O globo, n. 31021, 13/07/2018. Rio, p. 7

 

Educação à míngua

Luiz Ernesto Magalhães

13/07/2018

 

 

Relatório das contas de Crivella revela que 57,4% das escolas estão em condições precárias

O estado precário das escolas da prefeitura também é alvo do relatório do Tribunal de Contas do Município (TCM), que começou a ser votado ontem. Os auditores constataram no ano passado, em pesquisa feita por amostragem em 194 unidades, que 57,4% delas (112) estavam em más condições. Em geral, nesses casos, os técnicos consideram prédios com infiltrações e janelas quebradas ou sem infraestrutura para receber alunos em sala de aula. Mas a aparência feia e a parte física deteriorada não foram os únicos problemas encontrados na rede pública do Rio. O documento ainda chama atenção para o fato de os estudantes estarem perdendo tempo precioso de aprendizado: em 2017, eles tiveram 1.576 tempos sem aula por semana, o que dá, em média, menos 8,2 tempos de aula por escola. A segurança foi outro ponto que não passou pelo crivo. De todas as escolas, apenas uma tinha laudo do Corpo de Bombeiros em dia.

O descaso com a educação é apenas uma das muitas questões levantadas pela análise das contas da prefeitura em 2017 feita pelo TCM. Ontem, numa sessão marcada por discussões entre conselheiros, ficou decidido, por cinco votos a zero, que o prefeito Marcelo Crivella terá 30 dias — e não 15 como havia sido cogitado inicialmente — para responder a todas as dúvidas do tribunal. Como O GLOBO antecipou anteontem, o conselheiro-relator do processo, Nestor Rocha, constatou que o primeiro ano de gestão de Crivella foi marcado por um déficit orçamentário de R$ 1,6 bilhão. Essa é a principal crítica à gestão do prefeito, que não teria adotado medidas para minimizar as dificuldades de caixa provocadas pela queda na arrecadação.

No que diz respeito às escolas, o relatório do TCM identificou que houve uma piora na infraestrutura oferecida a 654,9 mil alunos de 1.537 unidades. Em 2016, durante uma amostragem semelhante, a percepção foi que 42,05% das unidades tinham sinais de precariedade, um percentual abaixo do que foi constatado no ano passado. Recentemente, a prefeitura se viu em meio a uma crise entre o secretário da Casa Civil, Paulo Messina, e o de Educação, Cesar Benjamin. A divergência se dava, justamente, por conta de uma verba de R$ 200 milhões para investimentos, inclusive na reforma de escolas. Benjamin deixou o governo, alegando que os recursos estavam sendo represados por Messina. Já o titular da Casa Civil, que chegou a ficar demissionário, voltou atrás e ganhou força no governo, ao assumir o papel de articulador de Crivella nas negociações junto à Câmara dos Vereadores, onde ontem foi barrado um pedido de impeachment.

O rombo nas contas de 2017 provocou os debates mais acalorados no TCM. Em seu voto, o conselheiro Felipe Puccioni observou que o déficit orçamentário da prefeitura, no ano passado, superou, na verdade, R$ 1,6 bilhão. Ele estimou que o valor ultrapassa os R$ 2,3 bilhões, se forem consideradas as despesas com fornecedores, principalmente na área da saúde, contraídas em anos anteriores, em especial em 2016. Essas dívidas ainda não foram reconhecidas na contabilidade do município. Puccinoni explicou que mais R$ 700 milhões deverão ser somados ao déficit porque, desde 2017, o TCM entende que a administração deve alterar a forma como contabiliza suas despesas, adotando regras previstas na Lei de Responsabilidade Fiscal. Até 2016, o município só reconhecia uma despesa quando ela era paga ao fornecedor. Mas, desde 2017, o tribunal passou a exigir que o valor seja reconhecido no momento em que a despesa é feita.

ISENÇÕES DE IPTU SOB SUSPEITA

Um dos mais duros foi o conselheiro José Moraes. Ele criticou o encontro de Crivella com pastores evangélicos, em que ele prometia facilidades a fiéis, e destacou que o prefeito foi alertado para os problemas orçamentários:

— O prefeito vem sendo alertado. Em um almoço dos conselheiros com ele, se limitou a afirmar que tinha certeza de que Deus iria ajudar a resolver. Não sei se ele termina este mandato.

