O globo, n. 31018, 10/07/2018. País, p. 3

 

Antídoto para o plantão

Mateus Coutinho

Luís Lima

10/07/2018

 

 

Procurador-geral em exercício pede que qualquer decisão sobre soltura de Lula passe pelo STJ

Em meio ao embate de decisões sobre a soltura ou não do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, o procurador-geral da República em exercício, Humberto Jacques de Medeiros, buscou uma nova regra para tentar evitar o vaivém envolvendo o petista no último domingo. Em parecer encaminhado ao Superior Tribunal de Justiça (STJ), ele pediu à presidente da Corte, ministra Laurita Vaz, que determine à Polícia Federal a não execução de decisões sobre a liberdade de Lula que não tenham passado antes pelo STJ. Medeiros é viceprocurador-geral Eleitoral e assumiu o posto de Raquel Dodge durante as férias dela.

Para Medeiros, como a prisão de Lula foi determinada pela 8ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF-4), não caberia habeas corpus em sentido contrário assinado por um desembargador da própria corte. A prerrogativa seria do STJ, instância superior.

“Nestes termos, o desembargador federal plantonista não possui atribuição para expedir ordem liminar em habeas corpus contra decisão colegiada da própria corte, eis que a competência para esse tipo de impugnação é do Superior Tribunal de Justiça”, afirmou o procuradorgeral em exercício na manifestação encaminhada à presidente do STJ.

Ainda segundo o procurador-geral em exercício, não é cabível a impugnação da decisão que mandou prender Lula “em habeas corpus contra o juízo de primeiro grau, que é mero executor de determinação do Tribunal Regional Federal da 4ª Região”.

DODGE FAZ ALERTA

O TRF-4 manteve, no domingo, a prisão do ex-presidente após as decisões conflitantes do desembargador Rogério Favreto, que estava de plantão, e do relator do processo, João Pedro Gebran Neto, que se manifestou após o juiz Sergio Moro avisar a PF que a ordem de soltura não deveria ser cumprida.

Em nota divulgada ontem, a ProcuradoriaGeral da República informou que todos os desdobramentos do habeas corpus de Lula “foram acompanhados pela procuradora-geral da República, Raquel Dodge, que manifestou preocupação em relação a medidas que possam colocar em risco a segurança jurídica e a legislação processual vigente, que define com clareza a competência judicial”.

“O que fez o MPF neste domingo, perante o TRF-4 em Porto Alegre e no STJ, em Brasília, são provas de uma atuação que respeita as instâncias judiciais e defende o pleno funcionamento das instituições que compõem o nosso sistema de Justiça”, enfatizou Raquel Dodge na nota.

Um dia após de verem seu plano dar errado no TRF-4, os deputados que protocolaram um pedido de habeas corpus em favor de Lula pretendem recorrer ao STJ. A estratégia segue em paralelo aos pedidos já feitos pela defesa de Lula, que afirma não ter participado da tentativa de soltar o petista no domingo.

Segundo o deputado Paulo Pimenta (PT-RS), um dos autores do habeas corpus ao lado dos também deputados Paulo Teixeira (PT-SP) e Wadih Damous (PT-RJ), o conteúdo do recurso não será antecipado à imprensa.

— Não adiantaremos detalhes, nem o objeto de contestação através da mídia — disse Paulo Pimenta, por telefone.

ZANIN DIZ QUE NÃO PARTICIPOU DO HC

Pelo tom de um comunicado divulgado por Pimenta e seus dois colegas no início da madrugada de ontem, o recurso deve defender a competência do desembargador Rogério Favreto, do plantão judiciário, para decidir sobre a liberdade de Lula, além de atacar a atuação do juiz federal Sergio Moro, do desembargador Gebran Neto e do presidente do TRF-4, Thompson Flores.

Antes de visitar Lula na manhã de ontem, o advogado Cristiano Zanin Martins disse que a defesa não participou da elaboração do habeas corpus, e que a iniciativa partiu de Damous, Pimenta e Teixeira, que também atuam como advogados.

— Tudo que diz respeito ao habeas corpus impetrado pelos deputados corre em paralelo a todo o esforço que a defesa está fazendo. Não tive nenhuma participação nesse caso — disse Zanin, que é um dos advogados mais atuantes de Lula e já teve embates com o juiz Sergio Moro.

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CNJ recebe oito reclamações sobre desembergador

Adriana Mendes

André de Souza

10/07/2018

 

 

Favreto, que mandou soltar Lula no domingo, é alvo de ações de deputados e do Partido Novo

O Conselho Nacional de Justiça (CNJ) recebeu oito reclamações disciplinares e pedidos de providências contra o desembargador Rogério Favreto, do Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF-4), que mandou soltar o ex-presidente Lula. A decisão foi revertida após despacho do presidente do TRF-4, Carlos Eduardo Thompson Flores. Há ainda uma representação contra o próprio Thompson e o juiz Sergio Moro, responsável pela primeira ordem que evitou a soltura de Lula, além de uma apenas contra Moro.

