O globo, n. 31029, 21/07/2018. País, p. 3

 

Esquerda volver

Catarina Alencastro

Fernanda Krakovics

Luís Lima

21/07/2018

 

 

Sem apoio do centrão, Ciro tenta assumir espólio de Lula e atrair eleitorado do petista

Ao ser oficializado ontem como candidato à Presidência pelo PDT, Ciro Gomes fincou os pés no campo da esquerda, prometendo cuidar da classe trabalhadora e dos mais pobres. No discurso de apresentação de sua candidatura, ele defendeu o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, dizendo que, depois da prisão do petista, sua “responsabilidade aumentou”. E adotou um discurso que se adapta ao eleitorado do petista. Ciro, contudo, entra oficialmente na corrida presidencial sem ter vice definido e ou mesmo garantias de alianças com partidos de seu campo político, como PCdoB e PSB.

— Depois de tudo que houve com o presidente Lula nossa responsabilidade aumentou. São 207 milhões de pessoas que têm que se vestir, se empregar, garantir que se alimentem — afirmou no discurso, no qual também prometeu taxar os mais ricos para reduzir as desigualdades: — O povo e a classe média brasileira já pagaram demais. Portanto quem tem que pagar esse sacrifício na proporção justa e generosa é o governo e o homem mais rico. O Brasil não vai sair dessa equação difícil na base do nós contra eles. O governo também tem sua parte importante. Vou olhar com uma lupa cada despesa, cada conta, cada gasto de outros privilégios e do desvio de recursos. Não duvidem. Parte da onda de violência que sofro é porque comigo privilégio vai ser perseguido e encerrado.

Descartado pelo chamado centrão — bloco de legendas formado por DEM, PP, PR, SD e PRB e que decidiu anteontem apoiar o pré-candidato tucano Geraldo Alckmin — o pedetista tentou demonstrar otimismo. Mas nem o som do forró, nem as passistas de samba disfarçaram o clima que permeava a convenção. O presidenciável chegou ao evento sem falar com a imprensa e foi direto para o palco montado no gramado do PDT. Em seguida, foi para o auditório e discursou.

No discurso de meia hora, ele reconheceu que comete erros e tentou justificá-los contando que dorme pouco e tem a palavra como ferranação menta de trabalho.

— Não posso concordar com a degradação que aconteceu com a vida brasileira. Isso evidentemente me leva a cometer erros. Não sou superior, nem vacinado, nem imune a erros. Tenho trabalhado praticamente dez horas por dia, e a minha ferramenta de trabalho é a palavra. Posso errar aqui e ali, nunca tive a pretensão de ser anjo — discursou.

A intempestividade do presidenciável foi um dos argumentos do centrão para desistir de apoiá-lo. Agora, tanto Ciro como seus aliados têm trabalhado para tentar converter a pecha de destemperado numa virtude, como a de alguém que fala a verdade sem meias palavras, com a indignação que o momento merece. O slogan da campanha é Ciro: força e paixão para mudar o Brasil.

Em terceiro lugar nas pesquisas de intenção de voto nos cenários sem Lula, o candidato do PDT tem entre seus desafios conquistar o eleitorado jovem e o feminino, vencer resistências no mercado financeiro e no setor produtivo, além de controlar seus arroubos verbais.

Na última pesquisa Datafolha, divulgada no início de junho, Ciro aparece com 10% nos cenários em que o candidato do PT é o ex-prefeito de São Paulo Fernando Haddad ou o ex-governador da Bahia Jaques Wagner. Mas na faixa do eleitorado entre 16 e 24 anos, o presidenciável do PDT varia entre 5% e 7%. No recorte por idade, esse é seu pior desempenho.

Já entre o eleitorado feminino, Ciro aparece com 8%, enquanto é o preferido de 12% dos homens.

O desafio imediato de Ciro, no entanto, é romper o isolamento político em que se encontra. Agora, ele apostará tudo em uma aliança com o PSB, o que desde o início era sua prioridade. Os pessebistas, no entanto, também são disputados pelo PT, e prometem tomar uma decisão até o próximo dia 30.

Ciro esquivou-se de temas polêmicos e não mencionou medidas controversas que vinha defendendo ao longo da pré-campanha. Entre elas, não citou a revogação da reforma trabalhista, a intenção de estabelecer um teto para o pagamento de juros da dívida da União e a dissolução da fusão entre a Embraer e a norteamericana Boeing. No começo de seu discurso, ele defendeu os pontos que considera prioritários para o país:

— Estamos vivendo o fim de um ciclo histórico. Estou convencido que para seguir adiante como precisamos de um novo projeto nacional de desenvolvimento. Um grande acordo que devemos celebrar entre todos nós brasileiros em torno de algumas metas que o país pode e deve alcançar.

DECLARAÇÕES POLÊMICAS PREOCUPAM

Ele ocupou metade do discurso para citar os 12 pontos de seu programa, que propõe um novo projeto de desenvolvimento para o país. Segundo ele, uma preocupação central é de onde virá o dinheiro para levar seu projeto a cabo. Nesse sentido, o pedetista criticou a “agiotagem oficial protegida pelo governo” que gastou, nos últimos 12 meses, R$ 380 bilhões em pagamento de juros, “entregues à meia dúzia de plutocratas do baronato financeiro”. Ele também disse que o governo e os mais ricos têm que contribuir mais, e não o povo, “que não tem mais nada para dar”. Mas apesar de ter feito discurso à esquerda, disse que vai respeitar contratos.

