O globo, n. 31022, 14/07/2018. País, p. 3

 

Divisão de verba cria tensão em partidos

Bruno Góes

Dimitrius Dantas

Gustavo Schmitt

Letícia Fernandes

Jeferson Ribeiro

Jussara Soares

Sílvia Amorim

14/07/2018

 

 

 Recorte capturado

Repasses prioritários do fundo eleitoral para candidatos a deputado geram insatisfação

Na primeira eleição financiada exclusivamente com recursos públicos e de pessoas físicas, partidos como MDB e PSDB enfrentam conflitos internos para repartir cerca de R$ 1,7 bilhão disponível no fundo eleitoral. Na primeira eleição presidencial financiada exclusivamente com recursos públicos e doações de pessoas físicas, os principais partidos brasileiros enfrentam conflitos internos para decidir como partilhar o dinheiro do fundo eleitoral entre seus candidatos. A menos de uma semana das convenções, os diretórios nacionais de cada sigla precisam realizar uma reunião e aprovar, por maioria dos votos, a distribuição dos recursos entre candidatos ao Legislativo e Executivo. Sem que esse planejamento seja remetido ao Tribunal Superior Eleitoral (TSE), os partidos não podem receber suas fatias no bolo de R$ 1,7 bilhão do fundo.

O fim das doações empresariais de campanha, proibidas pelo Supremo Tribunal Federal em 2015, reduziu drasticamente o orçamento disponível para financiar candidaturas. A escassez abriu uma crise entre as alas estaduais e federais de alguns partidos. A maioria das legendas reservou o fundo para postulantes à Câmara dos Deputados, em detrimento dos pré-candidatos na esfera estadual. A opção das cúpulas das siglas por ampliar as bancadas na Câmara está diretamente ligada ao critério de distribuição de recursos e de partilha do tempo de TV nas próximas eleições, ambos definidos de acordo com o número de deputados federais eleitos por cada legenda. Critério inédito em eleições, a obrigação de os partidos reservarem 30% do fundo eleitoral para candidaturas femininas também contribui para a tensão na partilha do dinheiro.

Em maio, quando a repartição do fundo eleitoral começou a ser discutida no PSDB, o précandidato a governador de São Paulo João Doria encaminhou para Alckmin uma estimativa do custo da campanha no estado. O valor, de R$ 28 milhões, causou estranheza ao presidenciável, pois estava acima do teto de gasto de R$ 21 milhões estabelecido pelo TSE para as campanhas ao governo de São Paulo.

Aliados de Alckmin avisaram a Doria que sua campanha receberia o mesmo tratamento destinado aos demais candidatos a governador do PSDB. O partido transferirá a essas campanhas apenas 30% do teto determinado pelo TSE em cada estado. No caso de Doria, isso representa R$ 7 milhões, 25% do que ele havia pedido inicialmente. O restante dos recursos os candidatos tucanos a governador terão que buscar fora do partido.

Desde então, a campanha do ex-prefeito não pressionou por mais recursos. Mas aliados de Doria não descartam nova ofensiva mais adiante para tentar melhorar a oferta de Alckmin. Eles argumentam que a importância da eleição de São Paulo para o PSDB justificaria um tratamento diferente. Para a própria campanha, Alckmin reservou o teto determinado pelo TSE às candidaturas à Presidência: R$ 70 milhões. Ao todo, o PSDB terá R$ 185 milhões do fundo eleitoral. Está definido que deputados federais receberão cerca de R$ 1,5 milhão cada um. Já os deputados estaduais aguardam uma definição sobre se terão direito a alguma parte do bolo.

MDB: R$ 1,5 MILHÃO PARA REELEIÇÃO

Maior beneficiário do fundo eleitoral, o MDB terá R$ 234 milhões para dividir entre todos os seus milhares de candidatos país afora. Dono da segunda maior bancada da Câmara, formada por 51 deputados, o partido vai dar R$ 1,5 milhão para cada parlamentar tentar a reeleição. No Senado, serão R$ 2 milhões por senador. Com o recurso destinado às bancadas do Congresso já definido, a briga está na parcela de dinheiro que será destinada aos 14 pré-candidatos a governador que terão de disputar o bolo de R$ 54 milhões reservados para os diretórios estaduais. Para ampliar o orçamento, alguns candidatos estudam compor a chapa com vice-governadoras, uma estratégia para acessar o bolo de recursos financeiros destinado a mulheres.

