O globo, n. 31014, 06/07/2018. País, p. 3

 

No palácio de Crivella

Bruno Abbud

Berenice Seara

06/07/2018

 

 

Ao lado de pré-candidato do PRB, prefeito do Rio oferece privilégios a pastores em evento secreto

Em um evento no Palácio da Cidade, sede da Prefeitura do Rio, o prefeito Marcelo Crivella (PRB) reuniu na quarta-feira cerca de 250 pastores, ao menos um deles pré-candidato a deputado federal, e relatou as pretensões de seu grupo religioso para fortalecer sua participação na política nacional. O encontro ocorreu a 20 dias do início das convenções partidárias e a três meses do primeiro turno das eleições. Além de classificar o pastor Rubens Teixeira (PRB) — o pré-candidato — como um exdiretor da Transpetro que “passou pelo fogo e nem um fio de cabelo queimou”, em referência à Operação Lava-Jato, Crivella indicou que está apto a garantir aos fiéis ali representados acesso mais rápido a cirurgias de catarata e varizes. O prefeito se dispôs ainda a resolver conflitos administrativos para garantir que as igrejas não paguem IPTU.

Depois de uma assessora pedir que ninguém tirasse “selfies” nem fotografasse o evento, intitulado “Café da Comunhão”, Crivella discursou por cerca de uma hora. O GLOBO, porém, participou do encontro e acompanhou toda a fala do prefeito. Ele fez longas explanações sobre a política, lembrou aos “irmãos” para ficarem de “olhos abertos” para “vigiar a corrupção” e detalhou uma série de benefícios que os membros das igrejas evangélicas podem obter, desde que procurem as pessoas certas na prefeitura.

Para cirurgias de catarata, por exemplo, a chave para um atendimento rápido é procurar “a Márcia”.

— Na prefeitura, estamos fazendo mutirão da catarata. A Márcia trabalha comigo há quinze anos. Ela conhece os diretores de toda a rede federal: Ipanema, Lagoa, Andaraí, Bonsucesso, Fundão. Ela conhece os diretores de todos os hospitais da rede municipal, que já almoçaram conosco, de maneira que ela me representa em todos esses setores. Miguel Couto, Souza Aguiar, Lourenço (Jorge), Salgado (Filho), Piedade e por aí afora. Contratei 15 mil cirurgias até o final do ano. Então, se os irmãos tiverem alguém na igreja com problema de catarata, se os irmãos conhecerem alguém, por favor falem com a Márcia. É só conversar com a Márcia, que ela vai anotar, encaminhar e daqui a uma semana ou duas, eles estão operando — afirmou o prefeito.

Crivella citou ainda outro tipo de cirurgia bastante procurada no serviço público:

— Varizes: a maioria são mulheres que estouram uma variz na perna e abre uma ferida que não fecha. E a senhora apenas troca o curativo. Hoje existe uma maneira: injeta na veia dela uma espuma medicinal e fecha a ferida, uma bênção. Também, por favor, falem com a Márcia. E tem a vasectomia para os homens. Estamos zerando a fila. É muito importante os irmãos ficarem com o telefone da Márcia ou do Marquinhos, porque, às vezes, ocorre um imprevisto. Se houver caso de emergência, liga. Liga para a Márcia e ela liga para mim, para o Marquinhos… É importante você ter um canal para poder socorrer num momento de emergência.

Uma das grandes batalhas das igrejas evangélicas na cidade do Rio é a garantia de que não haverá cobrança de IPTU, conforme determina a Constituição. Em muitos casos, porém, há dúvidas se o imóvel pode ou não ser caracterizado como religioso. Nada que o “doutor Milton” não resolva.

— Têm pastores que estão com problemas de IPTU. Igreja não pode pagar IPTU, nem em caso de salão alugado. Mas, se você não falar com o doutor Milton, esse processo pode demorar e demorar. Nós temos que aproveitar que Deus nos deu a oportunidade de estar na prefeitura para esses processos andarem. Temos que dar um fim nisso.

Antes de defender que é preciso “aproveitar esse tempo que nós estamos na prefeitura para arrumar nossas igrejas”, Crivella também lembrou que melhorias podem ser feitas para melhorar o acesso dos fiéis aos locais de oração.

