Correio braziliense, n. 20166, 07/08/2018. Mundo, p. 13

 

Perseguição implacável

Rodrigo Craveiro

07/08/2018

 

 

VENEZUELA » Autoridades anunciam avanços nas investigações sobre a suposta tentativa de "magnicídio" contra o presidente Nicolás Maduro e avisam que "não deve haver perdão". Especialistas e opositores colocam o atentado sob suspeita e temem repressão

A cúpula do regime venezuelano garante ter detido os operadores dos dois drones que teriam sido usados para tentar matar o presidente Nicolás Maduro (veja arte), no último sábado, durante homenagem ao 81º aniversário da Guarda Nacional Bolivariana (GNB), no centro de Caracas. As autoridades qualificaram o incidente de “magnicídio” — assassinato de um “grande homem” ou “pessoa ilustre” —, culparam os governos dos EUA e da Colômbia e anunciaram que as investigações estão bastante adiantadas.

“Nós identificamos os lugares a partir de onde operaram os drones. Foram detidas em flagrante duas pessoas que operavam um dos aparelhos de dentro de um carro, especificamente o que se explodiu contra o edifício Don Eduardo. Estabelecemos o local em que os autores se hospedararam em dias anteriores ao fato, identificamos os responsáveis pelos explosivos e as conexões internacionais”, afirmou o procurador venezuelano, Tarek William Saab. Ele prometeu que “vai perseguir, no âmbito da lei, quem conspirar contra a paz”. “Que este fato sirva para extirpar de uma vez por todas qualquer tentativa violenta de atentar contra a paz”, advertiu.

Segundo o jornal espanhol El País, as suspeitas recaem sobre simpatizantes de Óscar Pérez, piloto que sequestrou um helicóptero e lançou granadas contra o prédio do Tribunal Superior de Justiça (TSJ), em 27 de junho de 2017. Pérez morreu durante uma operação policial em 15 de janeiro passado. Na véspera de entregar o cargo a Iván Duque, o presidente colombiano, Juan Manuel Santos, classificou de “insólita” a acusação do Palácio de Miraflores de que teria envolvimento no suposto atentado. “Ontem, descobri que há outra (acusação) ainda mais insólita: a de que estou com a Inteligência americana, com a direita venezuelana, armando complôs para assassinar o presidente da Venezuela. Por Deus!”, ironizou, ao explicar que fazia algo mais importante no dia — estava no batizado da neta.

Solidariedade

Com a presença de Diosdado Cabello, presidente da Assembleia Nacional Constituinte, milicianos e ativistas do Partido Socialista Unido da Venezuela (PSUV) participaram de ato em apoio a Maduro, às portas de Miraflores. “A direita passou da conta. O que eles fizeram no sábado não tem dimensão na história política do país. Todo aquele que estiver implicado deverá pagar. Não deve haver perdão”, declarou Cabello. Ele assegurou que “há detidos e estão falando de muitas coisas, de muitos nomes, de financistas, de lugares”. “Estão dizendo como conseguiram os explosivos, onde foram treinados, como obtiveram o financiamento, quem pagou os hotéis, quais carros usaram, em que locais retiraram os drones.”

Os discursos do chavismo indicam a provável intensificação da perseguição a opositores. “Nós veremos uma repressão mais crua para tratar de distrair a atenção e ensaiar outros episódios de suposto magnicídio. Na Venezuela, ocorre uma intensa caçada contra líderes que são um estorvo para Maduro”, afirmou ao Correio, por telefone, Antonio Ledezma, ex-prefeito de Caracas, que foi preso e obrigado a fugir para Madri, onde se exilou. “A oposição deseja que Maduro deixe o poder. Nós tentamos a via cívica, mas foi ele quem a truncou. Quisemos ativar um referendo revogatório, e Maduro frustrou tal aspiração. Ele desprestigiou a mesa de diálogo que instauramos. Queremos expulsá-lo pela força institucional, com um tribunal no exílio, a Assembleia Nacional e a Forças Armadas. Principalmente, com a força do povo mobilizado, dentro e fora da Venezuela.” Professor de ciência política da Universidade  Simón Bolívar, José Vicente Carrasquero Aumaitre alerta que  Maduro aproveitará para se apresentar como vítima de uma conspiração internaiconal. “Uma classe política que chega ao poder por meio de ações violentas abre, em sua atuação, espaços para retaliações.”

Para o analista político Eugenio G. Martínez, as versões do Executivo são inconsistentes. “Cada ministro dá uma versão distinta. Falta uma explicação sobre o motivo pelo qual a homenagem à GNB ocorreu na Avenida Bolívar, e não no Forte Tiúna, como rege a tradição. Se foi uma tentativa de magnicídio, é preciso ver se ela partiu de dentro ou de fora do chavismo”, disse. Ele aposta que o incidente dará a Maduro argumentos para iniciar uma “limpeza”. “Há um mal-estar dentro das Forças Armadas. Um setor importante da caserna vê Maduro como um problema para a revolução.”

Inflação astronômica

A inflação na Venezuela foi de 125% em julho passado, o que aumentou o índice acumulado em 12 meses para 82.766%, de acordo com um informe do Parlamento, de maioria opositora, publicado ontem. Durante o mês passado, o país registrou uma taxa de inflação diária de 2,7%. O deputado José Guerra, membro da Comissão de Finanças do Legislativo, afirmou que na Venezuela “os preços se duplicam a cada 26 dias”. “A hiperinflação continua seu curso destrutivo (...). O socialismo arruinou a Venezuela”, escreveu Guerra em sua conta do Twitter.” De acordo com o Fundo Monetário Internacional (FMI), a hiperinflação na Venezuela pode  superar 1.000.000% neste ano.

Eu acho...

“Maduro acusou a ultradireita pelo colapso da economia e da indústria petroleira. Essa é a maneira de ele se esquivar dos problemas que afligem o país. Muita gente vê o incidente de sábado como um teatro. Os militares tentaram proteger o presidente agiram com extrema lentidão e não resguardaram a primeira-dama, Cilia Flores. Os outros oficiais não se moveram. O que não se adequa a esse teatro foi a debandada, o pavor dos efetivos da Guarda Nacional Bolivariana (GNB), que saíram da  posição de fila, correndo, sem saber o que estava ocorrendo.”

Diego Arría, ex-governador de Caracas, diplomata e ex-candidato à Presidência da Venezuela