O globo, n. 31019, 11/07/2018. País, p. 6

 

STJ nega habeas corpus a Lula e critica Favreto

André de Souza

11/07/2018

 

 

Para presidente da Corte, decisão de soltar o ex-presidente no domingo causou ‘perplexidade’ e ‘situação esdrúxula’

Ao negar ontem um dos vários habeas corpus apresentados por cidadãos comuns em nome do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, a presidente do Superior Tribunal de Justiça (STJ), ministra Laurita Vaz, fez mais do que mantê-lo na prisão. Ela também endossou as ações do juiz Sergio Moro, contrário à liberdade de Lula, e criticou duramente o desembargador plantonista Rogério Favreto, do Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF-4), que, no domingo, mandou soltar o ex-presidente petista três vezes.

Para Laurita, Favreto não tinha autoridade para libertar Lula. Segundo ela, o desembargador plantonista causou “perplexidade” e “intolerável insegurança jurídica”. Teria ocorrido um “tumulto processual, sem precedentes na história do direito brasileiro”. Lula só não foi solto no domingo em razão de despachos e decisões posteriores de autoria de outros magistrados.

Laurita disse ainda que Sergio Moro, responsável pelo primeiro despacho que evitou a libertação de Lula, fez o correto. Segundo ela, “diante dessa esdrúxula situação processual”, Moro agiu com “oportuna precaução” e consultou o presidente do TRF-4, desembargador Thompson Flores, sobre o que deveria ser feito. Foi Thompson que deu a última decisão no domingo, mantendo Lula preso.

Entre outras argumentos, Favreto lembrou em sua decisão que o processo eleitoral exige equidade entre os pré-candidatos a presidente da República. Dessa forma, a prisão estaria causando prejuízos a Lula. Também destacou que não houve ainda o esgotamento de todos os recursos contra a condenação, assim ele ainda “possui em sua integralidade todos os direitos políticos, sendo vedada a sua cassação”. Laurita chamou essa decisão de “inusitada e teratológica”, ou seja, absurda, uma vez que está em “flagrante desrespeito” a decisões já tomadas pelo TRF-4, pelo STJ e pelo Supremo Tribunal Federal (STF).

“É óbvio e ululante que o mero anúncio de intenção de réu preso de ser candidato a cargo público não tem o condão de reabrir a discussão acerca da legalidade do encarceramento, mormente quando, como no caso, a questão já foi examinada e decidida em todas as instâncias do Poder Judiciário”, destacou a presidente do STJ. Laurita acrescentou: “No mais, reafirmo a absoluta incompetência do Juízo Plantonista para deliberar sobre questão já decidida por este Superior Tribunal de Justiça e pelo Supremo.”

SEM DECISÃO SOBRE PROTOCOLO PARA PF

Favreto determinou a soltura de Lula no domingo. Sergio Moro, que fez a ordem de prisão do ex-presidente, foi contra e consultou o presidente do TRF-4 e também o relator do caso no tribunal, desembargador João Pedro Gebran Neto. Ele manteve a prisão. Favreto, depois, ordenou novamente que o ex-presidente Lula deveria ficar livre. O presidente do TRF-4, Thompson Flores, determinou depois que a decisão de Gebran deveria prevalecer. E assim Lula permaneceu preso.

Na noite de domingo, o procuradorgeral da República em exercício, Humberto Jacques de Medeiros, também pediu que o STJ proibisse a Polícia Federal de executar qualquer decisão sobre a liberdade do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva que não tenha passado pelo próprio STJ. Nesse caso, ainda não houve decisão da ministra Laurita Vaz. Mas, no habeas corpus, ela já adiantou parte de seu posicionamento. Não chegou a dizer explicitamente que cabe apenas ao STJ deliberar sobre o assunto, mas afastou a possibilidade de o desembargador plantonista tomar uma decisão.

CNJ VAI APURAR CONDUTAS DE JUÍZES

Como o habeas corpus não foi apresentado pela defesa de Lula, ela também mandou intimar seus advogados para que possam dizer se têm interesse em manter o processo. O relator da LavaJato na Corte é o ministro Felix Fischer, mas como o STJ está de recesso, coube à presidente da Corte tomar uma decisão sobre esse caso.

Também ontem, o ministro João Otávio de Noronha, da Corregedoria Nacional de Justiça, órgão ligado ao Conselho Nacional de Justiça (CNJ), determinou abertura de procedimentos para apurar as condutas de Favreto, Gebran e Moro no caso.