Também foram suscitadas dúvidas sobre a origem de R$ 18,3 milhões de isenções de IPTU concedidas a título de benefício fiscal em 2017. O relatório mostra também que, com exceção do quinto bimestre (setembro e outubro), houve quebra de receita em todos os demais períodos do ano passado. O pior desempenho foi o do ISS, principal fonte de receitas próprias da prefeitura, que gerou receita de R$ 5,17 bilhões, 80,96% dos R$ 6,39 bilhões previstos. O presidente do TCM, Thiers Montbello, contou que Crivella foi o prefeito que teve os piores resultados nas contas num primeiro ano de gestão desde 1989.

Procurada, a prefeitura não quis se manifestar alegando ainda não ter tido acesso ao relatório.

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Entre manobras e ameaças, impeachment é derrubado

Fábio Teixeira

Selma Schmidt

13/07/2018

 

 

Placar final da votação na Câmara de Vereadores ficou em 29 votos contrários ao processo e 16 a favor

Numa sessão marcada por bate-bocas e denúncias de ameaças e troca de favores, a Câmara de Vereadores rejeitou a abertura de processo de impeachment contra o prefeito Marcelo Crivella. Foram 29 votos contrários e 16 a favor da medida. A oposição aposta agora na criação de CPIs. Muito bate-boca — além de denúncias de ameaça e troca de favores — marcou ontem a sessão na Câmara de Vereadores que livrou o prefeito Marcelo Crivella de um processo de impeachment. Por 29 votos contrários e 16 a favor, o requerimento do vereador Átila Alexandre Nunes (MDB) que pedia a abertura da investigação foi reprovado. As galerias ficaram lotadas: de um lado, a claque em defesa do prefeito; do outro, os grupos do “fora, Crivella”. O clima no plenário ficou tão quente que o vereador e pastor Otoni de Paula (PSC) chegou a rebolar diante do colega David Miranda (PSOL), que é gay. A resposta à ofensa foi imediata: Miranda disse que vai levar o caso à Comissão de Ética da Casa e à Justiça. Outro momento de tensão foi quando a vereadora Rosa Fernandes (MDB), em seu discurso, contou ter recebido uma ameaça por telefone.

— Não quero virar uma nova Marielle — disse ela, referindo-se à vereadora assassinada.

Com uma posição sempre a favor dos governos, Rosa, desta vez, defendeu a abertura do processo para investigar o prefeito. Após a sessão, ela contou que recebeu ontem duas ligações em seu celular. Outro telefonema foi dado para seu gabinete.

— A ligação para o meu gabinete foi entranha, grosseira, intimidando a gente. Os três funcionários que estavam na sala testemunharam. Disseram que iriam quebrar minhas pernas. Mandaram eu ficar ligada, tomar cuidado. Foi horrível. Fiquei mexida. A gente ainda sofre com o que aconteceu com uma colega querida — disse ela.

Quatro vereadores não compareceram à sessão, que durou cerca de quatro horas: Marcelo Siciliano (PHS), Carlos Bolsonaro (PSC), Chiquinho Brazão (Avante) e Verônica Costa (MDB). Antes mesmo de a votação começar, a oposição já esperava a derrota. Autor do pedido de afastamento, Átila Nunes provocou vereadores que mudaram de lado:

— É só olhar o Diário Oficial e ver as nomeações que ocorreram nos últimos dias.

Mas não faltou ainda quem lembrasse que o Estado é laico e que Crivella não pode privilegiar um segmento religioso.

— Diante de tantas crises, financeira, de gestão, só falta o prefeito criar um conflito religioso, colocando evangélicos contra outras religiões — disparou Fernando William (PDT).

Já o líder do governo, Doutor Jairinho (MDB) tratou como um golpe a denúncia de que o prefeito estaria favorecendo pastores:

— Vamos tomar vergonha. Isso é uma falta de respeito com a democracia.

