mais de três anos desde os 22 primeiros inquéritos abertos para investigar autoridades com foro privilegiado no Supremo Tribunal Federal (STF), levantamento feito pelo GLOBO mostra que metade dessas investigações já chegou ao final na Corte e apenas uma delas levou à condenação, a do deputado Nelson Meurer (PP-PR).

Nos outros dez casos encerrados, ocorreu o arquivamento do inquérito, a rejeição da denúncia apresentada pela Procuradoria-Geral da República (PGR) ou a absolvição no julgamento final. Em seis inquéritos, os próprios investigadores apontaram falhas nas delações ou admitiram não ter conseguido levantar as provas necessárias, solicitando o arquivamento. Em três casos, foi o STF que julgou como insuficientes as denúncias apresentadas pelo Ministério Público.

Os inquéritos analisados se basearam, principalmente, nas duas primeiras delações da Lava-Jato, fechadas em 2014: a do ex-diretor da Petrobras Paulo Roberto Costa e a do doleiro Alberto Youssef. As colaborações ajudaram a revelar o cartel das empreiteiras que dividiam entre si os contratos da Petrobras e a desvendar a dimensão do esquema de corrupção que beneficiava vários partidos. Também estimularam novos delatores a falar.

Se a denúncia é aceita — o que já ocorreu em oito ocasiões —, o inquérito vira ação penal. Só no fim é que há julgamento para definir a culpa. Até agora, dois processos já chegaram a esse ponto. Meurer foi condenado em maio e, no mês seguinte, a Segunda Turma do STF absolveu a presidente do PT, senadora Gleisi Hoffmann (PR), e seu marido, o ex-ministro Paulo Bernardo.

No caso dos arquivamentos feitos pelo STF, a falta de provas foi o principal motivo. Para que alguém seja condenado, não basta que um delator aponte um crime, ou que outro colaborador corrobore a versão inicial. É preciso conseguir provas. No processo de Gleisi e Paulo Bernardo, o relator, ministro Edson Fachin, votou a favor da condenação pelo crime de caixa dois, mas pela absolvição no caso de corrupção passiva, uma vez que a presidente do PT ainda não tinha poderes para oferecer contrapartidas à suposta propina na data em que o crime teria ocorrido, em 2010. A maioria da Segunda Turma os absolveu de todas as acusações.

Meurer, por outro lado, foi condenado a 13 anos, nove meses e dez dias de prisão por corrupção passiva e lavagem de dinheiro. No caso dele, depósitos fracionados em conta bancária em datas compatíveis com os relatos dos delatores, depoimentos de testemunhas, e dados sobre contatos telefônicos, viagens e estadas em hotéis ajudaram a formar a convicção dos ministros.

DIFERENTES VISÕES

Os números permitem leituras diferentes, dependendo do ponto de vista. No STF, sempre que uma acusação é rejeitada, alguns ministros fazem questão de atacar o trabalho dos investigadores. Gilmar Mendes, por exemplo, costuma criticar a abertura de um inquérito que mancha a imagem do investigado, mas, depois, é arquivado. Já um integrante do Ministério Público ouvido pelo GLOBO apontou que é preciso investigar quando um fato parece ser ilícito, mas que não há como garantir que o desfecho será a condenação e que não é “desproporcional” um número significativo de processos terminar sem punição. Dos 22 inquéritos, em 15 já houve a apresentação de denúncia.

As provas exigidas na hora de analisar o recebimento da peça de acusação não precisam ser tão fortes quanto no momento do julgamento final. Seis ações penais aguardam a análise definitiva. Cinco delas continuam na Corte, enquanto uma, envolvendo o ex-presidente da Câmara Eduardo Cunha (MDB-RJ), foi enviada para a primeira instância.

O presidente da Associação Nacional dos Delegados de Polícia Federal (ADPF), Edvandir Paiva, critica a negociação antecipada da pena, como o Ministério Público faz hoje com os colaboradores. Segundo ele, a decisão deve ser do juiz e levar em conta se a delação foi efetiva.

— Pode ter ocorrido tudo o que o colaborador falou, pode ser verdade, mas, se não consegue provar, não adianta nada —disse Paiva.