Título: MP garante ação contra médico
Autor: Alcântara, Manoela
Fonte: Correio Braziliense, 04/05/2012, Cidades, p. 21

O Ministério Público do DF e Territórios (MPDFT) aguarda a conclusão do inquérito aberto contra o médico Heverton Octacílio de Campos Menezes, 62 anos, para denunciá-lo à Justiça. Ele aparece como suspeito de injúria racial contra a funcionária de um shopping na Asa Norte, no último domingo. O acusado de ofender Marina Serafim dos Reis, 25 anos, acumula outras nove denúncias de desacato, agressão e lesão corporal. Campos Menezes, no entanto, não respondeu por nenhuma das 18 ocorrências registradas pela polícia desde 1994 na esfera judicial. Ele vai depor hoje, às 14h, na 5ª Delegacia de Polícia (Área Central).

Depois que os investigadores finalizarem o inquérito, previsto para segunda-feira, ele será analisado pelo MPDFT e tipificado. "Quando recebermos o documento, vamos oferecer a denúncia. No que depender de nós, haverá uma ação formal contra ele", enfatizou a promotora de Justiça e coordenadora do Núcleo de Enfrentamento à Discriminação do MPDFT, Danielle Martins Silva. Em outros casos parecidos, houve condenação com prestação de serviço à comunidade, além de indenização moral e material à vítima.

Só no ano passado, o órgão abriu em torno de 150 processos de racismo e injúria racial na capital federal. A pena para o segundo crime varia de um a três anos de reclusão. A promotora Danielle acredita que a repercussão do caso e a coragem da funcionária do cinema de denunciar são importantes para uma condenação. "É inadmissível que atitudes como essas ocorram no século 21. Nos processos do ano passado, observamos pessoas que são cuspidas e até espancadas por serem negras. Isso é um absurdo", avaliou. O acompanhamento do caso começou no início da semana. "A polícia está fazendo um bom trabalho."

Investigação A Polícia Civil espera ouvir hoje, pela primeira vez, o médico e psicanalista suspeito de discriminação racial. É a chance de Campos Menezes contar a versão dele sobre o ocorrido. Ao Correio, na última quarta-feira, ele defendeu-se das acusações. O depoimento, no entanto, não muda o entendimento da polícia, que o indiciou por injúria qualificada. Até agora, duas testemunhas confirmaram oficialmente a versão de Marina Serafim. Dois dias após as supostas agressões, a vítima prestou esclarecimentos aos investigadores.

Segundo o delegado-chefe da 5ª DP, Marco Antônio de Almeida, o caso tem provas sólidas para ser concluído. Por causa disso, o inquérito será encaminhado para a Justiça na próxima segunda-feira. "O que falta é ouvir a versão dele. O próximo passo é encaminhar para o Judiciário. Pelas provas existentes nos autos, considero que é grande a probabilidade de que ele venha a ser condenado", disse o chefe da unidade policial. Almeida ressaltou ainda que a possibilidade de o médico ser preso é pequena. "É pouco provável que ele receba uma pena de privação de liberdade. Inicialmente, deve ter uma pena restritiva de direitos. Caso não a cumpra, então, pode ser preso", explicou.

Ontem, a coordenadora do Movimento Negro Unificado, Jacira da Silva, foi até a 5ª DP para saber detalhes do episódio. Ela quer acompanhar o caso de perto. "Queremos protegê-la, foi um tratamento muito desrespeitoso, que fere, inclusive, os direitos humanos." Ela entrará em contato com outras entidades para decidir o que pode fazer juridicamente.

A bilheteira também ganhou amparo da Secretaria de Políticas de Promoção da Igualdade Racial da Presidência da República (Seppir). A ouvidoria do órgão vai usar o caso como impulso para melhorar as políticas de atendimento àqueles que desejam denunciar episódios de racismo ou de injúria racial. Em 2011, a secretaria recebeu 219 queixas de todo o país. Um número considerado baixo pela ministra da Igualdade Racial, Luiza Bairros. "Até o meio do ano, queremos implantar um telefone nacional gratuito para atendimento à população", ressaltou (leia entrevista). Hoje, os comunicados desses tipos de crime podem ser feitos pelo telefone: (61) 2025-7000.

Colaborou Luiz Calcagno

Entenda o caso

18 anos de denúncias

A suspeita de discriminação racial ocorreu em um shopping da Asa Norte, no último domingo. A confusão começou quando o médico Heverton Octacílio de Campos Menezes, 62 anos, chegou à bilheteria do cinema atrasado para comprar o tíquete do filme Habemus Papam. Ele queria passar na frente das demais pessoas que estavam na fila. Diante da recusa da bilheteira Marina Serafim dos Reis, 25 anos, o homem teria se irritado e disparado contra a moça: "Seu lugar não é aqui, lidando com gente. Você deveria estar na África, cuidando de orangotangos". Quem estava no local se revoltou com os insultos. Eles acionaram os seguranças do centro comercial, e o médico fugiu correndo. A polícia o identificou por meio de depoimentos e por imagens do circuito interno de câmeras do shopping. Na última quarta-feira, Campos Menezes foi indiciado por injúria qualificada. Em entrevista ao Correio, ele negou as acusações e se colocou à disposição para prestar esclarecimentos. Durante as investigações, a 5ª Delegacia de Polícia (Área central) identificou outras nove acusações contra o suspeito. As ocorrências foram registradas no decorrer de 18 anos e variam entre injúria discriminatória, desacato, agressão e lesão corporal. O médico nunca respondeu por nenhum processo na Justiça.

Três perguntas para // Luiza Bairros

Como o caso será tratado pela Secretaria de Políticas de Promoção da Igualdade Racial? A ouvidoria acompanha todos os desdobramentos do caso. Nós consideramos que é uma situação de racismo explícito, não deveria ser tratada como injúria racial. Afinal, o nível de agressão foi grande. Esse caso é diferente daqueles de racismo que são feitos sem deixar nenhum vestígio. Foi praticado na frente de muitas pessoas, sem nenhum pudor. Considero que a lei deveria ser aplicada com todo o seu rigor.

Quais atitudes foram tomadas para que o episódio não fique sem punição? Esse tipo de atitude é crime no Brasil. Vamos acionar todas as instituições responsáveis para que cumpram o seu papel. Aguardamos a cópia do boletim de ocorrência para termos um maior embasamento. Considerando ainda o fato de o agressor exercer uma atividade como a de psicanalista, que tem uma responsabilidade grande com as pessoas, ele não pode ficar impune.

Como considera o fato de as pessoas terem reagido às agressões? A reprovação social mostra que a sociedade evoluiu e repudia casos como este. Porém, ainda há muito a ser mudado. Os casos de racismo são, em geral, baseados em crenças muito profundas na inferioridade das pessoas negras. Isso faz com que elas demonstrem de forma aberta, sem qualquer medo de que haja reprovação social. Mas, no caso desse médico, foi diferente. As pessoas se indignaram, e essa reação é positiva.