O globo, n. 31035, 27/07/2018. Artigos, p. 13

 

Verba para corrigir injustiça

Frei david Santos

27/07/2018

 

 

Os partidos precisam investir nas mulheres mais do que a lei exige: 30%. Mas não querem... O Supremo Tribunal Federal (STF) debateu a constitucionalidade do artigo 10, parágrafo 3º, da Lei 9.504/1997 — Lei das Eleições —, e o resultado foi muito positivo para todas as mulheres. Corrigiu uma injustiça no cenário eleitoral, onde os homens brancos investiam só neles mesmos: o Fundo Eleitoral terá que ser distribuído proporcionalmente entre mulheres e homens.

A repartição do dinheiro segue a porcentagem dos eleitos na última legislatura, desde que, no mínimo, 30% das verbas sejam destinadas às mulheres. A decisão garante que elas sejam protagonistas de sua inclusão. Como o poder político é fortemente manipulado pelos “coronéis dos partidos” em cada município, não manifestando interesse em garantir a participação feminina efetiva, só restou ao tribunal interferir e definir o percentual mínimo. Esta decisão foi tomada em maio deste ano, na Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 5.617, que trata do fundo especial de financiamento de campanha.

O total dos 30% dá uma fortuna de R$ 1,7 bilhão, que será distribuído entre as candidatas, proporcional à bancada do seu partido no Congresso. As legendas sem representação noCongresso também têm direito a um valor determinado. Hoje, as mulheres representam 51,6% do total da população do Brasil; logo, a decisão do tribunal foi coerente, apesar de tímida.

A presença de mulheres na Câmara é de 10%; no Senado, de 14%. E, mais grave ainda: quantas destas são negras? A decisão diz que a partilha do fundo deve ser proporcional ao número de homens e mulheres candidatos/as, mas que no mínimo 30% devem ir para elas. Algum dos ditos partidos sérios liberou além do mínimo?

A mesma coisa se dá com o tempo de rádio e TV. Segundo a ministra Rosa Weber, trata-se do princípio da igualdade definido na Constituição. O Educação e Cidadania de Afrodescendentes e Carentes (Educafro), com a ajuda de 16 parlamentares, entrou com uma consulta no Tribunal Superior Eleitoral, registrando a forte preocupação de que este dinheiro vá parar só nas mãos de brancas, mulheres ou parentes dos “coronéis” dos partidos.

O Educafro solicita que esta verba seja dividida igualmente entre brancas e negras. É a compreensão mais completa do princípio constitucional que inclui a defesa das negras. Se as brancas não são respeitadas nos partidos, imaginem as negras... É preciso que pelo menos 50% das verbas destinadas às mulheres sejam investidas nas candidatas negras.

Qual partido que, por sua própria vontade, está garantindo o investimento em negras? Várias entidades do movimento negro, entre elas o Educafro, estão fazendo três movimentos para se obter esta vitória:

1) Convencer os partidos, em seus diretórios nacionais, estaduais e municipais, a se anteciparem e já assumirem, automaticamente, que 50% das verbas sejam destinadas às “Marielles”.

2) Avaliar a pertinência jurídica de recorrer ao Supremo Tribunal Federal, através de um embargo de declaração com efeitos infringentes na (ADI) 5617 — instrumento jurídico usado para elucidar entendimento não suficientemente esclarecido.

3) Entrar no TSE com um pedido de esclarecimento em vista da aplicabilidade das verbas destinadas às negras, uma vez que os “coronéis” que são ou foram senadores e deputados estão lançando suas filhas, mulheres, parentes (com o mesmo “sobrenome famoso”) ou outras mulheres brancas “apadrinhadas” — e assim não abrindo espaço a lideranças autênticas, novas, como as lideranças negras.

Só o MDB terá que investir em mulheres R$ 69,6 milhões. Quantas negras foram selecionadas pelo partido? O PT terá que investir R$ 60 milhões. Quantas negras já selecionou para ter acesso a este direito?

Imaginem o potencial renovador, para a política brasileira, fazendo este investimento em mulheres. Segundo pesquisa realizada em 150 países pelo Departamento de Economia da Universidade de Virginia, EUA, quanto maior é a porcentagem de mulheres eleitas, menor é a corrupção. Se os partidos investirem em negras corajosas, muitas “Marielles” de esquerda, centro e direita surgirão, renovando a política brasileira.

 

*Frei David Santos é especialista em ações afirmativas