O globo, n. 31038, 30/07/2018. Rio, p. 10

 

O caminho passa por novos centros

30/07/2018

 

 

Pelo menos dois milhões de moradores do Grande Rio se deslocam diariamente para a capital. Especialistas propõem um novo modelo de ocupação urbana para que as pessoas tenham oportunidades de emprego e serviços mais perto de casa

Da maneira descompassada como o Rio cresceu, diariamente cerca de dois milhões pessoas — o equivalente ao público do réveillon de Copacabana —se deslocam dos subúrbios e da periferia metropolitana para o chamado hipercentro da cidade, onde se concentramserviçoseofertas de emprego. Obra alguma, dizem especialistas, atenderia satisfatoriamente a tamanha demanda. Por essa razão, têm entrado em cena propostas de mudanças no padrão da ocupação urbana para promover impactos na mobilidade.

A cidade “3D” (distante, dispersa e desconectada) precisa ser revertida num modelo “3C” (compacta, conectada e coordenada), afirma Nívea Oppermann, vice-diretora do Programa Cidades da instituição WRI Brasil. E um dos métodos para alcançar esse objetivo, diz ela, é o Desenvolvimento Orientado ao Transporte Sustentável (DOTS), um dos conceitos que orientamoPlanoEstratégicodeDesenvolvimento Urbano Integrado da Região Metropolitana do Rio (PDUI).

— Nessa dinâmica, é preciso ocupar vazios existentes na metrópole, conter a expansão de novas áreas e revitalizar as degradadas —diz Nívea.

CRESCIMENTO DESENFREADO

Entre os elementos do DOTS, explica a especialista, está o incentivo a múltiplas centralidades na cidade, para que as pessoas tenham oportunidades de trabalho, estudo e lazer mais perto de casa, com objetivo de diminuir os deslocamentos. E, quando for necessário o uso do transporte, ele precisa ser de qualidade, ao passo que se deve forçar o uso racional do automóvel.

Hoje, devido à concentração da atividade econômica na capital, 68% dos trabalhadores na Região Metropolitana precisam se deslocar para o município do Rio, segundo o Instituto de Políticas de Transporte e Desenvolvimento (ITDP). A região é formada por 21 municípios, incluindo a capital. Ainda que a Linha 3 do metrô (ligando Itaboraí a Niterói) tivesse saído do papel, diz Luiz Firmino, superintendente da Câmara Metropolitana, um morador de Itaboraí, por exemplo, levaria mais de uma hora para chegar ao Centro do Rio.Apesardisso,ressaltaele,a metrópole continua se expandindo 32 quilômetros quadrados ao ano, principalmente em suas pontas mais periféricas, dificultando a oferta de serviços e infraestrutura.

A nova lógica proposta visa a reforçar a centralidade de outros polos, além do Centro do Rio. Na capital, devem ser estimuladas áreas como Campo Grande e Madureira. No Leste Fluminense, diz Firmino, se fortaleceria, principalmente, a região de Alcântara, em São Gonçalo. E, na Baixada, Duque de Caxias e Nova Iguaçu devem ser alçados ao protagonismo.

CORREÇÃO DE RUMOS

A ideia é que bairros com grande número de imóveis ociosos às margens das linhas de trem tenham atenção. Além de criar mecanismos para ocupá-los, o plano é melhorar o acesso deles às estações ferroviárias, com a construção de calçadas, ciclovias e bicicletários.

Atualmente, porém, se uma pessoa está em Nova Iguaçu e pretende ir para Caxias num transporte de alta capacidade, terá de pegar um trem até São Cristóvão, mudar para o ramal de Gramacho e, só depois de toda essa volta, chegar ao destino. Corrigir incoerências como essas também fazem parte da transformação sugerida.

— A maior parte das linhas de trem e vias expressas é de radiais: vêm da periferia, de municípios que viraram cidades-dormitórios, em direção ao Centro do Rio. Precisamos criar corredores transversais, como entre Nova Iguaçu e Duque de Caxias. As ligações devem ser feitas por transportes de média ou alta capacidade, como BRT, VLT, trem e metrô —diz Firmino.

Hoje, os BRTs Transcarioca (Galeão-Barra) e Transolímpico (Deodoro-Recreio) são alguns dos poucos exemplos desses corredores transversais.

—Nesse sentido, são propostas, por exemplo, ligações às margens do Rio Sarapuí ou na antiga Estrada de Madureira, na Baixada, bem como outras atravessando São Gonçalo — ressalta o superintendente.

