O globo, n. 31035, 27/07/2018. Rio, p. 7

 

Polícia fecha o cerco

Vera Araújo

27/07/2018

 

 

Mais dois suspeitos de participação na morte de vereadora têm prisão decretada e são procurados; Suspeitos integram quadrilha de ‘péssimo histórico’ e deixam rastro de ‘delitos graves’ , diz juiz

A polícia acredita que está montando o quebra-cabeça para elucidar o assassinato de Marielle Franco (PSOL) e seu motorista, Anderson Gomes. Ontem, a Justiça decretou a prisão de mais dois suspeitos. Eles, a exemplo do ex-PM Alan de Morais Nogueira, preso na última terça-feira, também estariam no Cobalt prata, com placa clonada, que atacou o veículo da vereadora, no dia 14 de março deste ano, por volta das 21h, no Estácio. Com os mandados judiciais, os policiais agora procuram William da Silva Sant’Anna, o William Negão, e Renato Nascimento dos Santos, o Renatinho Problema, ambos acusados de pertencerem a uma milícia da Zona Oeste, cujos interesses a parlamentar estaria contrariando. Preso em Mossoró, no Rio Grande do Norte, Orlando de Oliveira Araújo, o Orlando de Curicica, é apontado como chefe desse grupo paramilitar. Pela linha de investigação em curso, a ordem de execução de Marielle foi dada de dentro da cadeia por Orlando, preso desde o ano passado.

Os nomes dos supostos integrantes do carro dos assassinos foram fornecidos à polícia pela testemunha chave do caso, que já trabalhou para Orlando e hoje está sob proteção. De acordo com ela, William, Renato e Alan teriam participado diretamente do atentado. A existência dessa testemunha, que havia procurado inicialmente a Polícia Federal, foi revelada com exclusividade pelo GLOBO há dois meses.

 

DISPUTA PELA EXPLORAÇÃO DE ‘GATONET’

A prisão de William e Renato foi decretada com base num num crime ocorrido no rastro da milícia da região de Jacarepaguá, considerada uma das mais violentas da cidade. Eles vão responder pelo homicídio de Rafael Freitas Pacheco da Silva, o Leão, e pela tentativa de homicídio da mulher que o acompanhava. As vítimas que estavam no mesmo carro foram atacadas na Estrada da Boiúna, na Taquara, em 10 de novembro de 2015. A área é uma das que estão sob o domínio dos milicianos investigados. Esse crime teria sido cometido com a ajuda de outro suspeito de integrar o bando, Guilherme Anderson Oliveira Christensen, conhecido como Gordão, que também teve a prisão decretada, mas não é citado no caso Marielle.

O juiz Gustavo Gomes Kalil, do 4º Tribunal do Júri, que mandou prender os três, afirma em seu despacho que as investigações da Delegacia de Homicídios da Capital (DH) comprovaram que o motivo do assassinato de Rafael foi a disputa pelo controle da distribuição de sinal de TV a cabo na região. Na época, Orlando pretendia expandir seus negócios na Boiúna e ordenou a morte do concorrente que explorava o “gatonet”.

A trama intrincada se liga ao caso Marielle porque Rafael era amigo e sóanos cio do homem que viria a se tornar a testemunha chave do assassinato da vereadora. Ela conta que, primeiramente, para não morrer, foi obrigada a trabalhar para Orlando e se tornou motorista dele.

Segundo o juiz, Orlando e sua quadrilha têm um “péssimo histórico”. “Orlando Oliveira, Guilherme Anderson e William da Silva ostentam em suas folhas de antecedentes criminais, respectivamente, com oito, sete e seis anotações criminais, inclusive pela prática de delitos extremamente graves, tais como homicídio qualificado, roubo e porte ilegal de arma de fogo, merecendo destaque a existência de sentenças condenatórias com trânsito e julgado”, observa o magistrado. A sentença destaca ainda que Renato Nascimento tem duas acusações de homicídio. “Tudo a revelar, de forma nítida e concreta, que a prisão preventiva é a única cautelar necessária e suficiente para o resguardo da ordem pública, evitando-se a reiteração delitiva”, conclui Kalil.

De acordo com o processo, o ex-PM Rodrigo Severo Gonçalves, o Popeye, também teria participado do homicídio de Rafael Leão. Mas Severo, dois após o crime, também acabou vítima de uma emboscada de Orlando, que passara a desconfiar dele. Ele e o PM José Ricardo da Silva, na época lotado no 5º BPM (Praça da Harmonia), foram atacados no sítio do chefe da milícia em Guapimirim, na Baixada, em 25 de fevereiro do ano passado. Os corpos dos dois foram incinerados dentro de um carro em Brás de Pina, na Zona Norte. Além de Orlando, também são suspeitos do duplo homicídio o ex-PM Alan Morais Nogueira e o ex-bombeiro Luís Cláudio Ferreira Barbosa, também presos na última terça-feira.

 

TESTEMUNHA TAMBÉM CITA VEREADOR

Nas revelações que tem feito, a testemunha chave também contou à polícia ter presenciado, em junho do ano passado, um encontro entre Orlando, então solto, e o vereador Marcello Siciliano (PHS), num restaurante, no Recreio. Na conversa, o vereador teria falado: “Tem que ver a situação da Marielle. A mulher está me atrapalhando”. Siciliano nega conhecer Orlando.

Logo após a morte de Marielle, o assessor informal de Siciliano, Carlos Alexandre Pereira Maria, o Alexandre Cabeça, também foi executado em mais um crime atribuído à milícia