O globo, n. 31020, 12/07/2018. Economia, p. 16​

 

TCU desiste de suspender acordo de leniência com Odebrecht

Mateus Coutinho

12/07/2018

 

 

Documento não foi submetido previamente à Corte, como prometido

-BRASÍLIA- Em uma sessão marcada pelo desagravo à unidade técnica do órgão, o plenário do Tribunal de Contas da União (TCU) recuou ontem, por unanimidade, da proposta de suspender o acordo de leniência firmado pelo Ministério da Transparência e ControladoriaGeral da União (CGU) e a Advocacia-Geral da União (AGU) com a Odebrecht. Este prevê o pagamento de R$ 2,7 bilhões aos cofres públicos, no prazo de 22 anos. A medida foi adotada após o mal-estar causado entre os órgãos com o anúncio do fechamento do acordo de leniência com o governo federal, na última segunda-feira, sem passar pelo TCU, como havia sido combinado anteriormente entre as três instituições.

Na prática, a votação acaba com um imbróglio entre os órgãos que vinha marcando as discussões sobre a colaboração da Odebrecht com a CGU, em negociação desde 2015. O relator do caso, ministro Bruno Dantas, está de férias. O ministro substituto Marcos Bemquerer Costa votou em seu lugar e entendeu que, como o acordo foi assinado, o pleito dos auditores do Tribunal perdeu o objeto. O entendimento foi seguido pelos demais ministros, em uma sessão que contou com apenas cinco pessoas votando.

A CGU havia prometido enviar ao TCU o relatório final do acordo de leniência com a Odebrecht — anunciado pela Controladoria e a advogada-geral da União, Grace Mendonça, na segunda-feira — antes da assinatura do termo, como mostra ofício enviado pelo órgão da União em abril deste ano. Naquele momento, o relatório final da comissão interministerial que havia analisado o acordo de leniência com a Odebrecht já estava concluído. Tanto o ministro Wagner Rosário, da CGU, quanto a advogada-geral da União reforçaram dias depois que encaminhariam o relatório ao TCU. O acordo acabou assinado sem que o Tribunal recebesse os respectivos documentos, o que abriu mais uma guerra entre os órgãos de controle.

O pano de fundo desses conflitos vem sendo, quase sempre, os acordos de leniência discutidos com as empreiteiras alvos da Lava-Jato. Pouco antes de anunciar a assinatura do acordo, CGU e AGU encaminharam um ofício conjunto ao TCU dizendo que informações sobre leniência só serão encaminhadas ao órgão após assinaturas definitivas. No entendimento dos dois órgãos da União, o tribunal vem atrapalhando a execução do instrumento de leniência.

Em seu voto, Costa afirmou que o acordo foi compartilhado pela CGU e AGU com o Tribunal e que tinha, entre suas cláusulas, uma determinação de sigilo que impedia o compartilhamento com o TCU antes de ser homologado. Ele, porém, não citou o ofício da CGU datado de 26 de abril e revelado pelo GLOBO, no qual o ministério se comprometia a compartilhar a documentação antes de fechar o acordo, o que não ocorreu. Costa também não mencionou o ofício encaminhado, na segunda-feira passada, por AGU e CGU à Corte de Contas, com críticas aos auditores que, segundo os órgãos do governo federal, teriam “sistematicamente embaraçado o livre fluxo dessa política (de leniência)”.

 

RECURSOS PARA PAGAMENTOS

O ministro explicou que o acordo prevê a possibilidade de, se o Tribunal constatar irregularidades em valores maiores que os apontados no texto, poderá cobrar da empresa. O TCU, porém, está impedido de punir a companhia com medidas, como declaração de inidoneidade, e de usar as provas da colaboração contra a própria Odebrecht. Depois da sessão, Costa minimizou a polêmica com os outros órgãos:

— O mais importante é que a competência do TCU foi preservada. Tanto a CGU quanto a AGU, independentemente de qualquer ruído, atuaram em favor dessas cláusulas explícitas, preservando a competência do Tribunal — afirmou.

De acordo com o ministro, a AGU teria alegado urgência para fechar o acordo esta semana, uma vez que, devido às ações de improbidade na Justiça Federal, a Odebrecht estava com recursos bloqueados e precisava pedir autorização à AGU sempre que tinha de fazer pagamentos. Segundo Costa, caso não fosse firmado o acordo, que na prática extingue as ações de improbidade, a empreiteira não conseguiria honrar seus compromissos na semana que vem. Procurada, a empresa não comentou o assunto.