Correio braziliense, n. 20173, 14/08/2018. Mundo, p. 13

 

Cristina se diz perseguida

14/08/2018

 

 

ARGENTINA » Ex-presidente se nega a depor sobre propinas, denuncia conluio político contra líderes latino-americanos e pede o fim da "Lava-Jato" no país

Em novo desafio ao juiz Claudio Bonadio, Cristina Kirchner, ex-presidente e atual senadora de oposição argentina, recusou-se ontem a prestar depoimento no processo em que é acusada, ao lado de ex-funcionários e empresários, por crime de corrupção. Cumprindo uma intimação, a ex-chefe de Estado compareceu à Justiça Federal, mas apenas para entregar um documento em que negou as denúncias apresentadas contra ela, afirmou sofrer uma perseguição política por parte do governo do presidente Mauricio Macri e, por fim, pediu o fim das investigações do caso, batizado de Lava-Jato argentina.

No texto, Kirchner, apontada como “chefe de uma associação criminosa” para arrecadar pagamentos de subornos ou financiamento ilegal de campanhas eleitorais, sustentou que está em curso um plano político, judicial e midiático contra líderes progressistas da América Latina. E que ela seria um dos alvos.

“É a nova estratégia regional para proscrever dirigentes, movimentos e forças políticas que ampliaram direitos e permitiram tirar da pobreza milhões de pessoas durante a primeira década e meia do século 21”, assinalou no documento, em que desafiou Bonadio e o promotor Carlos Stornelli, encarregado do caso.

Cristina Kirchner chegou ao prédio da Justiça Federal, no centro de Buenos Aires, sorridente e saudando as câmeras. Estava acompanhada por dois dirigentes sociais e políticos, Eduardo Valdés e Juan Grabois, ambos próximos ao papa Francisco. Desta vez, a pedido da própria ex-presidente, não havia militantes no local, apenas a imprensa e cerca de 300 integrantes da força nacional de segurança.

Claudio Bonadio conduz cinco das seis ações judiciais contra Cristina. Entre eles, o processo sobre a venda de dólar futuro e o que investiga o suposto pacto secreto com o Irã, com o intuito de acobertar os envolvidos no atentado à Associação Mutual Israelita Argentina (Amia), em 1994. O juiz já chegou a pedir a detenção da ex-presidente e agora tenta retirar sua imunidade.

Guerra jurídica

“É uma decisão política do Poder Judiciário, em sua mais alta expressão, em coordenação com o Poder Executivo (do presidente Mauricio Macri) e os meios hegemônicos, para ungir Bonadio como braço de perseguição contra a minha pessoa”, afirmou a senadora no documento divulgado ontem. “Inaugura-se assim uma nova categoria jurídica que excede a do juiz parcial ou ‘não juiz’: trata-se do juiz inimigo, ator principal da lawfare (guerra jurídica)”, acrescentou.

Bonadio aguarda a decisão do Senado para inspecionar os domicílios da ex-presidente. Nas investigações, a residência do casal Kirchner em Buenos Aires aparece como ponto de entrega de malas com dólares em espécie. Seriam encomendas enviadas por grandes empresários argentinos supostamente em troca de adjudicações em obras públicas, segundo o relato do ex-motorista Oscar Centeno, que teria realizado várias dessas viagens entre 2005 e 2015. Outros lugares mencionados são a Casa Rosada, sede do governo, e a residência presidencial de Olivos.

Ao depor, Centeno, que trabalhou para o então vice-ministro de Planejamento, Roberto Baratta, entregou anotações detalhadas dos percursos que afirmou ter feito durante 10 anos carregando milhões de dólares. Esses registros ficaram conhecidos como “o escândalo dos cadernos”, a partir do qual foi aberto um caso judicial pelo qual há oito ex-funcionários kirchneristas detidos e 20 empresários envolvidos.

Para Cristina, por trás de todas essas ações está o atual presidente da Argentina. “Desde a posse do engenheiro Mauricio Macri fui submetida a uma múltipla perseguição judicial, comparável apenas com a que foi feita nos tempos em que estava suspensa a vigência da Constituição Nacional”, frisou no documento entregue à Justiça.

Frase

"É uma decisão política do Poder Judiciário, em sua mais alta expressão, em coordenação com o Poder Executivo (do presidente Mauricio Macri) e os meios hegemônicos, para ungir (o juiz Claudio) Bonadio como braço de perseguição contra a minha pessoa”

Cristina Kirchner, ex-presidente e senadora argentina

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Consulta a cubanos

14/08/2018

 

 

No dia em que Fidel Castro completaria 92 anos, 8,5 milhões de cubanos começaram ontem a opinar sobre a nova Constituição do país, aprovada pela Assembleia Nacional em julho. A reforma reconhecerá o papel do mercado e a atividade privada na economia socialista da ilha, embora sempre sob a tutela do Partido Comunista de Cuba (PCC, único). Também dará espaço ao matrimônio igualitário, uma das mais polêmicas mudanças em uma sociedade ainda atingida pelo machismo e a homofobia. As consultas se encerram em 15 de novembro.

“Que dia melhor do que o aniversário de Fidel para isso, não é verdade? Todos concordamos, vamos cumprir isso, tentar que seja a melhor Constituição, melhor do que a que havia”, disse Máximo de la Paz, um engenheiro elétrico de 72 anos. Fotos e frases do líder histórico, que morreu em 25 de novembro de 2016, aos 90 anos, foram espalhadas pelas ruas de Havana para a ocasião, entre elas sua convocação para “mudar tudo o que deva ser mudado”.

Pela primeira vez, os cubanos emigrados poderão participar do debate político da ilha, ao enviar suas considerações por via digital, em um site que a chancelaria habilitará no começo de setembro. O governo estima em 1,4 milhão o número de cubanos no exterior, dispersos em 120 países, embora com núcleos muito importantes em Estados Unidos, Espanha, México e Colômbia.