O globo, n. 31021, 13/07/2018. País, p. 3

 

Arrecadação não autorizada

Marco Grillo

Juliana Castro

13/07/2018

 

 

Apoiadores usam site fora do cadastro do TSE para aumentar influência de pré-candidatos

Um mecanismo indireto de propaganda política na internet chamou a atenção do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) e acendeu o alerta para possíveis irregularidades neste período de précampanha. Apoiadores de pré-candidatos à Presidência estão arrecadando dinheiro para promover, nas redes sociais, páginas não-oficiais, por meio de sites de financiamento coletivo que não estão autorizados pela Justiça Eleitoral.

A lei determina que as campanhas de arrecadação aconteçam em sites cadastrados no TSE — hoje, são 50 endereços. A lista foi adotada como uma forma de manter o controle sobre a identificação dos doadores, já que é obrigatório manter uma lista atualizada com nome e CPF. Um grupo de eleitores de Jair Bolsonaro (PSL) e outro de Marina Silva (Rede), no entanto, estão angariando recursos por meio do “Vakinha”, um dos principais sites de crowdfunding do país, mas que não está habilitado a desempenhar um papel nesta eleição.

A reportagem procurou outras páginas de vaquinhas virtuais fora do cadastro do TSE, com campanhas de apoio ao conjunto dos pré-candidatos à Presidência, mas não encontrou comportamento semelhante. Há duas semanas, O GLOBO mostrou que páginas não oficiais de Bolsonaro pagam para impulsionar publicações favoráveis ao candidato.

No caso de Bolsonaro, o objetivo é, entre outros, impulsionar as publicações da página do “Movimento Brasil à Direita”, que tem 879 mil seguidores no Facebook. A campanha foi divulgada no “Jornal da Direita”, site mantido pelo mesmo grupo, que publica textos favoráveis a Bolsonaro e a outros pré-candidatos do PSL. “Precisamos de dinheiro para abrir um CNPJ, pagar a manutenção do site, pagar por artes dentro das páginas e para novos editores; também para comprar material para difundir a imagem de Jair Bolsonaro e de seus apoiadores”, diz o texto que pede a contribuição. A meta é chegar até R$ 5 mil, dos quais R$ 1.110 já haviam sido arrecadados até a noite de ontem.

No caso da campanha mantida por um apoiador de Marina, o objetivo é arrecadar R$ 10.805, dos quais R$ 450 já foram doados. “Com a sua contribuição, iremos alavancar a nossa página do Facebook e iremos reforçar a militância nas redes sociais”, diz o texto que defende a doação para promover a página do Facebook Marina Silva 2018.

IMPULSIONAMENTO À MARGEM

Além da proibição de financiamento coletivo fora dos sites cadastrados, a prática esbarra em outro item da lei eleitoral: só candidatos ou partidos podem pagar para promover posts nas redes sociais. A legislação estabelece que o impulsionamento de conteúdo é permitido desde que “contratado exclusivamente por partidos, coligações e candidatos e seus representantes”. O texto determina as normas a partir de 16 de agosto, data do início oficial da campanha, mas, para o professor de Direito Eleitoral do IbmecRJ Robson Maciel Jr., a prática também não deveria acontecer agora.

— Vejo com muita desconfiança a legalidade desse método de vaquinha para impulsionamento. Isso não está regulado pela legislação eleitoral e pode configurar abuso de poder.

O TSE ainda não analisou nenhum caso específico de financiamento coletivo por meio de sites não autorizados ou de promoção de publicações por pessoas físicas. Ao ser avisado sobre as campanhas no site Vakinha, o Tribunal reforçou que uma “empresa sem cadastro não poderia estar operando a captação de doações para campanhas eleitorais, pois não atende a um dos requisitos da lei”. O TSE informou que, para avaliar o caso concretamente, seria necessária uma representação.

Em maio, o ministro Admar Gonzaga, do TSE, disse ao site “Poder 360” que o impulsionamento configuraria propaganda antecipada. “O grande risco é você antecipar o caixa dois no período préeleitoral. A Justiça Eleitoral tem encontro marcado com essa questão, e creio que será em breve, porque isso já está transbordando no permissível legal. E tem mais: isso pode se converter, se comprovado o uso indevido de recursos, em abuso de poder econômico já no período pré-eleitoral”, disse o ministro.

Para Robson Maciel Jr., a Justiça Eleitoral deixa o cenário indefinido.

— A Justiça Eleitoral tem procurado estabelecer uma relação mais próxima com o Google, Instagram, Facebook, mas a internet é um campo muito vasto — afirma o professor do Ibmec-RJ.

Em nota, Marina Silva destacou que “a vaquinha não está autorizada e nem vinculada à pré-campanha ou à Rede”. A campanha informou que vai mandar uma notificação jurídica para o autor pedindo que a campanha saia do ar. A assessoria de Bolsonaro não retornou o contato. O site Vakinha negou qualquer problema, afirmou que as campanhas mencionadas são destinadas à “militância política” e que têm aval do TSE. O site autorizado pelo TSE, no entanto, é o “Doação Legal”, mantido por uma empresa diferente. As duas firmas têm três sócios em comum.

Perguntas e respostas

– Vaquinhas são permitidas pela legislação eleitoral? Quais são as regras?

– Sim. Desde a reforma eleitoral em 2017, o TSE permite o financiamento coletivo — ou vaquinhas — para que os candidatos recebam doações. As empresas que prestam o serviço devem ser cadastradas pelo TSE. A lei permite outra novidade: a contratação de empresas que forneçam os sistemas de recebimento de doações seja em site, aplicativos ou outros recursos. Basicamente, as regras para as doações eleitorais pela internet são as mesmas que para eleições comuns: podem ser feitas até o dia da eleição, e os candidatos devem emitir um recibo para cada doação recebida, sob pena de serem multados ou terem suas contas rejeitadas. Empresas estão proibidas de doar. Os candidatos poderão usar os valores em propaganda ou para instalar comitês, entre outros gastos de campanha.

