O globo, n. 31026, 18/07/2018. Rio, p. 9

 

Crivella afirma que o Poder Judiciário foi induzido a erro

Renan Rodrigues

18/07/2018

 

 

Liminar impede uso da máquina em favor de grupos religiosos

O prefeito Marcelo Crivella afirmou ontem, por meio de nota, que o “Poder Judiciário foi induzido a erro por colocações distorcidas e fora de contexto por parte da mídia, que incentiva e propaga um sentimento de intolerância religiosa”. O comunicado oficial foi divulgado um dia após a liminar que impede o prefeito de usar a máquina pública em favor de grupos religiosos. A decisão da Justiça determina que Crivella cumpra 12 restrições, caso contrário poderá ser afastado do cargo.

Na nota, Crivella ressaltou que “causa profunda preocupação a vulneração ao regime democrático ao Estado de Direito”, porque, segundo ele, um prefeito democraticamente eleito pelo voto popular não pode ser afastado de suas funções de forma preventiva, salvo por decisão do Poder Legislativo.

AÇÃO POR IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA

Segundo o prefeito, a gestão da prefeitura tem “primado pela inclusão e pelo aumento de oportunidades para todos”. Ele também destacou que vai demonstrar, no decorrer do processo na Justiça, que não houve qualquer ação irregular ou que “destoe do que usualmente era praticado pelas administrações municipais anteriores”.

A ação civil pública por improbidade administrativa foi ajuizada pelo Ministério Público após a reunião secreta de Crivella com líderes evangélicos no Palácio da Cidade, sede da prefeitura, no último dia 4. Em sua decisão, o juiz Rafael Cavalcanti Cruz, da 7ª Vara de Fazenda Pública da Capital, afirmou que houve violação dos princípios da impessoalidade e da moralidade administrativa. Procurado, o Ministério Público informou que a promotora Gláucia Santana, responsável pela ação, não vai comentar as afirmações de Crivella. De acordo com o Tribunal de Justiça, na tarde de ontem, a prefeitura ainda não tinha apresentado recurso contra a liminar.

Crivella também recebeu uma má notícia de Brasília anteontem. O juiz Renato Borelli, da 20ª Vara Federal Cível do Distrito Federal, determinou o bloqueio de mais de R$ 3 milhões de contas bancárias do prefeito, de outras sete pessoas e de uma empresa. A decisão está relacionada a uma suposta irregularidade num contrato do Ministério da Pesca, no período em que Crivella comandou a pasta, entre 2012 e 2014. A prefeitura informou que “foi determinada realização de sindicância no Ministério da Pesca e, antes mesmo da manifestação da Controladoria-Geral da União (CGU), o contrato foi cancelado, quando só havia sido executado R$ 79 mil”.

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Um tom de preconceito

Paulo Assad

18/07/2018

 

 

PARA RECOLHER LIXO - Portal 1746 cita ‘mendigo’ e ‘despacho de macumba’

A prefeitura errou o tom na nova versão do Portal 1746, inaugurado na semana passada. Na seção destinada a quem precisa acionar o serviço de retirada de resíduos das ruas, apareciam termos como “despacho de macumba” e “mendigos”. Após O GLOBO entrar em contato com o município na manhã de ontem, os textos foram alterados para “oferendas religiosas” e “moradores de rua”. O site é de responsabilidade da Casa Civil.

— O uso do termo “despacho” é desrespeitoso. Só ajuda a aumentar o estereótipo que envolve religiões de origem africana — disse o babalaô Ivanir dos Santos, representante de movimentos contra a intolerância religiosa. — O certo seria usar “oferendas sagradas”. Além disso, existem várias religiões que fazem uso desse tipo de ritual. Não é muito diferente da hóstia e do pão.

O deputado Carlos Minc (PSB), presidente da Comissão de Combate a Discriminações e Preconceitos de Raça, Cor, Etnia e Religião da Assembleia Legislativa, também comentou a escolha feita pela prefeitura:

— Essa é mais uma da série de atitudes questionáveis da administração do prefeito Marcello Crivella. É deplorável o uso desse tipo de termologia, que apenas ajuda a estigmatizar e a demonizar as religiões de matrizes africanas. Vamos notificar o prefeito no Ministério Público.

Na opinião de Minc, esse caso do portal poderia ser considerado um desrespeito à liminar da 7ª Vara de Fazenda Pública que impede o prefeito de favorecer grupos religiosos. No Rio, existe ainda legislação que proíbe que oferendas religiosas sejam tratadas como lixo. A Lei 5.563, de 2013, de autoria do vereador Átila Nunes e conhecida como Lei do Axé, isenta inclusive esse material de multas do programa Lixo Zero, que prevê sanções para quem descarta detritos irregularmente na cidade.

Na antiga versão do site da prefeitura, não havia qualquer texto semelhante ao atual, apenas menção à remoção de resíduos. Em nota, o portal 1746 pediu desculpas pelo uso dos termos e informou que o site “está passando por ajustes finais, o que inclui revisão da linguagem”.