O globo, n. 31026, 18/07/2018. País, p. 3

 

Voto antecipado

Luís Lima

Catarina Alencastro

18/07/2018

 

 

Ciro envia cartas a Boeing e Embraer e afirma que acordo entre aéreas tem que ser desfeito

Em encontro com empresários e sindicalistas patronais, o précandidato do PDT à Presidência, Ciro Gomes, defendeu ontem, em São Paulo, a dissolução do acordo em que a Boeing comprou 80% da área de aviação comercial da Embraer. Ciro disse que enviou cartas aos presidentes das duas empresas orientado-os a não consumar a fusão até que o próximo presidente tome posse. Para Ciro, o acordo não é “saudável”.

— Esse acordo feito no estertor de um governo e na iminência de 84 dias de uma eleição presidencial é clandestino e absolutamente ameaçador da segurança nacional brasileira. Portanto, ele não deveria ser consumado, e, se for, tem que ser desfeito — declarou, alegando que o conteúdo da carta será divulgado hoje.

Na exposição, em um evento promovido pela Associação Brasileira da Indústria de Máquinas e Equipamentos (Abimaq), em São Paulo, o presidenciável citou a defesa como uma das áreas estratégicas para o desenvolvimento do país, e que, por isso, enviou uma carta “respeitosa” à Boeing.

— A Embraer, por conta do governo, desenvolveu uma joia tecnológica, que é um avião chamado KC-390. Esse avião está na fase final de homologação dos testes. Ele já tem uma fila de encomenda que sinaliza um mercado de US$ 20 bilhões — disse.

Ao defender o fim do acordo entre Boeing e Embraer, Ciro deve novamente chamar a atenção do mercado. Recentemente, o presidenciável levantou duas propostas polêmicas. Defendeu a suspensão do leilão do pré-sal realizado pelo governo Michel Temer, pós-impeachment de Dilma Rousseff, e ainda a criação de um teto para o pagamento da dívida pela União.

NOVO TOM PARA REFORMA TRABALHISTA

A declaração ocorre ao mesmo tempo em que Ciro tenta furar resistências no mercado e busca atrair para a sua précandidatura os partidos do chamado blocão, formado por DEM, PP, PRB e Solidariedade. Por outro lado, ele usou o mesmo discurso para moderar o tom sobre a reforma trabalhista, condenada pelo pedetista. Com isso, espera atender a uma demanda do DEM.

— O que farei é trazer a bola de volta para o meio do campo e rediscutir a reforma trabalhista — disse.

Na reta final das negociações para o fechamento de alianças, Ciro disse que todas as sugestões em discussão com partidos de centro-direita são bem-vindas.

— Não quero ser dono da verdade, não quero ser ditador do Brasil. Quero reunir as melhores ideias para que o país celebre um novo projeto nacional de desenvolvimento — disse, a jornalistas, após o evento.

Para tentar dar celeridade à conquista de apoio do blocão, o assessor econômico de Ciro, Mauro Benevides, foi escalado para dialogar ontem com técnicos indicados por algumas das siglas. O objetivo é o de chegar a um consenso sobre as propostas até o fim da semana que vem. De acordo com Ciro, Benevides deve enviar um e-mail resumindo a conversa ainda hoje. Entre os pontos mais delicados, segundo interlocutores, estão as reformas trabalhista e da Previdência e a intenção de Ciro de estabelecer um limite de gastos para pagamento de juros da dívida pública. O veto ao acordo das aéreas

Os caciques do blocão já tiveram duas grandes reuniões em Brasília e em São Paulo desde sábado passado. Questionado sobre quais pontos foram debatidos na ocasião, Ciro limitou-se a dizer que os parlamentares pediram para conversar sobre seu programa de governo, mas que não entraram em detalhes. As negociações continuam nesta semana, com um novo encontro marcado para a próxima quinta-feira.

Em paralelo à aproximação com os partidos de centro, Ciro também mira o apoio de legendas à esquerda. A prioridade é uma aliança com o PSB, mas ainda há resistências de lideranças em estados-chave como São Paulo e Pernambuco, onde está a cúpula do partido. Nas palavras de Ciro, o PSB tem sido muito correto em relação a ele, sobretudo ao explicitar contradições existentes em alguns estados.

— Salvo o que está acertado na base, tem o PSB de Pernambuco, meus companheiros e amigos, que tem uma preferência de aliança com o PT. E aqui em São Paulo, o meu querido amigo e governador Márcio França tem uma preferência pelo PSDB. Isso está um problema para eles. Para mim, não, compreendo isso completamente — afirmou.

Ontem, em Brasília, o presidente nacional do PDT, o ex-ministro Carlos Lupi, afirmou que Ciro está a um passo de conseguir o apoio formal de parte do blocão. Para Lupi, PP, Solidariedade e até mesmo o DEM tendem a apoiar Ciro porque querem apostar “no cavalo que pode ganhar” a eleição. O otimismo de Lupi só não vale para o PRB que, na avaliação do pedetista, deve seguir outro caminho e apoiar o pré-candidato do PSDB, Geraldo Alckmin.