— Às vezes, o pastor está na porta da igreja e diz assim: “Quando o povo atravessa, pode ser atropelado”. Vamos botar um sinal de trânsito. Vamos botar um quebra-molas. Ou então o pastor diz assim: “O ponto de ônibus é lá longe, o povo desce e vem tomando chuva até a porta da igreja”. Então, vamos trazer o ponto para cá. Vamos aproveitar esse tempo que nós estamos na prefeitura para arrumar nossas igrejas.

PRETENSÃO DE PODER NACIONAL

Crivella abriu o evento tecendo comentários sobre o ex-governador Sérgio Cabral (MDB), o governador Luiz Fernando Pezão (MDB) e o exprefeito Eduardo Paes, pré-candidato do DEM ao governo do Estado. Ele comparou Paes ao rei da Babilônia, Nabucodonosor, que é descrito na Bíblia como um líder arrogante que acabou louco. Disse que o ex-prefeito “não roubou”, mas tinha “um projeto megalomaníaco de poder”, ao mencionar especificamente o Museu do Amanhã e o Porto Maravilha, projeto de revitalização de parte do Centro do Rio, que, segundo ele, custou R$ 7 bilhões. E disse o que espera para o futuro dos evangélicos na política brasileira.

— É diferente, o nosso espírito, a nossa maneira de pensar, e o Brasil precisa conhecer isso. Não importa se vai ser um trauma no princípio, se as pessoas vão reclamar, criticar. Nós temos que mudar esse país. É um sacrifício grande a gente estar na política, mas não podemos fugir, porque só o povo evangélico pode mudar esse país. Entre nós, não há corrupção. A gente recebe o dinheiro do povo e faz a casa de Deus. Os políticos sabem que só nós podemos dar jeito nesse país — disse, acrescentando: — O que nós precisamos é ter uma política que faça com que o país encontre o caminho do seu progresso e se liberte da corrupção. Nós somos a esperança. Pegamos a oferta do povo, levamos ao escritório, contamos tudo e construímos igrejas. É esse Brasil evangélico que vai dar jeito na pátria.

Sobre Rubens Teixeira, o pré-candidato presente ao encontro, ele fez uma longa defesa da honestidade do aliado, sem pedido explícito de votos.

— O pastor Rubens Teixeira, da Assembleia de Deus Campo de Madureira, foi diretor da Transpetro por sete anos. Ali era o epicentro da crise, era a Petrobras, diretores ali juntaram R$ 100 milhões, R$ 120 milhões. O presidente era o Sérgio Machado, que delatou todo mundo. Foi ao (José) Sarney, que na época estava no hospital, e gravou a conversa com Sarney, com o Renan (Calheiros). Fez uma confusão danada para livrar ele e o filho dele. Quando perguntaram sobre o diretor de administração e finanças da Transpetro, ele disse: “Desse aí não tenho nada a falar”. Ele (Teixeira) passou pelo fogo e nem um fio de cabelo queimou.

Em 2017, no início da gestão Crivella, Teixeira foi nomeado secretário de Meio Ambiente. Nove meses depois, assumiu a Comlurb, mas, depois de dois meses, acabou afastado por uma liminar com base na lei que proíbe a nomeação para cargos de administração em empresas públicas de quem tenha atuado em campanhas eleitorais nos últimos 36 meses antes da nomeação. O pastor havia concorrido ao cargo de vereador em 2016.

Teixeira trabalhou na Transpetro de 2008 a 2015. Em abril, virou réu na Justiça do Rio por peculato e dispensa ilegal de licitações. Ele é acusado pelo Ministério Público (MP-RJ) de ter autorizado, quando era diretor da estatal, a assinatura de um contrato de R$ 1,49 milhão, sem licitação, com a Genesis Consulting. Segundo o MP-RJ, a empresa foi criada poucos meses antes de firmar o acordo e não houve pesquisa de mercado. A sócia da empresa, Izabel Quintana, trabalhava na Transpetro até um mês antes de a firma ser contratada. Ela foi chefe de Teixeira no período em que ele trabalhou no Banco Central. Ainda segundo o MP-RJ, uma auditoria calculou que o prejuízo da Transpetro com a contratação foi de, no mínimo, R$ 869 mil.

“Só o povo evangélico pode mudar esse país. Os políticos sabem que só nós podemos dar jeito nesse país”

“Vamos aproveitar esse tempo na prefeitura para arrumar nossas igrejas”

“Se os irmãos tiverem alguém na igreja com problema de catarata, falem com a Márcia. É só conversar que ela vai anotar, vai encaminhar, e daqui a uma semana ou duas eles estão operando”

Marcelo Crivella

Prefeito do Rio