O globo, n. 31034, 26/07/2018. País, p. 3

 

Varredura na rede

Daniel Salgado e Marco Grillo

26/07/2018

 

 

Em ação inédita, Facebook tira do ar quase 300 páginas e perfis falsos com apelo político

A pouco mais de dois meses do primeiro turno das eleições, o Facebook promoveu uma ofensiva contra a difusão de conteúdos por meio de contas falsas, na maior operação deste tipo já feita no Brasil. A empresa tirou do ar, ontem, 196 páginas e 87 perfis que disseminavam textos políticos, incluindo fake news, material difamatório, links caça- cliques, entre outras formas de ação. De acordo com a empresa, as páginas e perfis faziam parte "de uma rede coordenada que se ocultava com o uso de contas falsas no Facebook, e escondia das pessoas a natureza e a origem de seu conteúdo com o propósito de gerar divisão e espalhar desinformação”. Uma fonte que atuou no rastreamento revelou que todo o conjunto de páginas e perfis era controlado por integrantes do Movimento Brasil Livre (MBL).

O modelo era desenvolvido a partir de perfis verdadeiros, que, por sua vez, eram utilizados para criar uma série de usuários falsos. Esses usuários, então, criavam e administravam as páginas -toda a estrutura foi derrubada pelo Facebook. A alta frequência com que o mecanismo era usado também foi levada em consideração pela empresa.

Algumas páginas removidas publicavam conteúdo dos sites Jornalivre e O Diário Nacional, que veiculam textos identificados com o espectro político da direita e, em alguns casos, notícias falsas.

A página do MBL no Facebook, com frequência, republica conteúdo destes sites. Outra página, do Canal Mais Vistas, é um caso típico de clickbaitsites que apelam para o sensacionalismo buscando o maior número de cliques nos textos, em busca de audiência e retorno financeiro com publicidade.

Outras páginas retiradas do ar foram a "Corrupção Notícias'; "Movimento Brasil 200'; projeto do empresário Flávio Rocha, que chegou a postular a candidatura à Presidência pelo PRB, e "Modo Espartano”. A rede não foi derrubada, no entanto, em função da produção e disseminação de fake news. Para o Facebook, houve violação da "política de autenticidade'; já que a estrutura era controlada por contas falsas ou perfis reais que criaram identidades falsas em massa. Entre os membros do MBL que tiveram páginas derrubadas estão Renato Battista, Thomaz Barbosa e Renan Santos. As políticas de uso do Facebook determinam que contas podem ser eliminadas, ainda que pe1tençam a identidades reais, caso haja envolvimento com "comportamento não autêntico, que inclui criar, gerenciar ou perpetuar contas falsas ou contas com nomes falsos”. O GLOBO procurou, por telefone, integrantes do MBL para comentar a ação, mas nenhum integrante do grupo atendeu ontem. Em sua página oficial, o movimento classificou a ação de "censura" e disse que vai "utilizar todos os recursos midiáticos, legais e políticos" para "recuperar as páginas derrubadas e reve1ter a perseguição sofrida”. O Facebook também pune "contas que participam de comportamentos não autênticos coordenados, ou seja, em que múltiplas contas trabalham em conjunto com a finalidade de: enganar as pessoas sobre a origem do conteúdo; enganar as pessoas sobre o destino dos links externos aos serviços; enganar as pessoas na tentativa de incentivar compartilhamentos, curtidas ou cliques; enganar as pessoas para ocultar ou permitir a violação de outras políticas de acordo com os Padrões da Comunidade”.

 

INFLUÊNCIA RUSSA NOS EUA

Em abril, o Facebook apagou 270 perfis ligados à organização russa Agência de Pesquisa de Internet (IRA, na sigla em inglês), suspeitos de disseminar conteúdo falso ou mensagens de estímulo ao ódio, supostamente para tentar influenciar processos eleitorais em outros países, como os Estados Unidos. A suspeita de interferência da organização russa a favor de Donald Trump no pleito de 2016 elevou a pressão sobre a empresa.

O fundador da rede social, Mark Zuckerberg, prestou esclarecimentos ao Congresso americano.

Os perfis ligados ao IRA apagados pelo Facebook eram seguidos por mais de um milhão de pessoas. À época do banimento dessas contas, Zuckerberg explicou que a lógica da empresa para coibir fake news não é propriamente apagar o conteúdo falso, mas desestabilizar a rede de perfis que produz e dissemina este tipo de mensagem.

O mesmo raciocínio aplicado ontem pelo Facebook no Brasil.

- Apesar de respeitarmos que as pessoas e os governos partilhem visões políticas no Facebook, não vamos deixar que criem contas falsas para isso.

Quando uma organização faz isto repetidamente, apagaremos todas as suas páginas, mesmo as que não sejam falsas. As contas e páginas que apagamos foram removidas porque eram controladas pela IRA, não pelo tipo de conteúdos que partilhavam -afirmou Zuckerberg.

No ano passado, o Facebook também apagou cerca de 30 mil contas falsas na F rança, às vésperas das eleições presidenciais.

Coordenador do Laboratório de Estudos sobre Imagem e Cibercultura da Universidade Federal do Espírito Santo (Ufes ), Fábio Malini destacou o aumento das páginas com viés político: -Esse conteúdo falso ou de ódio não é compartilhado apenas pelo MBL. É uma rede de páginas, pensada como engenharia da informação, que gera alcance em diferentes públicos. Isso faz com que surja um clima de opinião favorável às pautas dessas páginas, o que é uma força muito poderosa nas decisões democráticas. Essa rede consegue afetar parte da opinião pública com informações parciais ou até mentirosas.

Pablo Ortellado, professor e pesquisador do Monitor do Debate Público no Meio Digital da USP, também destacou a amplitude da ação:

- Nós só tínhamos conhecimento de cerca de 20 delas. Ao que tudo indica, se tratou de uma ação coordenada do Facebook para cortar essas páginas, que muito provavelmente estavam sendo criadas para as eleições.

O empresário Flávio Rocha disse que a retirada da página "Movimento Brasil 200" é "inaceitável”. (Colaborou Miguel Caballero)