— PP, DEM e Solidariedade tendem a fechar com Ciro porque querem fazer parte do programa de governo. Querem ser protagonistas do processo. Tem também uma questão pragmática: eles querem apostar no cavalo que pode ganhar — disse Lupi.

As lideranças do PP confirmam que o namoro com Ciro está progredindo. A ala do Nordeste, que manda na sigla, quer a todo custo fechar com o pedetista. No Sul, o pré-candidato do Podemos, Alvaro Dias, teria assumido preferência dos progressistas. O empresário do ramo siderúrgico Benjamin Steinbruch, filiado ao PP, é visto como o vice mais provável de Ciro Gomes.

ATAQUE A PROMOTOR POR INVESTIGAÇÃO

Caciques do DEM dizem que hoje Alckmin e Ciro têm chances iguais. Os simpatizantes de Ciro, liderados pelo presidente da Câmara, Rodrigo Maia (RJ), estão sendo pressionados internamente a não apoiar o pedetista. O economista Claudio Adilson, escalado pelo DEM para negociar uma agenda programática palatável junto à campanha de Ciro, está elaborando um diagnóstico para apresentar ao partido.

— É uma construção. Você não levanta um prédio de um dia para o outro. Você bota viga e vai cimentando tijolo por tijolo. No fim de semana tivemos uma conversa importante, e conseguimos avançar — diz um dos líderes do DEM que se auto-intitula “Cirista”.

Ainda ontem, na mesma palestra, enquanto falava sobre privilégios de juízes e promotores, Ciro criticou em tom ofensivo o promotor que o processou por injúria racial no caso em que atacou o vereador paulistano do DEM, Fernando Holiday. Há cerca de um mês, em entrevista a uma rádio, Ciro chamou o vereador de “capitãozinho do mato”.

— Um promotor aqui de São Paulo resolve me processar por injúria racial. E pronto, um filho da puta desse faz isso. Ele que cuide de gastar o restinho das atribuições dele, porque se eu for presidente essa mamata vai acabar — afirmou Ciro.

“Esse acordo feito no estertor de um governo e na iminência de uma eleição presidencial é clandestino e absolutamente ameaçador da segurança nacional brasileira. Portanto, ele não deveria ser consumado, e, se for, tem que ser desfeito”

Ciro Gomes

Pré-candidato do PDT à Presidência da República

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Ação especial assegura poder de veto ao governo brasileiro

Danielle Nogueira

18/07/2018

 

 

Presidente da Embraer quer apresentar em outubro ao governo o modelo detalhado da união com a Boeing. Qualquer atraso jogará decisão para 2019

O acordo anunciado entre Boeing e Embraer, no início deste mês, ainda será submetido à aprovação dos conselhos de administração das companhias e do governo brasileiro. A União detém uma golden share na Embraer — classe especial de ações que lhe permite vetar operações como transferência de controle e mudança de sede, uma herança da época em que a empresa ainda era estatal. A depender do andamento das conversas e da análise do processo, portanto, o candidato à Presidência eleito em outubro pode barrar o negócio.

O que as duas empresas assinaram foi um memorando de entendimentos, uma espécie de carta de intenções. Pelos termos do acordo, a Embraer vai vender à Boeing 80% de sua unidade de aviação comercial por US$ 3,8 bilhões. Uma nova empresa, subsidiária integral da fabricante americana, seria formada, na qual a Embraer teria 20%. A União não terá golden share na nova companhia, mas, como a transação tem de ser aprovada pelos atuais acionistas da Embraer, o governo brasileiro precisará dar o seu aval, assim como órgãos reguladores no Brasil e nos EUA. Além da golden share, a União participa diretamente da Embraer via BNDES, com 5,4% das ações.

O presidente da fabricante de aviões brasileira, Paulo Cesar de Souza e Silva, pretende apresentar um modelo mais detalhado da união entre as duas companhias ao governo brasileiro em outubro e submeter a proposta à assembleia de acionistas em dezembro. Qualquer descompasso nesse cronograma pode jogar a decisão para 2019, quando o novo presidente já terá sido empossado.

O governo brasileiro acompanha as conversas entre as duas empresas desde o fim de dezembro. A unidade de defesa da Embraer, que fabrica aviões militares, por exemplo, foi excluída do acordo por determinação da União. A Embraer ficará com unidade de defesa e com a aviação executiva (jatos pequenos). No entanto, será criada uma joint venture entre Boeing e Embraer para comercializar o KC-390, nova aposta nacional no segmento militar. Para a Embraer, essa parceria é importante para ganhar mercado, uma vez que a Boeing tem uma ampla rede comercial. A companhia americana não terá acesso à tecnologia nem participará de sua fabricação, mas assegurou uma fatia ainda não definida na receita obtida com as vendas do avião.

Dado o caráter estratégico da Embraer, o risco político sempre rondou o negócio. Além de um eventual veto presidencial, parlamentares da oposição ameaçaram ir à Justiça para barrar a formação da nova empresa. E o Sindicato dos Metalúrgicos de São José dos Campos, cidade que é sede da Embraer, também já disse que tentará melar o acordo, seja por meios judiciais ou por convocação de greve.