Correio braziliense, n. 20166, 07/08/2018. Política, p. 3

 

Com receio de inelegibilidade, defesa de Lula desiste de ação

Bernardo Bittar e Renato Souza

07/08/2018

 

 

Preocupado em evitar ao máximo a discussão sobre a elegibilidade, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) concordou em voltar atrás com o pedido de soltura que tramitava no Supremo Tribunal Federal (STF). A defesa do petista acredita que, ao analisar o processo, os ministros antecipariam a discussão sobre a validade de candidatura dele ao Planalto. Com base nesta avaliação, e no aval do petista, os advogados decidiram protocolar um pedido de desistência do habeas corpus que corria no Supremo e pretendia colocá-lo em liberdade até que o caso fosse analisado pelos tribunais superiores.

A ação seria distribuída nas próximas semanas, o que o partido quer evitar, já que o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) tem até 17 de setembro para analisar a validade da candidatura dele. É quando termina o prazo para as análises dos pedidos de registros de candidatos a presidente e vice-presidente da República, inclusive os impugnados.

O PT tenta encontrar uma maneira de fazer com que a foto do ex-presidente vá para as urnas ainda que ele esteja inelegível. O Plano B é o ex-prefeito de São Paulo Fernando Haddad confirmado no último domingo como vice e visto nos bastidores como o candidato de fato. No lugar dele entraria Manuela D’Ávila (PCdoB). A chapa encabeçada pelos petistas terá o segundo maior tempo de rádio e tevê, quase 20% do total. Eles ficam atrás apenas de Geraldo Alckmin (PSDB), que tem pouco mais da metade.

Como a legislação do TSE prevê a nulidade dos votos para as candidaturas impugnadas ou sem registros (leia quadro), a solução seria dar a vaga de presidente para Haddad e colocar Manuela como vice. “Essa história de foto realmente acontecia até as últimas eleições. Era permitido mudar o nome do candidato até 24 horas antes do pleito. Aí, sim, você votava em João, mas a foto que aparecia era a de José. Com as mudanças na legislação, não é mais permitido casos assim. Se o Lula desistir de concorrer e colocar o Haddad no lugar dele, o eleitor ficará sabendo disso. Não vai ter confusão”, explicou Francisco Emerenciano, do escritório Emerenciano Palomo & Advogados.

Negativa

A defesa de Lula teve o pedido para que ele possa participar do primeiro debate dos presidenciáveis, depois de amanhã na televisão, negado. Segundo a juíza Bianca Georgia Cruz Arenhart o tipo de recurso apresentado pelo partido, um agravo de execução penal, só pode ser usado para questões relacionadas à execução da pena, o que não seria o caso.

O que diz a Lei

» Nas eleições majoritárias, serão nulos:

» Votos dados a candidatos inelegíveis ou não registrados

» Votos dados a candidatos com o registro indeferido, ainda que ele esteja pendente de apreciação

» Votos dados a candidatos com Demonstrativo de Regularidade de Atos Partidários indeferido

» Votos dados a candidatos cujo registro tenha sido deferido e, depois, cassado

» Votos dados a candidatos deferidos cuja chapa tenha sido indeferida, mesmo com recurso pendente

*Fonte: Tribunal Superior Eleitoral (TSE)

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Debate urgente, pede Mendes

07/08/2018

 

 

O ministro Gilmar Mendes, do Supremo Tribunal FederaL, avalia que no momento não está colocada para análise da Suprema Corte a possibilidade de o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva candidatar-se à Presidência da República. Segundo ele, esse tema deve ser discutido no Tribunal Superior Eleitoral (TSE), sem demora.

“Não houve ainda pauta sobre o assunto, de modo que eu não estou aguardando que a presidente coloque isso nos próximos dias. A mim me parece que a questão vai se resolver inicialmente no âmbito do próprio TSE, e depois se for o caso no outro momento vamos nos debruçar sobre esta questão do pedido de relaxamento de prisão”, disse Gilmar Mendes.

Mendes lembrou que um recurso de Lula, que está no gabinete do ministro Edson Fachin, ainda não foi liberado para pauta e que, portanto, não sabe exatamente qual é o pedido dele que será analisado pelo plenário. O tema, no entanto, na visão de Gilmar Mendes, é a liberdade, e não a elegibilidade.

Relaxamento

“O relator afetou ao plenário, mas a questão básica é do relaxamento de prisão. Se discute a questão da segunda instância, mas isso já foi debatido num caso específico, no próprio HC. O que se poderia em tese, é o que ele busca, é dar efeito suspensivo para suspender o próprio acórdão, mas isso em parte o tribunal sobre ele já deliberou. Não me parece que isso se esteja se cogitando na atual circunstância, de modo que não me parece que seja, em princípio, o lócus para essa discussão sobre a inelegibilidade”, disse Gilmar Mendes.

O relator da Lava-Jato no STF, Edson Fachin, disse na semana passada que o ideal é a Suprema Corte analisar o pedido de Lula antes do dia 15, data de registro de candidaturas no TSE. Após Fachin indicar que liberaria o caso para julgamento, a ministra Cármen Lúcia sinalizou que pautará com urgência quando isso ocorrer. Fachin ainda espera a resposta da defesa do petista, que deve esclarecer se quer ou não que a Corte discuta sobre a questão eleitoral neste processo. Os advogados tentam evitar que o debate seja travado agora no STF.