Do lado de dentro e de fora, o clima era de guerra entre as claques contra e a favor do impeachment. Em uma galeria, apoiadores de Crivella usavam camisetas brancas com a pergunta: “Vai ter luta?”. Nas costas, estava escrito “sim”. Em outra galeria, a oposição estampava faixas com “Fora, Crivella”.

Na rua, houve confusão nas escadarias da Câmara. Com carro de som, o Sindicato dos Professores discursou contra o prefeito, irritando manifestantes pró-Crivella, que só estavam com uma caixa de som portátil.

CRIVELLA VAI ÀS REDES E PEDE UNIÃO

Agora, a oposição aposta todas as fichas em CPIs e no inquérito do Ministério Público estadual sobre a reunião secreta da semana passada, no Palácio da Cidade. Mas Teresa Bergher (PSDB) ainda precisa de uma assinatura para conseguir as 17 necessárias para a CPI da Márcia, nome da assessora do prefeito citada no encontro que facilitaria atendimento de saúde para evangélicos. A bancada do PSOL também depende de uma assinatura para protocolar duas outras CPIs: a da fila do Sisreg e a da isenção de IPTU para templos.

— O caminho são as CPIs e o MP — ressaltou o vereador Átila Nunes.

— Não há outra saída. Vamos conseguir as assinaturas — assegurava Tarcísio Motta (PSOL).

Pelo Twitter, o prefeito agradeceu a Deus e, acusado de desrespeitar a laicidade do Estado em prol de evangélicos, assegurou que governa para todos. “Quero agradecer a Deus e também aos vereadores da base, que com muita firmeza rejeitaram o pedido que não tinha nenhuma base jurídica (...). Não esmoreceremos, seguiremos firmes no propósito de governar para todos”.

Teresa Bergher, a favor do processo de impeachment, criticou o fato de o vereador Professor Adalmir, de seu partido, ter mudado de opinião e decidido votar em favor do prefeito. Ela lembrou que Adalmir assinou a proposição que permitiu a realização da sessão para decidir sobre o processo de impeachment. No final, votou contra.

— É estranho essa mudança de posição — endossou o vereador Paulo Pinheiro (PSOL).

COMO OS VEREADORES VOTARAM

A FAVOR: Babá (PSOL); Cesar Maia (DEM); David Miranda (PSOL); Fernando William (PDT); Leandro Lyra (Novo); Leonel Brizola (PSOL); Luciana Novaes (PT); Paulo Pinheiro (PSOL); Rafael Aloisio Freitas (MDB); Reimont (PT); Renato Cinco (PSOL); Rosa Fernandes (MDB); Tarcísio Motta (PSOL); Teresa Bergher (PSDB); Ulisses Marins (PMN); Zico (PTB).

CONTRA: Alexandre Isquierdo (DEM); Carlo Caiado (DEM); Cláudio Castro (PSC); Daniel Martins (PDT); Carlos Eduardo (SD); Doutor Jairinho (MDB); Jorge Manaia (SD); Eliseu Kessler (PSD); Felipe Michel (PSDB); Inaldo Silva (PRB); Italo Ciba (Avante); Jair da Mendes Gomes (PMN); Jones Moura (PSD); Junior da Lucinha (MDB); Luiz Carlos Ramos Filho (Podemos); Marcelino D’Almeida (PP); Marcelo Arar (PTB); Otoni de Paula (PSC); Professor Célio Lupparelli (DEM); Professor Adalmir (PSDB); Rocal (PTB); Tânia Bastos (PRB); Thiago K. Ribeiro (MDB); Tiãozinho do Jacaré (PRB); Val Ceasa (Patriotas); Vera Lins (PP); Welington Dias (PRTB); Willian Coelho (MDB); e Zico Bacana (PHS).

AUSENTES: Carlos Bolsonaro (PSC); Chiquinho Brazão (Avante); Marcello Siciliano (PHS); e Veronica Costa (MDB).

NÃO VOTARAM: Jorge Felippe (MDB), por ser presidente da Câmara, e Átila Nunes (MDB), por ser autor do requerimento.