Correio braziliense, n. 20171, 12/08/2018. Economia, p. 7

 

Mudança populacional é desafio ao crescimento

Rosana Hessel

12/08/2018

 

 

CONJUNTURA » Fim do chamado bônus demográfico - relação favorável entre a população ativa e a de jovens e idosos que não trabalham - chega mais cedo e mostra que o país terá que redobrar esforços para se desenvolver e aumentar a renda média da sociedade

O bônus demográfico acabou cinco anos mais cedo que o esperado, conforme os dados atualizados da projeção da população do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Esse período considerado favorável para o desenvolvimento do país e para o aumento da renda média nacional, iniciado entre os anos 1970 e 1980, chegou ao fim neste ano. Especialistas explicam que o aumento da relação de dependência de idosos e de crianças até 14 anos em relação às pessoas que estão trabalhando, prevista para ter início em 2023, começou, na verdade, neste ano.

O economista Samuel Pessoa, pesquisador do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas (FGV), um dos especialistas a alertar para o fim do bônus demográfico, avisa que, daqui para a frente, o desafio para o país crescer será maior. “A construção do desenvolvimento ficará mais difícil. Mas, se o próximo governo fizer tudo certo — equilibrar as contas públicas, investir em educação de qualidade e fizer as reformas estruturais, incluindo a tributária e a da Previdência —, continuará criando oportunidades. O desenvolvimento não é um bonde, mas um metrô que passa o tempo todo. Basta estar na plataforma”, considera.

O potencial atual de expansão do Produto Interno Bruto (PIB) é baixo, não passando de 2%, abaixo da média global, segundo especialistas. A recessão de 2015 e 2016 derrubou o PIB potencial e interrompeu o avanço da renda per capita brasileira, que tinha alcançado dois dígitos no valor corrente em dólares. Pelas estimativas do Fundo Monetário Internacional (FMI), em 2023, a renda ainda não voltará aos níveis de 2011.

O economista Jorge Arbache, secretário de Assuntos Internacionais do Ministério do Planejamento, era uma dos estudiosos que alertava sobre os riscos da perda do bônus demográfico, que condenaria o Brasil a ser uma nação de renda média baixa, mesmo tendo a oitava economia do mundo. “O país está condenado a crescer muito pouco. Com o bônus, havia muito mais gente trabalhando para gerar riqueza, e isso poderia elevar o salário e a competitividade. Mas não conseguimos dar o salto para ter renda média de país desenvolvido. Daqui para a frente, a tendência de constrangimento do crescimento vai aumentar”, lamenta. Ele acrescenta que o fim do bônus  afeta não apenas a renda, “mas também as taxas de juros e de poupança do país”, que são baixas comparadas com as do resto do mundo.

 

Dependência

Analistas ilustram o fim do bônus pela taxa de dependência total de jovens e idosos em relação à População em Idade Ativa (PIA), formada por pessoas de 15 a 64 anos. Os números do IBGE mostram que a razão de dependência total iniciou um ciclo de crescimento a partir deste ano, devendo passar dos atuais 44,1% para 67,2%, em 2060. Portanto, o principal problema será o aumento acelerado do rombo da Previdência, pois o percentual de idosos passará de 13,3% para 42,6% da PIA no mesmo período.

“Houve a virada na razão de dependência com a queda do número de jovens e o aumento do de idosos. A taxa de dependência continuará crescendo, até chegar a 67% em 2060. Isso impõe um conjunto grande de desafios para o país”, destaca o secretário de Previdência do Ministério da Fazenda, Marcelo Caetano. “O principal problema é que, agora, existe um processo de convergência demográfica do Brasil parecido com o de países ricos. Só que sem ter renda média parecida. Portanto, o conjunto de desafios é muito grande daqui para frente”, completa.

Conforme dados da Secretaria de Previdência, os rombos dos sistemas público e privado somaram R$ 268,8 bilhões em 2017, ou 4,1% do PIB. Em 2010, essa taxa era 2,4%. Somando o deficit com as despesas de todos os benefícios previdenciários, o custo total da previdência chega a 14,5% do PIB, nível parecido com o de países desenvolvidos e envelhecidos, como o Japão, que tem uma renda média em dólares quatro vezes superior à brasileira (US$ 40 mil).

Para piorar, os cálculos atuariais da Fazenda indicam que, em 2047, o rombo da Previdência Social chegará a R$ 3,49 trilhões, mais do que o Orçamento atual do governo federal, de R$ 3,44 trilhões. Analistas concordam que o sistema entrará em colapso bem antes disso.

Produtividade

O demógrafo Cássio Turra, professor da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), destaca a dinâmica demográfica como um dos fatores para o crescimento potencial da renda. “O dividendo demográfico é mais do que uma consequência da dinâmica populacional pura e simplesmente. Envolve outras variáveis que podem afetar a relação entre produtores e consumidores líquidos na população, como o nível de participação feminina no mercado de trabalho. De todo modo, o envelhecimento populacional e seus desdobramentos serão efeitos dominantes, impondo dificuldades para o crescimento potencial da renda”, afirma.

Na avaliação do economista Otaviano Canuto, diretor executivo do Banco Mundial, o aumento da produtividade será crucial para o país sair do “pífio desempenho das últimas décadas”. “O próximo presidente precisará lidar tanto com os impactos fiscais do atual regime previdenciário, quanto com o desempenho da produtividade”, avisa.

Ana Amélia Camarano, coordenadora de Estudos e Pesquisas de Igualdade de Gênero, Raça e Gerações do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), evita falar em perda de bônus demográfico, mas reforça que o aumento da produtividade será crucial para  o crescimento. “Qualquer melhora vai ter que passar pela educação. Como a população em idade ativa será menor, ela precisará ter produtividade bem mais alta para o país poder crescer. Para isso, será necessária uma escolaridade maior, que passa pela eficiência e qualidade do ensino superior. Não adianta vender ilusão”, afirma.