Entre os autores das representações disciplinares estão o senador José Medeiros (Podemos-MT) e os deputados Carlos Sampaio (PSDB-SP) e Laerte Bessa (PR-DF), além do Partido Novo. Há também ações movidas pela ex-procuradora do Distrito Federal Beatriz Kicis e pelo teólogo Mariel Marra.

Outra ação é assinada por mais de cem integrantes de ministérios públicos estaduais e do Ministério Público Federal (MPF). Eles querem que o CNJ analise “possível violação à ordem jurídica” por parte de Favreto ao conceder o habeas corpus a Lula.

Os integrantes do Ministério Público elaboraram uma nota técnica na qual afirmam que os ministros e as turmas do Supremo Tribunal Federal (STF) devem “obrigatoriamente cumprir as deliberações do plenário do tribunal, que estabelecem a execução da pena a partir da condenação em segunda instância”. O documento deve ser protocolado no STF após o recesso, em agosto.

Também há uma representação no CNJ contra Moro e Thompson Flores. A peça foi apresentada pelo estudante de Direito Benedito Silva Júnior, morador de Rolândia, no Paraná. Segundo Benedito, as ações de Moro e Thompson, que permitiram a continuidade da prisão de Lula, seguiram uma “tramitação relâmpago e inexplicável”. Não é a primeira vez que o estudante de Direito sai em defesa de Lula. Ao longo do ano, ele apresentou alguns habeas corpus.

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Na cela, malas prontas

Luís Lima

10/07/2018

 

 

Entre 9h e 10h, ex-presidente Lula arrumou seus pertences para possível libertação

Embora não acreditasse que seria solto no domingo, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva chegou a arrumar as malas para deixar a cela especial que ocupa no prédio da Superintendência da Polícia Federal, em Curitiba. Por orientação de advogados, ele organizou seus pertences entre 9h e 10h da manhã, mesmo descrente de que “o soltariam tão fácil”, segundo disse uma pessoa que acompanhou a confusão de medidas judiciais de domingo.

Há pouco mais de três meses, desde que foi preso, Lula ocupa uma cela no último andar do prédio da PF. No local, há uma cama de solteiro e um pequeno armário. O banheiro fica separado, com sanitário comum e pia para higiene pessoal. A cela tem uma janela virada para um corredor interno, com acesso a outras salas da superintendência. Agentes federais se revezam na segurança do local.

Segundo o ex-ministro da Justiça Eugênio Aragão, que ontem visitou Lula na Polícia Federal, o petista relatou que não pretendia deixar Curitiba caso fosse solto.

— Estive agora com Lula e ele me disse: “Eu nem sairia de Curitiba. Ficaria esperando decidirem o que fariam a meu respeito, porque sabia que isso não ia longe” — disse Aragão, emendando: — Em momento nenhum ele ficou ansioso. O Lula disse que, desde que chegou aqui, está com a serenidade de um monge tibetano.

Segundo a presidente do PT, a senadora Gleisi Hoffmann, carros chegaram a ser posicionados para que o petista pudesse sair da Polícia Federal.

No domingo, três advogados estiveram no local: Manoel Caetano Ferreira Filho, Luiz Carlos da Rocha, o Rochinha, e um dos autores do pedido de liberdade do petista, o deputado Wadih Damous (PT-RJ).

Ao receber a notícia da primeira decisão do desembargador Rogério Favreto, que o libertava, Lula sorriu, mas demonstrou ceticismo sobre o cumprimento da revogação de sua prisão. Segundo Damous, apesar da guerra jurídica travada no Tribunal Regional da 4ª Região (TRF-4), a rotina do expresidente não se alterou na prisão no domingo.

— Vocês acham que vão me soltar assim, tão fácil? Acreditam mesmo que isso vai acontecer? — dizia o expresidente ao trio de advogados com quem debatia a queda de braço entre magistrados que proferiam decisões contraditórias sobre a sua soltura ao longo do domingo.

Embora estivesse cético, Lula demonstrou irritação ao saber que o desembargador João Pedro Gebran Neto o manteria preso.

Lula voltou a receber ontem a visita do advogado Luiz Carlos da Rocha. Na saída, ele reforçou a crítica do ex-presidente de que o juiz Sergio Moro seria parcial, mas ponderou que Lula segue “sereno e tranquilo”.

Luiz Fernando Pereira, especialista em Direito Eleitoral, também esteve na Superintendência da Polícia Federal ontem. Ele disse que está prestando uma “consultoria na área que atua” e que não teve nenhuma participação na composição do habeas corpus elaborado pelos deputados petistas Damous, Paulo Teixeira e Paulo Pimenta.