Com 49 deputados, o PP também decidiu priorizar a partilha entre seus candidatos ao Congresso e estabeleceu até um critério de “fidelidade” para os repasses. Pela regra, os deputados mais fiéis às orientações de voto do líder da bancada no plenário da Câmara vão receber mais recursos. E os mais desobedientes serão penalizados. A regra tem gerado desconforto na legenda. A sigla é uma das poucas que pode destinar até R$ 2,5 milhões para os candidatos à reeleição, o teto permitido por lei. Para o tesoureiro do PP, deputado Ricardo Barros, todos os partidos vão canalizar recursos para tentar eleger mais deputados:

— A estratégia de focar nos deputados federais é geral, já que o número de votos para deputado federal define o fundo partidário, e deputados eleitos definem o tempo de televisão, que são as coisas mais relevantes para os partidos. A lógica da legislação induz a essa solução.

O PR do mensaleiro Valdemar Costa Neto receberá R$ 113 milhões do fundo eleitoral. A prioridade será a eleição para o Congresso. Deputados que disputam a reeleição devem ter R$ 2 milhões, e parlamentares mulheres, R$ 2,5 milhões.

— Ainda vamos ter uma reunião para bater o martelo sobre isso, mas a prioridade é investir nas campanhas de Câmara e Senado — diz o líder do PR, José Rocha.

O DEM vai receber R$ 89 milhões. No início do mês, a Executiva do partido publicou uma resolução com os critérios para a repartição da verba. Às candidaturas de governo, que devem ser oito, foram reservados R$ 2,5 milhões para cada postulante. Ao Senado, haverá a transferência de R$ 500 mil por candidato. Já para as candidaturas das eleições proporcionais dos 27 estados fica determinado o teto de R$ 1,5 milhão.

PSL FALA EM ABRIR MÃO DO FUNDO

O PSL do pré-candidato Jair Bolsonaro promete abdicar dos R$ 9 milhões do fundo eleitoral. Integrantes do partido afirmam que Bolsonaro vai tentar chegar à Presidência financiando sua campanha por meio de doações de apoiadores. Aos interessados em se candidatar aos governos do estados, os mandatários da sigla alertam que a executiva nacional não contribuirá com os custos. Todas as despesas deverão ser arcadas pelos próprios candidatos e pelos diretórios estaduais, que começaram a se organizar a partir de abril, quando Bolsonaro se filiou à legenda.

A falta de estrutura e dinheiro do partido de Bolsonaro é o mais grave entrave para o PSL lançar candidaturas aos governos estaduais. Dos maiores colégios eleitorais do país, apenas São Paulo não desistiu de ter um candidato próprio. Minas Gerais, Rio de Janeiro, Rio Grande do Sul e Bahia estudam alianças regionais com partidos de direita. A orientação da executiva nacional, no entanto, tem sido de que será melhor ficar sem palanque regionais do que firmar alianças que possam atrapalhar a campanha de Bolsonaro.

Marina Silva deverá direcionar metade dos R$ 10,6 milhões que a Rede receberá para a sua própria campanha. Em resolução aprovada ontem, o partido definiu a divisão do fundo eleitoral. Os demais candidato do partido terão que dividir os outros 50% dos valores. Além disso, a Rede obedeceu a deliberação do TSE, que estabeleceu uma reserva de, no mínimo, 30% para as candidaturas de mulheres. Em relação aos cargos, a maior parte da outra metade dos recursos da Rede irá para as eleições legislativas: entre 25 e 35%. Com apenas três congressistas, a Rede é um dos partidos que precisará cumprir a cláusula de barreira para continuar em funcionamento depois das eleições. Para isso, elegendo ou não Marina, precisará de 1,5% dos votos em pelo menos nove estados ou eleger nove parlamentares. Os senadores receberão entre 10% e 25%.

Os candidatos a governador terão o menor acesso aos recursos: 10%. O partido deverá ter pelo menos 13 candidaturas estaduais. Na prática, no entanto, boa parte dessa fatia servirá para divulgar a pré-candidatura de Marina: a orientação é que a maioria dos pré-candidatos a governador seja utilizado como porta-voz da campanha à Presidência. A sigla considera que é mais útil investir nas campanhas estaduais para espalhar a força da candidatura da ambientalista do que centralizar esses recursos para Marina.

