O globo, n. 31039, 31/07/2018. Sociedade, p. 23

 

Quase dois milhões se formam de casa

Bruno Alfano

31/07/2018

 

 

 Recorte capturado

Conheça brasileiros que começaram a formação pelo ensino a distância e hoje pesquisam até tratamentos para o câncer

Gilberto dos Santos, de 34 anos, nasceu e cresceu em Nova Iguaçu sonhando estudar Geografia ou Ciências Sociais. A oportunidade que avida lhe deu, no entanto, foi um curso técnico de Administração que o empregou rapidamente. Por isso, deixou o sonho da faculdade no futuro. Quando conseguiu, entrou para ocurso superior de Administração, pensando que esse seria o caminho natural. Mas não se encontrou. Até que decidiu ir em busca daquela que sempre percebeu como sua vocação: a área de Humanas.

—Com 30 anos, decidi estudar História adistân ciano Cederj(Cent rode Educação Superiora Distância do Estado do R iode Janeiro) eme apaixonei—conta.—Par amim, o modelo foi maravilhoso, mas não é fácil. Ouvi de várias pessoas que sou um ponto fora da curva porque terminei no tempo correto. O problema é que há uma exigência alta de leitura. Já li mais de 500 páginas para uma única prova.

Comas novas oportunidades que agraduação lhe trouxe, Santos tornou-sem estrando em História Econômica na USP. Ele faz parte de um contingente de brasileiros que, por morar longe dos grandes centros ou não ter tempo de estar presencialmente em uma instituição de ensino, optam pelo ensino a distância. Em 2017, de acordo com o Censo Escolar e o C ensoda Educação Superior, havia 1.738.858 estudantes matriculados nesta modalidade entre o ensino fundamental e agraduação, o que representa 3% do total . São 18%, considerando-se apenas agraduação.

— Os cursos de ensino a distância têm a missão de democratizar a educação e melhorar a formação do professor onde a universidade não chega — afirma o professor Carlos Eduardo Bielschowsky, presidente do Consórcio Cederj e da Fundação Cecierj, ambas da Secretaria de Estado de Ciência, Tecnologia, Inovação e Desenvolvimento Social.

Além disso, explica Bielschowsky, desempenham um papel importante no desenvolvimento econômico e social do estado como um todo. Uma vez que oferecem cursos de Engenharia, Administração, Informática, entre outros, contribuem para reverter o fluxo perverso da população do interior para os grandes centros urbanos.

CHEGADA AO DOUTORADO

A vida de Marina Barreto Silva, de 52 anos, sempre foi caçar caranguejos em Gargaú, distrito de São Francisco de Itabapoana (RJ) — a cerca de seis horas da capital do estado. Esse seria o seu destino para a vida toda se sua filha caçula não tivesse enfrentado problemas de aprendizado quando ainda estava no ensino fundamental. Em visita à escola da menina, Dona Marina, como é chamada, foi convencida por um professor a voltar às salas de aula e completar o ensino médio. Aos 36 anos, pegou gosto pelo estudo e não parou mais. Fez o curso de Biologia a distância e, hoje, é aluna de doutorado em Biotecnologia da Universidade do Estado do Norte Fluminense (Uenf), onde pesquisa um novo tratamento de câncer que seja menos agressivo ao paciente.

— Eu nem ousava sonhar com a vida que tenho hoje. De repente me vi dentro de um laboratório, pude perceber que essa é minha paixão —conta Marina.

Três de suas filhas também seguiram pelos estudos em Biologia a distância. A caçula, que resolveu lá atrás os seus problemas de aprendizagem, está completando o curso agora. A doutoranda conta que o método mudou desde o seu tempo de faculdade. Na época, ela pegava as apostilas em um dos polos e estudava em casa. Agora, quase tudo acontece em ambiente virtual.

Uma pesquisa realizada no início do ano passado pela Universidade Aberta do Brasil, programa do governo federal que articula e fomenta cursos a distância no país, indica que a participação em fóruns e chats é o recurso pedagógico mais utilizado nos cursos.

—É importante estimular o aluno de ensino a distância a atividades que despertem seu interesse, ainda mais se estas forem coletivas, o que aumenta o sentimento de pertencimento à sua comunidade — afirma Bielschowsky.

João Vianney,e x-coordenadordo Laboratório de Ensino a Distância da UFSC e consultor educacional da Hopper, diz que a utilização dos fóruns tem mudado nos últimos anos. Os fóruns avaliativos, que valem nota, estão perdendoespaço par aos de discussão, onde a participação é livre.

— Pense numa aula de curso superior. Numa turma de 30 a 50 alunos, apenas três ou quatro fazem perguntas. Os 80% restantes têm outro estilo de aprendizagem. Erramos feio na educação a distância ao obrigar 100% dos alunos a fazerem perguntas ou participarem de fóruns —afirma.

Gilberto dos Santos já participou muito desses fóruns durante o seu curso a distância de História. Em uma dessas discussões, ele chamou atenção do professor que o convidou para ser seu orientando no mestrado.

— A carga horária é puxada. Eu digo para quem quer fazer que não vai ser fácil. As provas são todas discursivas — conta ele, que foi selecionado para uma bolsa em Lisboa e passará dois meses pesquisando o seu tema na capital portuguesa.

OS DESAFIOS PARA O PROFESSOR NA MODALIDADE

Novo papel

O progressivo desenvolvimento da educação a distância traz desafios ao professor. A educadora Claudia Costin afirma que o docente ganha nova função: a de “assegurador da aprendizagem”.

Ativador

“Ele deixa de ser um mero fornecedor para ser o ativador”, afirma Costin. Ela explica que isso traz desafios principalmente para a formação do profissional nas universidades.

Possibilidades

Já há escolas de ensino fundamental que têm o “ensino híbrido”. O aluno vê um vídeo com o conteúdo e, com o professor em sala, aprende como aplica aquele conhecimento.

Plataformas adaptativas

As chamadas plataformas adaptativas são hoje consideradas uma ferramenta do futuro por especialistas da área. Elas são exercícios que conseguem identificar profundamente as causas das dificuldades dos alunos. Se o estudante não está indo bem em um conteúdo como porcentagem, por exemplo, esse recurso é capaz de descobrir se ele não entendeu fração ou se esta é uma dificuldade que o jovem tem com divisão.

Sem preparação

“Lidar com isso tudo isso deve ser ensinado nas faculdades de Pedagogia, o que não acontece hoje em dia”, explica Claudia Costin. A formação precisa levar em conta os novos desafios.