O globo, n. 31015, 07/07/2018. Economia, p. 15

 

Fim da trégua na inflação

Daiane Costa

07/07/2018

 

 

IPCA em 12 meses chega a 4,39% e mercado já vê risco de alta de juros antes do fim do ano

A inflação entrou em novo patamar em junho, ao ultrapassar os 4% em 12 meses pela primeira vez desde abril do ano passado, e deixou para trás a única sensação de bem-estar econômico dos brasileiros. Segundo economistas, o resultado, de 4,39%, tende a acelerar um pouco mais até o fim do ano e pode pôr em risco o cumprimento do centro da meta de 4,5% estabelecida pelo Banco Central. Os preços mais altos devem pressionar os juros para cima e já há analistas prevendo que o BC tenha de voltar a elevar a taxa básica de juros antes do fim do ano.

O novo patamar da inflação é resultado de uma disparada em junho, quando o Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA, usado nas metas do governo), pulou de 0,40% em maio para 1,26%, a maior para o mês desde 1995, informou ontem o IBGE. A energia elétrica subiu, em média, 7,93%, com a cobrança da sobretaxa da bandeira vermelha no patamar mais elevado sobre as contas de luz e reajustes nas regiões metropolitanas que chegaram a 21,51% em Porto Alegre. Os preços de alimentos (alta de 3,09%), gasolina (5%) e etanol (2,22%) foram afetados pela greve dos caminhoneiros. E o IPCA ainda não refletiu a alta do dólar nas últimas semanas.

— Acabou a paz do IPCA. O brasileiro nem chegou a sentir os efeitos de uma inflação e juros mais baixos e já terá de se acostumar com patamares mais altos. Mesmo quando a inflação média ficou abaixo dos 3%, havia pessoas tendo de trocar o gás por lenha para cozinhar. Temos uma taxa de desemprego muito alta, e a renda não cresce. Isso mina o consumo — analisa André Perfeito, economista da Corretora Spinelli.

EFEITOS DA GREVE DOS CAMINHONEIROS

Na última década, a inflação média mensal de julho a dezembro foi de 0,42%, explica o economista da PUC-Rio Luiz Roberto Cunha. Para que o IPCA deste ano não ultrapasse os 4,5%, as taxas de cada mês deste segundo semestre não podem ficar acima de 0,30%. Tarefa difícil, tendo em vista o risco de pressão de um dólar mais caro sobre os preços. Além disso, a inflação estava muito baixa no ano passado — com isso, no acumulado em 12 meses, daqui para frente, vão sair da conta as taxas mensais excepcionalmente baixas de 2017. Apesar de a inflação voltar a crescer, os consumidores não devem sentir no bolso tanta diferença, explica o economista da PUC-Rio:

— Essa previsão de inflação mais alta para 2018 se deve a junho, que está fora da curva porque foi afetado pela greve dos caminhoneiros, pelo risco de o câmbio subir ainda mais e devido a esse efeito de base de comparação. No segundo semestre do ano passado, quatro das taxas mensais ficaram entre 0,16% e 0,28%. Isso dificilmente vai se repetir.

A alta dos juros não deve ser a curto prazo, segundo os analistas. Perfeito estima que o primeiro aumento, de 0,25 ponto percentual na Selic, passando para 6,75% ao ano, deve ocorrer em outubro, quando a inflação estará ainda mais próxima da meta, e as eleições podem fazer o dólar subir. Segundo o economista, a tendência é que a taxa de juros Selic encerre 2018 em 7,25%.

Para Cunha, os juros só devem subir no fim de 2018:

— O Banco Central vem atuando bem para conter a alta do dólar, mas isso só terá efeitos a curto prazo.

Em junho, alguns alimentos tiveram forte alta devido à greve dos caminhoneiros. Batata-inglesa subiu 17,6%, leite longa vida teve alta de 15,63%, e frango inteiro, de 8,02%. As carnes ficaram 4,60% mais caras. De acordo com Cunha, as coletas de preços de julho já apontam que os alimentos estão cedendo.

Segundo Fernando Gonçalves, coordenador de Índices de Preços do IBGE, os preços do leite foram os que mais demoraram a ceder depois do fim da paralisação, porque os produtores perderam muito leite. Já os das hortaliças voltaram à normalidade ainda em junho. Tiveram deflação de 0,65%, em relação a maio. A paralisação do transporte de cargas durou dez dias, a partir de 21 de maio:

— Depois da greve, os preços desses três itens estavam mais altos do que os colhidos antes da paralisação, mas devem voltar a ceder.

MAIS REAJUSTES DE ENERGIA

A energia seguirá pressionando devido a aumentos das tarifas pelas concessionários do serviço em duas capitais: Curitiba e São Paulo. A Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) manteve a cobrança extra da bandeira vermelha no patamar dois, o mais elevado, nas contas de julho. Mas não haverá efeito sobre a inflação porque em junho já estava em vigor.

Os economistas André Braz, do Ibre/ FGV, e Alessandra Ribeiro, da Tendências Consultoria Integrada, não veem risco de a inflação ultrapassar a meta estipulada pelo Banco Central. Segundo Braz, junho foi atípico, e vários fatores que fizeram os preços subirem, como a desvalorização cambial e a greve dos caminhoneiros, tendem a não se manter ao longo do ano:

— Houve uma tempestade em junho, então a tendência é que a inflação desacelere nos próximos meses. Os preços de julho já mostram desaceleração. A projeção mais otimista é de 4%. A mais pessimista é 4,2%, abaixo da meta.

Alessandra prevê que a inflação fique em 3,7% para este ano. Segundo a economista, a inflação acumulada em 12 meses deve chegar a 4,5% em julho e assim permanecer até setembro, quando voltará a ceder, principalmente por causa dos serviços. A inflação acumulada em 12 meses vem caindo há nove meses seguidos. Em junho, ficaram em 3,14%. Há um ano, estavam em 5,42%.

No primeiro semestre, as altas de preços foram concentradas. Juntos, gasolina (12,17%), energia elétrica (8,02%), planos de saúde (6,55%) e cursos regulares (5,45%) responderam por metade da alta de 2,6% do IPCA no período.