O globo, n. 31032, 24/07/2018. Economia, p.17

 

Corrida para pagar dívidas

Danielle Nogueira

24/07/2018

 

 

Com juro menor e risco eleitoral, empresas antecipam quitação de financiamento com BNDES

 

O recuo na taxa de juros e o cenário político indefinido têm levado empresas dos mais variados setores a anteciparem o pagamento de dívidas. Esse movimento foi intenso nos primeiros seis meses do ano no BNDES, quando o fim dos subsídios e a aproximação da taxa de financiamento com as de mercado reduziram a atratividade dos empréstimos. Entre janeiro e junho, o pré-pagamento de dívidas alcançou cerca de R$ 14 bilhões, 60% mais que os R$ 8,8 bilhões registrados no primeiro semestre de 2017. Mas a tendência não se restringe ao banco de fomento nem indica um novo ciclo de investimento. Muitas companhias têm recorrido ao mercado de capitais para trocar dívidas antigas por outras mais baratas e com prazo de vencimento maior. Buscam, assim, reduzir despesas e tornarem-se menos vulneráveis à volatilidade do mercado, em um cenário de cautela que tende a aumentar com a proximidade das eleições.

Uma das que optaram pela liquidação antecipada de dívidas foi a Energisa, que atua na distribuição e transmissão de energia. A companhia tinha contratado empréstimo de mais de R$ 800 milhões com o BNDES em 2015. No fim daquele ano, a Selic, a taxa básica de juro, estava em 14,25% ao ano. Já a Taxa de Juro de Longo Prazo (TJLP), que era usada em boa parte dos financiamentos do banco até dezembro, era metade: apenas 7% ao ano. A empresa viu no crédito barato o caminho para financiar investimentos do grupo. Com a redução da Selic ao patamar mínimo histórico (6,5%), o custo dos recursos tomados junto ao BNDES deixou de ser vantajoso, pois a TJLP não caiu no mesmo ritmo — em junho, estava em 6,6% ao ano.

A empresa, então, optou por pagar a dívida, que vencia em 2021. Foi quitada em parcelas, entre fevereiro e abril. “A redução da TJLP não acompanhou a redução da Selic, o que acabou tornando as dívidas do BNDES caras em relação às alternativas dos mercados de capitais”, disse a Energisa. “Com a queda dos juros básicos e com condições mais favoráveis no mercado, a Energisa optou pelo pré-pagamento desse financiamento”, completou. Segundo o BNDES, o pagamento antecipado ocorreu em cinco áreas: energia, indústria, comércio exterior, saneamento e operações indiretas (aquelas intermediadas por bancos comerciais).

 

R$ 60 BILHÕES EM TÍTULOS NO PRIMEIRO SEMESTRE

A mudança na taxa de referência nos financiamentos do banco, que, ao longo dos próximos cinco anos vai se aproximar gradualmente dos juros de mercado, também retirou a atratividade do crédito oficial, avaliam especialistas. Segundo fontes de mercado, as restrições impostas pelo banco em alguns empréstimos, como a limitação para distribuição de dividendos, também reforçaram a busca por novas fontes de financiamento. O superintendente da área financeira do BNDES, Selmo Aronovich, reconhece que a mudança de taxa levou a uma corrida para liquidar antecipadamente dívidas, mas minimiza esse movimento:

— Houve um aumento do pré-pagamento no fim do ano passado e no início deste ano, mas essas operações estão voltando à normalidade. Ou o cliente encontrou fonte mais interessante (de financiamento) ou está fazendo adequações em seu perfil de endividamento. Ou o projeto já maturou, está gerando receita, e a empresa não precisa mais da dívida — afirma Aronovich, informando que o volume pago antecipadamente no primeiro semestre representa 2,68% da carteira de crédito. — Quando a companhia faz isso, cria bases de um novo ciclo de crescimento da economia, de contratações de crédito, conosco ou com outros agentes.

A procura por novos empréstimos junto ao BNDES tem caído há vários meses. Entre janeiro e março, as consultas — primeira etapa do financiamento e um termômetro da disposição do empresariado para investir — recuaram 36% ante igual período de 2017. Houve retração no montante desembolsado: queda de 26%, para R$ 11 bilhões. O banco divulga hoje os dados do ano até junho.

Com os juros mais baixos, muitas empresas estão recorrendo ao mercado de capitais para trocar dívidas antigas e caras por mais baratas e longas. Nos primeiros seis meses do ano, foram emitidos R$ 60 bilhões em debêntures (títulos da dívida), o dobro do volume de emissões do primeiro semestre de 2017. A maior parte dos recursos (29,3%) foi usada no refinanciamento de dívidas. Levantar capital de giro ficou em segundo lugar (26,7%), seguido por investimento em infraestrutura (17,6%).

— As empresas anteciparam as emissões para o primeiro semestre para fugir da volatilidade do mercado nos próximos meses, com as eleições, e da incerteza do primeiro ano de mandato de um presidente ainda não definido. E aproveitaram o cenário de juros baixos para trocar dívidas mais caras por mais baratas — avalia Ricardo Carvalho, diretor sênior da área de Corporate da agência de classificação de risco Fitch. — Foi o caminho de várias empresas que tinham crédito com o BNDES. Antes, valia a pena aceitar as amarras impostas pelo banco, pois o financiamento era subsidiado. Agora, não.

Carvalho pôde perceber a maior busca por debêntures na própria Fitch. Entre janeiro e junho de 2017, a agência atribuiu notas de crédito a 19 emissões, totalizando R$ 8,8 bilhões. Nos últimos seis meses, foram 31 emissões, que somaram R$ 18,8 bilhões. Para ele, o salto também é favorecido pelo maior apetite por risco de fundos institucionais, como de estatais. O investimento em títulos do Tesouro é seguro, mas está rendendo menos com a baixa da Selic. Como esses fundos precisam bater metas atuariais, diz Carvalho, acabam sendo empurrados para títulos privados, que rendem mais embora com risco maior.

 

RESGATE ANTECIPADO DE TÍTULOS

A locadora de veículos Unidas — recentemente comprada pela Locamerica — conseguiu levantar R$ 500 milhões no mercado com uma emissão em abril, recurso que usou para refinanciar dívidas que venciam em 2018 e 2019.

— Fizemos o refinanciamento antecipado porque temos política de alongar dívidas que vencem entre um e dois anos, deixando o cronograma de vencimento longo, trazendo um conforto de liquidez para a companhia, principalmente em cenários de incertezas, como o momento atual — disse Marco Tulio Oliveira, diretor financeiro da Unidas.

As empresas estão resgatando antecipadamente os títulos de dívida com recursos levantados com a emissão de novo papéis, atrelados a juros menores. Com isso, o prazo médio de vencimento das debêntures no mercado já caiu à metade, de seis para três anos, de acordo com cálculos de Renato Vilela, do núcleo de estudos em mercados e investimentos da Faculdade de Direito da FGV. A Energisa, que antecipou o pagamento de crédito do BNDES, liquidou debêntures antecipadamente de três de suas distribuidoras, para refinanciar dívidas dessas empresas.

— As debêntures acabam sendo uma solução no cenário de juros baixo porque a remuneração segue o CDI, referência dos empréstimos interbancários que acompanha a Selic. Isso significa que as debêntures refletem de forma quase imediata a queda dos juros, tornando-se uma opção mais barata de financiamento — explica Vilela.

 

PAGAMENTO ANTECIPADO