Valor econômico, v. 19, n. 4501, 11/05/2018. Opinião, p. A11.

 

Câmbio, juros e metas para inflação

Márcia Garcia

11/05/2018

 

 

A escalada recente do dólar tem provocado grande alvoroço nos mercados financeiros. Vários analistas têm se manifestado a respeito, alguns criticando o Banco Central (BC). São duas as medidas que vêm sendo cobradas do BC: interrupção ou mesmo reversão da trajetória descendente dos juros e aumento da oferta de swaps cambiais.

Para se analisar se tais medidas seriam cabíveis, é bom ter em conta os princípios básicos do nosso regime monetário, o sistema de metas para a inflação. No sistema de metas para inflação, o mandato do BC é manter a inflação sob controle, dentro de uma banda ao redor da meta. Para fazê-lo, o BC utiliza como principal instrumento a taxa de juros de curto prazo, a taxa Selic, na pressuposição de que a taxa de câmbio é flutuante.

Isto não significa que o BC não leve em conta outras variáveis em sua decisão sobre a taxa de juros, muito pelo contrário. Todas as variáveis relevantes são cuidadosamente avaliadas nas decisões do Copom, como pode ser comprovado pela leitura dos documentos do BC. Mas as demais variáveis econômicas importam na medida em que influenciam a inflação futura.

Dadas estas preliminares, em que medida a escalada do câmbio deveria alterar a linha traçada pelo BC no final de março, que "vê, neste momento, como apropriada uma flexibilização monetária moderada adicional", ou seja, uma redução da Selic de 6,5% para 6,25% ao ano? E quanto aos swaps cambiais, o BC deveria aumentar sua oferta para tentar conter a depreciação cambial?

Vamos começar pela segunda indagação, relativa ao programa de swaps cambiais. O gráfico mostra o programa de swaps cambiais, deflagrado na esteira do pânico internacional iniciado em maio de 2013, episódio que ficou conhecido como "Taper Tantrum". Fica claro que o primeiro anúncio do programa (22/8/2013) parece ter tido efeito sobre a taxa de câmbio, revertendo a contínua depreciação que vinha ocorrendo. Note-se que até o anúncio do programa, o BC já havia colocado mais de US$ 40 bilhões de swaps cambiais, sem que a depreciação tivesse sido revertida. Em artigo recente, coautorado com Marcos Chamon (FMI) e Laura Souza (Itaú), mostramos que, de fato, só o primeiro anúncio do programa teve efeito, e que as renovações do programa não afetaram a taxa de câmbio. Ou seja, aquele episódio nos ensinou que, caso o BC queira de fato impedir eventual pânico no mercado cambial, terá que mostrar artilharia pesada.

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Mas será que há mesmo um quadro de pânico no mercado cambial que justifique tal ação do BC? Ou será que a taxa de câmbio brasileira, em conjunto com a maioria dos mercados emergentes, estaria sofrendo os efeitos da conjuntura internacional, em especial da subida de juros nos EUA? Note que, neste último caso, é improvável que um novo programa de swaps cambiais pudesse reverter a depreciação, como bem mostraram as infrutíferas renovações que se seguiram ao programa original de reação ao "Taper Tantrum". Ao fim e ao cabo, a taxa de câmbio iria migrar para seu novo equilíbrio, mais depreciado. Ou seja, o BC não pode, nem deve tentar, manter a taxa de câmbio artificialmente apreciada a médio prazo.

Alguns argumentam que o BC ajudaria a recuperação econômica ao oferecer hedge (proteção) cambial a empresas que se endividaram em moeda estrangeira para investir. O argumento pode fazer sentido, mas há que se levar em conta que eventual ação salvadora do BC alimentaria comportamentos perversos mais à frente (moral hazard). Seria função do governo prover subsídios ao endividamento externo de empresas via provisão de hedge barato? Não parece ser o caso.

Passemos à primeira questão. Deveria o Copom repensar a redução de juros em sua reunião da próxima semana? É claro que o Copom levará em conta os impactos da depreciação cambial sobre a inflação na sua próxima decisão. E que também avaliará o impacto da maior incerteza internacional, refletida em parte no maior preço do petróleo, outro fator com impacto sobre a inflação futura. O que pode levar o BC a reavaliar suas intenções do final de março.

O BC vem reduzindo a taxa Selic desde outubro de 2016, então em um patamar de 14,25%, mais de duas vezes a taxa de hoje. A taxa de juros real está abaixo de 3%, nível tão baixo como nunca tivemos em tempos de inflação controlada, provavelmente abaixo da taxa neutra. Dado que os efeitos da política monetária demoram algum tempo para se fazer sentir, e dada a alta incerteza tanto no Brasil como na economia mundial, não considero que seria errado repensar a redução da Selic e aguardar a evolução futura da conjuntura. Cautela e caldo de galinha nunca fizeram mal a ninguém.

 

Márcio G. P. Garcia, Ph.D. por Stanford, é professor do departamento de economia da PUC-Rio. Escreve mensalmente neste espaço.