O globo, n. 31027, 19/07/2018. País, p. 4

 

Entre o fisiologismo e a ideologia

Paulo Cesar Pereira

19/07/2018

 

 

Escolha por quem apoiar à Presidência definirá rumo do DEM

O ex-deputado Pedro Corrêa, um baluarte do fisiologismo brasileiro, condenado no mensalão e na Lava-Jato, fazia questão de deixar claro por que pulava de governo em governo independentemente do espectro ideológico: “Óculos escuros de noite, sapato branco de dia, e ser de oposição só é bonito nos outros”, dizia. Entre os integrantes do chamado blocão, PP, PRB e SD sempre foram fieis seguidores da filosofia de Corrêa. O DEM, até recentemente, não.

Dispensado na formação da base lulista em 2003, quando ainda se chamava PFL, o partido foi obrigado a aprender como sobreviver longe de cargos e verbas. Ao longo dos 14 anos de governos petistas, mantevese na oposição e conseguiu inclusive tomar do PSDB o papel de mais vigoroso crítico ao petismo no Congresso. Se por um lado a distância do Planalto levou a uma contínua perda de quadros, por outro a legenda finalmente adquiriu uma ideologia clara, defendendo uma pauta liberal na economia e conservadora nos costumes.

A chegada de Michel Temer ao poder, após um processo de impeachment iniciado por parlamentares do DEM, jogou o partido de volta ao governo. Dois anos e meio depois, a legenda enfrenta hoje um dilema existencial: deve privilegiar a coerência com a ideologia da qual se tornou representante, ainda que sob risco de uma derrota eleitoral, ou fazer o que for necessário para ser governo e receber suas benesses?

Esse é o pilar do debate que existe hoje na legenda sobre quem apoiar nas eleições presidenciais. De um lado, o presidente da Câmara, Rodrigo Maia, defende a aliança com Ciro Gomes, argumentando que o pedetista seria mais competitivo que Geraldo Alckmin, especialmente no segundo turno. Maia já se articula para manter o comando da Câmara no próximo biênio e tenta se consolidar como grande liderança do chamado centrão, que estará ao lado de qualquer governo.

Seus adversários dentro do DEM, no entanto, defendem uma aliança com Geraldo Alckmin, com quem o partido tem antiga afinidade programática. Para integrantes dessa ala, a aliança com Ciro — um duro crítico das reformas de Temer e autor de ataques pessoais até contra integrantes do DEM — abrirá uma fratura na legenda sem que haja qualquer garantia de que o pedetista chegará ao Planalto. A avaliação de muitos é que o candidato que vier a ser escolhido pelo PT tende a roubar parte significativa dos votos de Ciro e deve retirá-lo do segundo turno.

Ficar perto do Planalto é pra lá de tentador. Não por outro motivo, no amplíssimo espectro partidário brasileiro, a oposição raramente consegue controlar mais de 25% do Congresso. Após mais de uma década no deserto oposicionista, o DEM deliciou-se nos últimos anos com o poder, sem abrir mão de sua agenda programática.

Em outubro, as urnas deixarão claro quais previsões estavam certas. No entanto, será na escolha que o DEM fará nos próximos dias que ficará definido se a legenda seguirá detentora de uma agenda política clara — ainda que isso possa, de tempos em tempos, lhe obrigar a ir para a oposição — ou se optará por tornar-se mais um sigla que disputa espaço no centro fisiológico do país.