Desde domingo, foram protocoladas oito representações no CNJ contra Favreto, uma contra Moro, e outra contra Moro e Gebran. A partir disso, será avaliada a necessidade ou não de aplicar sanções administrativas aos três magistrados.

Favreto foi filiado ao PT de 1991 a 2010, e foi nomeado ao cargo pela expresidente Dilma Rousseff, em 2011. Entre os autores das representações contra ele estão o senador José Medeiros (Podemos-MT), os deputados Carlos Henrique Sampaio (PSDB-SP) e Laerte Bessa (PR-DF), e o Partido Novo. Há também ações movidas pela ex-procuradora do Distrito Federal Beatriz Kicis e pelo teólogo Mariel Marra.

Já a representação contra Moro e Gebran foi apresentada pelo estudante Benedito Silva, morador de Rolândia (PR). Segundo Benedito, as ações que permitiram a continuidade da prisão de Lula seguiram uma “tramitação relâmpago e inexplicável”.

No processo aberto para investigar o triplex do Guarujá (SP), Moro condenou Lula a nove anos e seis meses de prisão pelos crimes de corrupção passiva e lavagem de dinheiro.

“É óbvio e ululante que o mero anúncio de intenção de réu preso de ser candidato não tem o condão de reabrir a discussão acerca da legalidade do encarceramento”

“Reafirmo a incompetência do Juízo Plantonista para deliberar sobre questão já decidida por este Superior Tribunal de Justiça e STF”

Laurita Vaz

Presidente do STJ

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Polícia Federal vai investigar ameaças feitas contra Moro na internet

Jailton de Carvalho

André de Souza

11/07/2018

 

 

Mensagens contra juiz da Lava-Jato provocam reações de juiz e entidades

Após o embate jurídico em torno do pedido de liberdade do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, a Polícia Federal (PF) vai investigar novas ameaças feitas contra o juiz federal Sergio Moro, responsável pela Operação Lava-Jato em Curitiba. A apuração se dará por meio de um inquérito que já estava em andamento.

Foi Moro quem condenou Lula a nove anos e seis meses de prisão pelos crimes de corrupção passiva e lavagem de dinheiro. Posteriormente, o Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF-4) elevou a pena para 12 anos e um mês. Em abril, Lula foi preso e levado a Curitiba, onde cumpre pena na superintendência da PF.

Em sua conta no Twitter, o juiz federal Marcelo Bretas, responsável pelos desdobramentos da Lava-Jato no Rio de Janeiro, reproduziu oito postagens de internautas dizendo que seria preciso matar Moro. “O que dizer sobre essas mensagens abaixo? A Justiça Brasileira não pode ser usada como instrumento de disputas políticas. Ao contrário, deve ser incondicionalmente RESPEITADA”, escreveu Bretas.

“PF NÃO TEM COR E PARTIDO”

Em nota publicada ontem, sem citar nomes, a Associação dos Juízes Federais do Brasil (Ajufe), defendeu “a necessidade de respeito à independência judicial dos magistrados que atuam em processos que envolvem ações de combate à corrupção”.

“É inadmissível que magistrados, no exercício das funções constitucionais, sejam alvos de ataques pessoais, provenientes de figuras públicas ou de dirigentes de partidos políticos. Atitudes como essa refletem uma visão autoritária e atentam contra o Estado Democrático de Direito”, diz a nota, assinada pelo presidente da entidade, Fernando Mendes.

Em outro trecho, a Ajufe destacou que não há razão para “se estranhar decisões que condenem e prendam pessoas consideradas culpadas, após o devido processo legal, independentemente do poder ou condição econômica e social”. Isso é uma “obrigação imposta pelo princípio da igualdade de todos perante a lei”, diz a Ajufe.

O Sindicato dos Delegados da Polícia Federal do Estado de São Paulo (Sindpf-SP) também se pronunciou ontem sobre o caso de Lula. Em nota, a organização apoiou os policiais federais que estavam de plantão em Curitiba no domingo “pela cautela e prudência na atuação quando do recebimento de alvará de soltura” de Lula.

Segundo o texto, a PF “não tem cor, nem partido e exerce seu papel constitucional com equilíbrio, moderação e responsabilidade”.

No último domingo, o desembargador plantonista do TRF-4 Rogério Favreto determinou a soltura de Lula. Moro foi contra e, pouco depois, o relator do caso no TRF-4, desembargador João Pedro Gebran Neto, determinou a continuidade da prisão. Mas Favreto deu nova decisão pela liberdade. Em seguida, a pedido do Ministério Público Federal (MPF), o presidente do TRF-4, desembargador Thompson Flores, determinou que valeria a decisão de Gebran, e não a de Rogério Favreto.