O PT ainda vai definir a divisão dos R$ 212 milhões a que tem direito pelo fundo eleitoral. A maior parte, já se sabe, financiará a campanha presidencial e nos estados onde o partido tenta reeleição ou já governa. O PT espera também alocar recursos expressivos nas eleições do Congresso para não correr o risco de perder muitos assentos em sua bancada. 

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Falta de critérios e de punições ameaça financiamento de candidatas

Tiago Aguiar

14/07/2018

 

 

Destinação de 30% do Fundo Eleitoral não é clara, e mulheres temem concentração

A destinação de 30% do Fundo Eleitoral para o financiamento de campanhas femininas deve esbarrar na falta de critérios claros e de punições para quem descumprir a resolução publicada em maio pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE). O temor de dirigentes partidários e de procuradores eleitorais é que, assim como outras regras criadas para aumentar a participação de mulheres na política, esta também não apresente resultados. Algumas siglas já estão se mobilizando para barrar a validade da resolução na Justiça.

Além da falta de punição para quem descumprir a resolução, alas femininas dos partidos questionam como será a divisão dos 30% do fundo eleitoral destinados por lei às mulheres. O receio é que o dinheiro fique concentrado nas campanhas que têm mais chance de se eleger, o que dificultaria a renovação dos quadros. Também gera preocupação o fato de que falta participação feminina nas instâncias que vão decidir como aplicar o dinheiro, as executivas nacionais dos partidos.

— Pela regra, quem decide são as executivas nacionais de cada partido (e não seu setorial feminino), o que facilita a disparidade: irão investir em mulheres já com muita chance de serem eleitas, nas que tiverem alguma ligação com a executiva ou aquelas que beneficiarem diretamente a campanha de um homem — avalia Juliet Matos, coordenadora nacional de mulheres da Rede.

Em tentativa de reverter esse desvio, a senadora Lídice da Mata (PSB-BA) chegou a fazer uma consulta pública ao TSE em agosto do ano passado pedindo que diretórios de partidos fossem obrigados a ter cotas para mulheres nas suas instâncias internas, mas o caso ainda não foi julgado. PSOL e PT, por definições internas, reservam 50% para mulheres nas suas instâncias. O PCdoB, 30%. Os outros partidos não têm regras.

A falta de regras claras e de punições pode fazer com que os partidos cometam infrações. Desde 2009, a Justiça Eleitoral já exige ao menos 30% de mulheres nas chapas, o que gerou o fenômeno de candidaturas laranjas, a indicação de mulheres para determinados cargos apenas para cumprir a exigência formal.

Para impedir as candidaturas laranjas, o TSE irá incluir um veto a doações de mulheres que receberem dinheiro do fundo eleitoral para políticos homens.

O procurador regional eleitoral de São Paulo Luiz Carlos dos Santos Gonçalves avalia que no estado há muitas diferenças entre a forma como os partidos estão lidando com a nova resolução: enquanto alguns já incluíram as mulheres nas tomadas de decisão, outros não tomaram nenhuma providência.

— Esse Fundo Especial de Financiamento de Campanha foi criado sem nenhum tipo de direcionamento da utilização, não tem nenhum critério. Em tese, o partido pode colocar (tudo) em uma única candidata — diz Santos Gonçalves

Recentemente, o PP e o SD foram à Justiça para tentar suspender a resolução, argumentando que ela deveria valer só no ano seguinte à sua publicação.

Sobre a punição para quem descumprir a resolução, o TSE respondeu ao GLOBO que um “dispositivo específico sobre a nova determinação ainda será publicado, contendo todas as regras”, mas não especificou quando.

Julia Martin, 29, que se candidatará pela primeira vez neste ano pelo PT, diz que batalha internamente para que os recursos privilegiem candidatas novas:

— Até entre nós mulheres do mesmo partido existe um debate sobre qual o critério que será usado para a distribuição desses valores — diz Julia.

Já a presidente do PSDB Mulher e deputada federal Yeda Crusis (PSDB-RS) diz que os tucanos estabeleceram como meta dobrar o número de filiadas eleitas em todo o país, que hoje é de sete deputadas federais e 12 estaduais, e que o partido tem cursos de capacitação para 250 pré-candidatas.

— Houve uma surpresa muito grande quando viram que era para valer, que não era só um desejo, mas um requisito dos tribunais.