O globo, n. 31032, 24/07/2018. País, p. 4

 

Para Bolsonaro, chance de Janaína ser vice é de 50%

Marco Grillo

24/07/2018

 

 

Advogada alega questões familiares; PSL já estuda outros nomes

Depois de um discurso com críticas a parte dos “seguidores” do deputado federal Jair Bolsonaro (PSL-RJ), durante a convenção do partido, domingo, a expectativa de que a advogada Janaína Paschoal aceite o posto de vice na chapa presidencial retrocedeu. Na última sexta-feira, o presidenciável demonstrava confiança de que ela assumiria a missão, mas ontem, no entanto, ele disse que vê em “50%“a chance de tê-la como companheira na disputa. Enquanto aguarda a resposta de Janaína, o PSL já estuda outros nomes que estejam dispostos a entrar na campanha.

Na tarde de ontem, Bolsonaro falou por duas horas no Clube de Aeronáutica, no Rio. Além de militares da ativa e da reserva, também estava presente o deputado Arolde de Oliveira (PSD-RJ), cujo partido deverá apoiar o tucano Geraldo Alckmin. No discurso, o presidenciável reafirmou o interesse na parceria com Janaína e disse que ela tem alegado questões familiares para ainda não ter dado a resposta definitiva.

— Na pior das hipóteses, ela (Janaína) segue como candidata a deputada estadual (em São Paulo). Estamos conversando, mas também abrimos espaço para que outras pessoas ( candidatos a vice) conversassem conosco — disse Bolsonaro.

Dois novos cotados são Luciano Bivar, presidente licenciado do PSL, e o deputado federal Marcelo Álvaro Antônio (PSLMG). Bolsonaro citou ainda a possibilidade de um militar da ativa integrar a chapa, mas não deu nomes. Depois da palestra, conversando com jornalistas, o deputado foi perguntado se estava com a sensação de que ela não aceitaria o convite. O presidenciável evitou dar uma resposta definitiva, mas expôs os pontos que a advogada está analisando antes de responder:

— Ela (Janaína) tem questões familiares, dois filhos que parece que não podem sair de São Paulo neste momento. Hoje, (a chance de aceitar) é de 50%.

Bolsonaro minimizou o cenário caso a advogada não tope integrar a chapa e lembrou que o senador Magno Malta (PRES) e o general da reserva Augusto Heleno Pereira (PRP) — que foram convidados, mas não se juntaram a Bolsonaro por entraves partidários — vão apoiá-lo mesmo sem estarem formalmente na aliança.

— Eu sou um felizardo. Vamos supor que a Janaína não queira (ser vice): eu vou ter quatro vices — afirmou, em referência a Magno Malta, general Heleno, Janaína e a outro nome que venha a aceitar o posto.

No domingo, após a convenção do PSL, o presidente nacional do partido, Gustavo Bebianno, havia demonstrado confiança e citado o patamar de 95% para as chances de uma chapa com Bolsonaro e Janaína. Mesmo após a advogada ter criticado o que chamou de “pensamento único” de parte do grupo político de Bolsonaro: — Não se ganha a eleição com pensamento único. Não se governa uma nação com pensamento único. Muitas vezes, os seguidores do deputado Jair Bolsonaro têm uma ânsia de ouvirem um discurso uniformizado. Pessoas só são aceitas quando pensam exatamente igual nas mesmas coisas. Reflitam se nós não estamos correndo risco de fazer um PT ao contrário. Minha fidelidade não é ao deputado Jair Bolsonaro, a quem externo todo meu respeito, a minha fidelidade é ao meu país.

Bolsonaro, que no fim de semana havia criticado a aliança de Alckmin com os partidos que fazem parte do centrão, ontem mirou o MDB. Ironizou o ministro de Minas e Energia, Moreira Franco — “ninguém desconfia de sua honestidade” — e culpou o ex-ministro da Fazenda Henrique Meirelles, précandidato pelo partido do presidente Michel Temer, pelos problemas econômicos do país.

— O (Henrique) Meirelles é um dos responsáveis pela desgraça do Brasil. E a imprensa quer que eu entenda de economia. Graças a Deus, não entendo, porque os entendidos afundaram o Brasil — disse o deputado.

Mais tarde, Meirelles rebateu a informação e disse que o parlamentar “não sabe fazer conta”.

Bolsonaro também alfinetou a procuradora-geral da República, Raquel Dodge. Ele foi denunciado ao Supremo Tribunal Federal (STF) por racismo e manifestação discriminatória contra quilombolas, indígenas, refugiados, mulheres e LGBTs. Em discurso no ano passado, ele afirmou que, se for eleito presidente, “não vai ter dinheiro pra ONG, esses inúteis vão ter que trabalhar. Não vai ter um centímetro demarcado pra reserva indígena ou para quilombola.”

— A senhora Raquel Dodge me ama, com certeza. Está me processando na questão do um centímetro (de demarcação) — disse Bolsonaro, que reforçou a declaração anterior. — Comigo não terá mais um milímetro de terra (demarcada) para índio. Eles não querem mais continuar numa terra demarcada como se fossem animais num zoológico.

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Imitação de arma pode ferir estatuto da criança

Hudson Corrêa

24/07/2018

 

 

Jovens não podem ser submetidos a constrangimento, dizem especialistas

As críticas ao presidenciável Jair Bolsonaro (PSL) por fazer crianças imitarem arma, com o polegar e o indicador esticados, vão muito além de “frescura”, como definiu o deputado em entrevista ao GLOBO, no último domingo. Especialistas afirmam que pode haver afronta ao Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), que prevê detenção de até dois anos para quem submete menores de 18 anos a constrangimento ou vexame.

Bolsonaro apareceu ao menos duas vezes em fotos com crianças que faziam o gesto da arma. A primeira foi em Goiânia, na quinta-feira, com uma menina pequena. Repetiu a cena com um garoto pouco mais velho na Vila Militar, no Rio, onde participou da formatura de paraquedistas.

Juiz da Infância e Juventude de São Paulo, Iberê de Castro Dias comentou a situação em tese, sem afirmar ou analisar se Bolsonaro infringiu ou não a lei. Dias afirma que a situação “gera um debate” baseado no ECA. Ele cita o artigo 18º do estatuto: “É dever de todos velar pela dignidade da criança e do adolescente, pondo-os a salvo de qualquer tratamento desumano, violento, aterrorizante, vexatório ou constrangedor”.

— Será que, na concepção social em que estamos inseridos, não é vexatório ou constrangedor alguém colocar uma criança no colo e forçar a fazer um gesto de arma? — questiona Dias.

Membro do Instituto dos Advogados de São Paulo (Iasp), Mário Luiz Delgado menciona o artigo 232 do ECA: “Submeter criança ou adolescente sob sua autoridade, guarda ou vigilância a vexame ou a constrangimento”. Esse tipo de violação prevê pena de seis meses a dois anos.

— Caberia à autoridade policial ou ao Ministério Público instaurar investigação para saber se a conduta se enquadra nesse tipo penal — afirma o advogado. — Todos os crimes que envolvam crianças são de ação pública, não há necessidade de queixa — acrescentou.

Delgado disse que a polícia deveria investigar se houve apologia ao crime, definida no Código Penal, com detenção de três a seis meses.

O juiz Iberê Dias acrescenta que o ECA proíbe venda de armas de fogo a crianças e adolescentes:

— Um jovem de 15, 16 e 17 anos tem habilidade motora para manusear uma arma. A proibição é muito mais para não estimular comportamento violento em alguém em fase de desenvolvimento psíquico. O que se dirá de uma criança?