Correio braziliense, n. 20169, 10/08/2018. Mundo, p. 14

 

No Brasil, a bola está com o Supremo

Deborah Fortuna

10/08/2018

 

 

Na mesma semana em que o Senado argentino rejeitou a legalização do aborto, o Supremo Tribunal Federal (STF) concluiu o debate sobre a descriminalização do procedimento até a 12ª semana de gestação. No entanto, a discussão no Brasil também está longe de acabar. A decisão do país vizinho poderá servir de exemplo e desacelerar a corrente a favor da mudança.

Enquanto na Argentina o debate foi conduzido no Congresso, em torno de um projeto de lei, no Brasil a discussão foi encaminhada para a Suprema Corte. O pedido de Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) n° 442, que pede a descriminalização até a 12ª semana, foi protocolada pelo Psol. O partido pede que os artigos 124 e 126 do Código Penal de 1940 sejam retirados. Ambos condenam a mulher e o responsável pelo procedimento, exceto em três casos — estupro, risco de morte para a mãe ou anencefalia.

Na opinião do advogado Hugo Cysneiros, a rejeição do projeto na Argentina pode influenciar a transferência do debate no Brasil para o Legislativo. Para ele, é uma “anomia” que o tema esteja sendo debatido no STF, e não no Congresso. “No mérito da decisão, é difícil saber se a decisão do Supremo poderia ser influenciada pela rejeição em outro país. Aqui, são só 11 ministros. Mas é uma lição de que outros países, como a Argentina, escutam os parlamentares escolhidos pelo povo”, avaliou.

Durante audiência pública, a ministra relatora da ADPF, Rosa Weber, respondeu ao comentário de que a Suprema Corte não teria competência para julgar o assunto. “O artigo 102 da Constituição, parágrafo 1, diz com todas as letras: ‘A Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental decorrente desta Constituição será apreciada pelo STF na forma da Lei’. Ou seja, é a própria Constituição que, diante de uma ADPF, fixa a competência para seu julgamento”, afirmou.

O Congresso brasileiro é considerado menos suscetível a autorizar o aborto do que o STF, que em 2012 descriminalizou o procedimento para casos de anencefalia. No ano passado, uma comissão especial da Câmara dos Deputados aprovou a proibição do aborto sem ressalvas para qualquer tipo de justificativa — inclusive os casos previstos em lei. O assunto ainda vai ser avaliado em plenário. Um levantamento do Portal Catarinas mostrou que, nos últimos três anos, 18 estados da federação registraram 924 processos contra mulheres que fizeram aborto ilegal.