A velha promessa de tirar do papel a Linha 3 do metrô voltaria a ser prioridade. E o trem seria estendido de Santa Cruz até Itaguaí. Estratégias, diz Firmino, que ajudariam ainda a comedir mais um dado revelador: de tudo que foi construído nos últimos dez anos na Região Metropolitana, 40% foram destinados a garagens para carros, embora persista um enorme déficit de moradias no Rio.

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Metrópole dos sonhos para na falta de recursos

30/07/2018
 
 

Plano que não começou a sair do papel prevê oito novos trechos de metrô

Se o alcance dos transportes de massa não satisfaz boa parte dos passageiros, há um Rio com uma linha de metrô que chega à Ilha do Fundão (saindo de Del Castilho) e a Niterói (partindo da Praça Quinze, por um túnel subaquático em plena Baía de Guanabara). Também é possível ir de trem de Nova Iguaçu a DuquedeCaxias,edeBRTdaPraça Arariboia a São Gonçalo. Mas, por enquanto, esse Grande Rio dos sonhos só existe no papel:estánoPlanoDiretorde Transportes Urbanos (PDTU) de 2015, que traça previsões para a médio e longo prazo.

Em tons que soam utópicos diante de tanta ideia que perdeu fôlego, o documento indica o que especialistas e cálculos de demanda consideravam o sistema “ideal” para depois de 2021. A previsão era que se tornasse realidade em 2036.

A ampliação da infraestrutura recomendada custaria, em valores calculados na época, R$ 27,3 bilhões, sendo o maior aporte na construção da linha metroviária entre Niterói e São Gonçalo (a Linha 3), que demandaria, sozinha, R$ 4,4 bilhões.

O documento é anterior à crise, que minguou investimentos. Esperava-se, por exemplo, que o BRT Transbrasil, cujas obras estão paradas, estaria em funcionamento desde 2016.

O plano antevia ainda que o Rio teria seis novas linhas e duas extensões do metrô (a Linha 4 alcançaria o Terminal Alvorada, e a Linha 2 chegaria à Praça Quinze), assim como existiriam três novos trechos para trens, incluindo a ligação entre Nova Iguaçu e o bairro de São Bento, em Duque de Caxias.

O subsecretário estadual de Transportes, Delmo Pinho, ressalta que o relatório serve para nortear possíveis investimentos quando oportunidades surgirem. Mas reconhece obstáculos para concretizá-los:

— Um plano diretor tem uma enorme dificuldade, porque ele é de longo prazo. No Brasil, nos últimos anos, não se sabe nem como o ano vai fechar. Como arrumar dinheiro para fazer um investimento desses? —observa.

Joubert Flores, consultor de Engenharia do MetrôRio e presidente da Associação Nacional dos Transportadores de Passageiros sobre Trilhos (ANPTrilhos), avalia que é preciso, em primeiro lugar, planejar melhor os fluxos da rede já existente:

— Onde é preciso transportar muita gente, você coloca transportes sobre trilhos. Mas, aqui no Rio, há corredores de alta capacidade e várias linhas de ônibus competindo com eles, fazendo o mesmo trajeto.

Para elaborar o plano diretor e apontar saídas para resolver o nó da mobilidade no Rio, a equipe técnica resgatou antigos projetos de circulação que nunca foram completamente implementados, tais como o Plano Doxiadis, de 1965, e o Plano Integrado de Transporte do Metrô, da década de 1970.

AS RECOMENDAÇÕES DO PLANO DIRETOR DE TRANSPORTES URBANOS

Metrô cruza a Baía

As sugestões para a rede metroviária são ambiciosas: uma estação de metrô da Praça Quinze seria ligada à estação Arariboia, em Niterói, por um túnel subaquático. De lá, partiria a Linha 3, até Guaxindiba. Outro eixo metroviário seria criado para unir a Gávea ao Centro, passando por Jardim Botânico, Botafogo e Laranjeiras. Uma nova linha levaria passageiros da estação Uruguai, na Tijuca, à Gávea, passando por baixo do maciço da Tijuca. A Linha 4 chegaria ao Terminal Alvorada, de onde partiria a Linha 6, com destino à Ilha do Fundão, passando por Del Castilho.

Trem pela Baixada

O documento sugere a implantação de uma ligação por trilhos entre Nova Iguaçu e Duque de Caxias, com objetivo de estimular outros fluxos que vão além do eixo Baixada-Rio. Também faz parte dessa lógica a inauguração de um trecho entre Deodoro e Caxias.

BRT até Manilha

O único novo trajeto de BRTproposto,alémdo hoje paralisado Transbrasil, é a via que partiria do Terminal João Goulart, em Niterói, até Manilha, em São Gonçalo, pela RJ-104. Nesse caminho há apenas um corredor exclusivo para ônibus na Alameda São Boaventura.