— Haveremos de ser severos, mas temos que ter clareza, não cabe abertura, nem ruptura, nem desrespeito aos contratos. Isso nunca resolveu problema de nação nenhuma — disse.

Esta é a terceira vez que Ciro disputa a Presidência. Em 1998 e em 2002, ele estava filiado ao PPS. Em 2002, ficou marcado ao dizer que o papel na campanha da atriz Patrícia Pillar, sua então mulher, era dormir com ele. Ciro já pediu desculpa pela declaração, que classificou como "uma piada de extremo mau gosto". Naquele ano, Ciro ainda chamou de "burro" um eleitor ao dar entrevista ao vivo a uma rádio da Bahia. Depois, disse ter se arrependido.

Nesta campanha, um dos últimos rompantes do pedetista foi chamar de "filho da puta" um integrante do Ministério Público de São Paulo — sem saber que era uma mulher — que solicitou a abertura de inquérito contra ele por crime de injúria racial, após ele chamar o vereador Fernando Holiday (DEM-SP) de “capitãozinho do mato”.

— A maior crítica que fazem ao Ciro é de ele ser duro nas palavras. Como dá para ser mole com o Brasil com tanta desgraça, tanta corrupção, com um golpista de plantão aqui no Palácio do Planalto — disse Lupi em breve discurso para a militância do partido, ao chegar na convenção

DESAFIOS DO CANDIDATO

  1. Terá de controlar o temperamento explosivo e o estilo verborrágico. Nesta campanha, já bateu boca com uma plateia de prefeitos e xingou uma promotora. Perfil confere instabilidade e afasta aliados
  2. No último Datafolha, teve 7% das intenções de voto entre eleitores de 16 a 24 anos. É o pior desempenho dele no recorte por idade. Também precisa ampliar a inserção no público feminino.
  3. Por ora, Ciro está na campanha sem os principais partidos do campo de esquerda. Após fracassada negociação com o centrão, o candidato deve se concentrar em possíveis alianças com PSB e PCdoB.
  4. O mercado financeiro é terreno infértil para o pedetista. Planos de cancelar leilões do pré-sal e criar um teto para o pagamento da dívida pela União foram muito mal recebidos pelo setor.
  5. O setor produtivo desafia o candidato. Ciro chegou a ser vaiado em evento na Confederação Nacional da Indústria ao afirmar que rediscutiria pontos da reforma trabalhista aprovada no governo Temer.

“Depois de tudo que houve com o presidente Lula nossa responsabilidade aumentou. São 207 milhões de pessoas que têm que se vestir, se empregar, garantir que se alimentem”

Ciro Gomes

Candidato à Presidência pelo PDT

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Lupi reconhece prejuízo com decisão do centrão: ‘Só tem peso pesado’

21/07/2018

 

 

Cid Gomes acredita que parte do grupo pode rever decisão de apoiar Alckmin

O presidente do PDT, Carlos Lupi, reconheceu ontem que a decisão do centrão de apoiar o pré-candidato do PSDB, Geraldo Alckmin, foi um baque para a campanha de Ciro Gomes. A aliança com esses cinco partidos — DEM, PP, PR, SD e PRB — daria a Ciro mais três minutos de TV em cada bloco do horário eleitoral gratuito.

— Não é fácil, ele (centrão) só tem peso pesado. É difícil, mas eles fizeram a opção e se uniram ao PSDB — disse Lupi.

Apesar desses partidos de centro-direita terem chegado perto de fechar com Ciro, o presidente do PDT afirmou que a tendência natural era que eles fechassem com o tucano, com quem tinham mais proximidade.

— A gente nunca teve o centrão. Eles vão voltar ao leito natural deles que é ser adjacentes ao PSDB. Quem vive com tucano acaba carregando a pena do tucano. Se eles querem isso, o que eu posso fazer — disse Lupi, ao fim da convenção que oficializou Ciro Gomes como candidato do PDT à Presidência.

Para Lupi, o centrão teria perdido uma oportunidade ao não apoiar Ciro:

— Como fala o gaúcho, cavalo encilhado só passa uma vez na porta. Passou, e eles desprezaram.

Irmão de Ciro e um dos coordenadores de campanha, Cid Gomes indicou que ainda tem expectativa de reverter a aproximação de partidos do centrão com Alckmin:

— O dia que tiver uma coisa acertada a gente fala. Não vou falar sobre um movimento que não é conclusivo. Quando for conclusivo a gente se pronuncia.

Apesar de ter fechado acordo anteontem com Alckmin, o anúncio formal do apoio do centrão deve ser anunciado formalmente apenas na semana que vem.

Cid afirmou que, desde o início, a prioridade foi buscar o apoio dos partidos de esquerda, PSB e PCdoB:

— Sempre tivemos muito claramente definida nossa estratégia. Buscar o apoio do PSB, de partidos progressistas, e pensar em governar o Brasil. Quem estiver disposto a vir no primeiro turno, muito bem. Se não, no segundo turno, tem uma próxima etapa para propormos um amplo debate nacional. E que quem pode falar sobre a proximidade com o PDT é o próprio PSB.

Cid defendeu ainda o temperamento do irmão, considerado imprevisível. Esse foi um dos motivos citados pelo centrão para desistir de apoiá-lo.

— Ciro sempre teve uma postura franca, uma postura sincera e muitas vezes agir dessa forma desagrada alguns — disse o coordenador da campanha.