– Candidatos podem usar os valores para fazer propaganda nas redes sociais?

– Sim. Assim que receberem os valores, os candidatos poderão investir em propaganda como, por exemplo, publicações patrocinadas nas redes sociais. Recentemente, o Facebook aumentou a transparência para esse tipo de propaganda e permitiu saber quais publicações os presidenciáveis estão pagando para aumentar o alcance.

– Além das vaquinhas, onde mais o candidato pode obter recursos?

– Além dos valores recebidos de pessoas físicas, as siglas farão o rateio de R$ 2,5 bilhões de dinheiro público, divididos entre o fundo partidário e o fundo eleitoral. Esses valores são distribuídos proporcionalmente de acordo com o tamanho das bancadas no Congresso Nacional: quanto maior o partido, mais dinheiro para seus candidatos.

– Quem pode fazer doações às campanhas?

– Desde 2016, apenas pessoas físicas podem fazer doações para candidatos. Após a mudança da lei, essa será a primeira eleição presidencial em que as empresas estarão proibidas de doar.

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Líderes em doações, mas distantes do Palácio do Planalto

Dimitrius Dantas

14/07/2018

 

 

O petista Lula, enquadrado na Lei da Ficha Limpa, e Amoêdo (Novo), que está no grupo da lanterna, somam R$ 644 mil em recursos recebidos pela internet

Os pré-candidatos à Presidência já podem receber doações pela internet há dois meses. Mas, se depender dos números até aqui, as doações não necessariamente refletem um possível desempenho nas urnas. Os dois que mais receberam valores até aqui foram o ex-presidente Lula (R$ 379 mil) e o pré-candidato do Novo, João Amoêdo (R$ 265 mil): o primeiro, preso desde abril, provavelmente nem terá sua foto nas urnas. O segundo fica no bolo que está na lanterna dos levantamentos de intenção de voto.

Os valores que Lula recebeu vieram de 4 mil militantes. Em média, cada um dos apoiadores deu R$ 92 ao petista. A média das doações do presidenciável do Novo é de R$ 128.

Dos outros candidatos, nenhum recebeu acima de R$ 50 mil recebidos. Os valores são uma fração ínfima do teto de gastos imposto pelo Tribunal Superior Eleitoral no primeiro turno, de R$ 70 milhões. No caso dos maiores partidos, boa parte da campanha deve ser bancada por valores dos fundos partidário e eleitoral.

Apesar do ritmo lento, o desempenho indica que os pré-candidatos deverão superar, com facilidade, os números de 2016. Só Lula e Amoedo, somados, já conseguiram, a um pouco menos de três meses da eleição, 25% de tudo o que foi arrecadado pela internet entre os candidatos nas eleições de 2016.

Os dois líderes nas pesquisas no cenário sem Lula, Jair Bolsonaro (PSL) e Marina Silva (Rede), sequer lançaram suas plataformas de doação na internet.

Candidatos por partidos pequenos e com pouca estrutura, tanto Jair Bolsonaro quanto Marina Silva afirmam que tentarão sustentar suas candidaturas com doações. No entanto, nenhum dos dois já está recebendo. A campanha do deputado afirma que o sistema que usará está em fase de implantação. A pré-candidata da Rede já tem um grupo acertado para tocar essa parte de sua campanha, a empresa Bando, que realizou o mesmo trabalho para a campanha de Marcelo Freixo à prefeitura do Rio há dois anos. Em 2014, o financiamento da candidatura do político do Psol conseguiu R$ 1,8 milhão, considerado o maior no Brasil.

Marina deve lançar o sistema nas próximas semanas. A ex-senadora adota como estratégia direcionar os recursos de sua campanha para se diferenciar nas redes sociais: até ontem, a página da ambientalista tinha, no ar, cinco publicações patrocinadas pela pré-campanha.

Candidato que corre atrás de votos para empolgar possíveis aliados, o tucano Geraldo Alckmin já tem uma plataforma preparada em seu site, mas ela ainda não está foi lançada oficialmente, o que deve ocorrer nas próximas semanas. Entre os outros candidatos mais bem posicionados, apenas Ciro Gomes e Álvaro Dias têm vaquinhas funcionando.

O político do PDT usa uma plataforma em sua página, enquanto o senador do Podemos utiliza um serviço terceirizado. Dias conseguiu R$ 18 mil de 115 doadores. Ciro Gomes não publica na página o valor recebido, mas informou à reportagem que já arrecadou R$ 44 mil até aqui.

Candidatos de partidos menores, como Guilherme Boulos, do Psol, e Manuela D'Ávila, PC doB, também têm suas páginas de arrecadação no ar. A précandidata comunista criou uma página para que apoiadores possam ajudar a bancar suas viagens: já amealhou R$ 40 mil. Na página do socialista, o Psol indica que conseguiu R$ 24 mil.

Números

379 MIL

VALOR ARRECADADO POR LULA ATÉ AGORA NA INTERNET 4 mil pessoas doaram para o ex-presidente

265 MIL

VALOR ARRECADADO POR JOÃO AMOÊDO Na média, cada apoiador do pré-candidato doou R$ 128

25%

DO TOTAL ARRECADADO PELA INTERNET EM 2016 Os dois pré-candidatos já recebram um quarto de todos os recursos doados por meio da rede na eleição municipal