Questionado sobre se o TSE deve decidir a questão da elegibilidade com celeridade, Mendes disse que sim. “Acho que esse é um esforço que a Justiça Eleitoral faz para evitar todo aquele drama que vocês conhecem, temos aqui antecedentes, aqui no próprio DF tivemos o caso do Joaquim Roriz (ex-governador do Distrito Federal), que por conta de indefinição tivemos a foto indo para a urna, há todo um esforço neste sentido de definição”, comentou o ministro.

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Começa o jogo

Luiz Carlos Azedo

07/08/2018

 

 

Num quadro muito fragmentado, com 35 partidos e 13 candidatos, a disputa pela Presidência da República, no primeiro turno, se dará no máximo entre meia dúzia de pretendentes. Na largada, os favoritos são Jair Bolsonaro (PSL) e Marina Silva (Rede), que têm demonstrado grande resiliência, mas esse quadro pode se alterar profundamente quando a campanha de rádio e tevê começar, devido ao grande tempo de televisão de Geraldo Alckmin (PSDB) e Fernando Haddad (PT), já escalado para substituir o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, de quem é vice na chapa aprovada em convenção.

As candidaturas de Ciro Gomes (PDT) e Álvaro Dias (Podemos) despontam no Nordeste e no Sul do país, respectivamente, com certa resiliência. Henrique Meirelles (MDB), que dispõe de muitos recursos e tempo de televisão, é uma incógnita, por causa da traição anunciada dos caciques de seu partido, tanto quanto o candidato do Psol, Guilherme Boulos, um Durango Kid na campanha. Ambos têm menos de 1%. Qualquer previsão do que pode acontecer antes de a campanha eleitoral começar nos meios de comunicação de massa é chute. Nas redes sociais, por enquanto, Bolsonaro e Marina estão em vantagem estratégica devido aos militantes que mobilizam.

Uma das variáveis a ser conferida é o peso de Lula na campanha de Haddad. Sua indicação imediata como vice não estava nos planos do ex-presidente, cujo nome foi homologado na convenção petista. Mas os advogados da legenda advertiram que, sem o vice, o PT poderia simplesmente ficar fora eleição, pois o ex-presidente está inelegível e sua candidatura será impugnada. Ex-ministro da Educação e ex-prefeito de São Paulo que perdeu a reeleição, Haddad é o coordenador do programa de governo e o “poste” ungido por Lula para substituí-lo no pleito.

O PT quer transformar duas derrotas políticas históricas, o impeachment de Dilma Rousseff e a prisão de Lula, numa vitória eleitoral inolvidável: a volta ao poder. Não é uma proeza fácil, uma vez que as narrativas do golpe e de vitimização do líder petista nunca empolgaram a maioria da população e colidem com as instituições democráticas do país. Entretanto, serviram para manter a militância coesa, segurar uma parcela expressiva da base eleitoral e mobilizar a solidariedade internacional.

Isso talvez leve Haddad ao segundo turno. Mas ainda é apenas um “talvez”. Para que ocorra, é preciso que o espólio eleitoral de Lula não se disperse entre outros candidatos, principalmente Marina, Ciro e o próprio Boulos, que sempre foi muito ligado a Lula em São Paulo. Manuela D’Ávila (PCdoB), como nos antigos casamentos arranjados, já estava prometida a Haddad. Deve renunciar à candidatura para ser vice na chapa petista após a impugnação de Lula.

Frente

Outra incógnita é a pegada eleitoral do tucano Geraldo Alckmin. Montou-se em torno dele uma ampla frente de hegemonia liberal conservadora, com quase metade do tempo de televisão da campanha e muitos recursos financeiros. O candidato do PSDB tem capacidade de vencer as eleições no Brasil meridional, como em outras eleições, mas pouca aderência no Nordeste. Toda a estratégia tucana foi montada para enfrentar Haddad no segundo turno, ou seja, deslocar da disputa os líderes Bolsonaro e Marina.

Caso a campanha eleitoral seja predominantemente analógica, esse cenário faz sentido. Mas vivemos um ambiente político no qual a sociedade se descolou das estruturas partidárias e a imagem dos políticos tradicionais está muito desgastada. Como Haddad, Alckmin é um sobrevivente. O PSDB está quase tão contaminado quanto o PT pelas denúncias de corrupção da Operação Lava-Jato. Na verdade, uma onda de insatisfação com os políticos, os partidos e a própria política varre o processo eleitoral.

A reforma eleitoral foi feita parta salvar os grandes partidos e seus quadros principais de uma catástrofe, como se fosse um grande quebra-mar. Mas a grande onda de insatisfação popular pode saltar o enrocamento e chegar à praia com violência. Essa é mais ou menos a imagem da eleição. Se isso acontecer, Alckmin terá que furar a onda para não levar um caixote. A mesma coisa vale para Haddad.

Ao contrário, porém, Bolsonaro e Marina se posicionaram para surfar a onda. Pode ser que caiam da prancha, mas isso somente saberemos quando o cenário atual se modificar. Ciro Gomes e Álvaro Dias também são surfistas. Políticos experientes, estão acostumados a bater sem piedade nos adversários, embora com sotaque diferente. Ciro mira os eleitores de Haddad; Dias, o de Alckmin. São dois buldogues mordendo os calcanhares do petista e do tucano.

Resta Meirelles. O candidato do MDB acredita que pode enfrentar a onda como um salva-vidas de surfistas, isto é, montado num jet ski. O ex-ministro da Fazenda não pode ser atacado pelos petistas porque foi da equipe de Lula; seu legado no governo Temer, porém, é contraditório. Seu ponto forte: venceu a recessão e a inflação; o fraco: não reduziu o déficit fiscal nem o desemprego em massa. Sua campanha será um termômetro do peso da campanha de rádio e tevê nas eleições.