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Bill, Steve e o telefone vermelho

Mateus Coutinho

11/07/2018

 

 

LIGAÇÕES PERIGOSAS - PF investiga conversas em celular apreendido e que podem ser entre Joesley e Mantega

Dois celulares registrados em nome de uma suposta funcionária da JBS, empresa do Grupo J&F, estão no centro de uma nova frente de investigação da Polícia Federal sobre traficâncias cometidas por Joesley Batista no governo da ex-presidente Dilma Rousseff. Os números entraram na mira dos investigadores depois de o aparelho Blackberry usado por Joesley ter sido periciado.

No aplicativo de mensagens do celular, foi encontrada uma série de diálogos cifrados de Joesley com um contato do Ministério da Fazenda. O dono da J&F usava o codinome “Bill”. Já seu interlocutor atendia pela alcunha de “Steve”. Ambos usavam linhas ativadas pela JBS no mesmo dia: 17 de janeiro de 2011. Todas as conversas ocorreram no primeiro semestre de mandato de Dilma. Relatório de 27 páginas da Polícia Federal, obtido pelo GLOBO, revela que Bill costumava acionar Steve para tratar de interesses bilionários no Ministério da Fazenda e, eventualmente, pedir audiência com a “presidenta”. Pela complexidade dos pedidos de Bill, a PF investiga se Steve seria o próprio comandante da Fazenda à época, o hoje ex-ministro Guido Mantega.

“Embora não se possa afirmar de forma categórica quem de fato seja o referido interlocutor, o confronto do conteúdo das referidas mensagens somado ao contexto e época em que ocorreram com os anexos da colaboração premiada de Joesley evidencia a existência de uma forte correlação entre a deste com o quanto narrado pelo delator em relação ao então ministro da Fazenda à época, Guido Mantega”, escreve o investigador da PF na conclusão do relatório, que foi incluído no inquérito de Joesley na Justiça.

Os assuntos tratados entre Bill e Steve foram narrados por Joesley em sua delação sobre Mantega. Os pedidos são relacionados a empréstimos do BNDES, audiências com próceres do PT, como o então governador do Rio Grande do Sul, Tarso Genro, e negócios de interesse da J&F. Em uma mensagem do dia 22 de fevereiro, por exemplo, fica evidente, pela natureza incomum do pedido de Bill a Steve, que o interlocutor do dono da J&F seria uma autoridade da área econômica do governo: “Falei com BB. Ele garantiu R$ 1 bi. Será que a Caixa não arruma mais R$ 1 bi para viabilizar o deal (acordo em inglês) com o Matone?”, questiona Joesley. A resposta de Steve ao pedido biatuação lionário de Bill vem no dia seguinte: “Vou tentar”.

Em março de 2011, Bill conversa com Steve sobre a negociação envolvendo a compra do banco gaúcho Matone. Em 14 de março daquele ano, a J&F anunciou a compra do banco. O governador gaúcho era Tarso Genro. Na conversa, 12 dias antes do anúncio da operação, Bill pede uma reunião com Steve.

“Estarei em BSB (Brasília) terça à noite, e quarta o dia todo. Tem como falar com você? Matone vai dar certo essa semana!”, afirma Bill. “Quarta no final da manhã”, responde Steve. “No ministério? Estarei amanhã meio-dia no BC (Banco Central) falando sobre o Matone. E preciso falar com Tarso Genro pois o Matone eh do Rio Grande do Sul. Será que você me ajuda a marcar na quinta-feira?”, pergunta Bill. “Você quer falar com o TG? Precisa de permissão do Estado? Posso falar com ele amanhã”, responde Steve. “Não, é que o Banrisul é importante financiador do Matone. Então, gostaria do comprometimento dele. Amanhã vou te ver?”, pergunta Bill. Steve não responde sobre a reunião, mas se manifesta quando Bill fala em números: “E amanhã, 50, ou 80??!!! (sic)”, escreve Bill. “Sim. Primeira op”, responde. Em 26 de fevereiro, “Bill” mandou uma mensagem a Steve pedindo um encontro com a “presidenta”, outro indicativo de que o interlocutor Steve tinha trânsito nos altos cargos do governo.

Procurado, o advogado do ex-ministro, Fabio Tofic, disse, em relação ao relatório, que “não configura boa prática investigativa usar meros achismos como se fossem conclusões”. Tarso Genro disse que não conhece Joesley. O Banco do Brasil e a Caixa negaram irregularidades.