O globo, n. 31014, 06/07/2018. País, p. 4

 

Afastado pelo STF, ministro do trabalho pede demissão

Bela Megale

Jailton Carvalho

Letícia Fernandes

Mateus Coutinho

06/07/2018

 

 

Helton Yomura é acusado de representar interesses do PTB; Padilha assume como interino

Inédita na história recente, a decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) de afastar do cargo ontem o ministro do Trabalho, Helton Yomura, levou o auxiliar do presidente Michel Temer a pedir demissão no fim da tarde de ontem. Agora ex-ministro, Yomura foi afastado das funções por determinação do ministro Edson Fachin, relator das investigações da Operação Registro Espúrio no STF. Deflagrada pela Polícia Federal em 31 de maio, a operação investiga uma suposta organização criminosa, formada por políticos e servidores públicos, que teria cometido fraudes na concessão de registros sindicais pelo Ministério do Trabalho.

Cerca de 12 horas depois de ser alvo da terceira fase da operação, Yomura enviou a Temer uma carta com seu pedido de demissão. Nela, o ex-ministro se disse “surpreendido” pela operação e afirmou que jamais praticou ou compactou “com qualquer ilicitude ou irregularidades” na pasta. Afirmou ainda que tomou a decisão de deixar o cargo para impedir que o ministério fique “acéfalo” e criticou Fachin por ter tomado a decisão no último dia antes do recesso judiciário, porque um recurso contra a decisão só poderia ser analisado pelo conjunto dos ministros do Supremo em agosto.

O ministro-chefe da Casa Civil, Eliseu Padilha, acumulará a função de ministro interino do Trabalho até que um novo nome seja escolhido pelo presidente. Yomura é o décimo ministro a deixar o governo Temer em dois anos e dois meses.

Na manhã de ontem, a PF cumpriu 10 mandados de busca e apreensão e três mandados de prisão temporária, levando para trás das grades o chefe de gabinete do deputado Nelson Marquezelli (PTB-SP), Jonas Antunes Lima; o superintendente do ministério do Trabalho no Rio de Janeiro, Adriano José Lima Bernardo, e o chefe de gabinete do ex-ministro, Júlio de Souza Bernardes. O gabinete de Marquezelli também foi alvo de buscas.

No relatório da PF, os investigadores afirmam que o ministro assumiu o cargo “comprometido com os interesses pessoais de Cristiane Brasil e Roberto Jefferson”. Condenado no escândalo do mensalão, Jefferson é pai de Cristiane e presidente do PTB, partido responsável pela indicação de Yomura. Cristiane chegou a ser alvo de buscas na segunda fase da operação, em junho, quando ficou proibida de frequentar o Ministério do Trabalho e ter contato com os demais investigados, como o próprio pai.

A filha de Jefferson chegou a ser anunciada ministra da pasta por Temer em janeiro, mas foi impedida de assumir o cargo após a revelação de que fora processada por ex-funcionários na Justiça do Trabalho e que utilizava contas de uma outra funcionária para realizar o pagamento de suas condenações.

Ainda segundo a PF, Yomura representaria os interesses da alta cúpula do PTB no ministério, e agia ativamente para realizar e coordenar os desvios na pasta. Como revelado pelo GLOBO, Jefferson e Brasil teriam orientado uma ONG, que prestava serviços à Secretaria de Administração Penitenciária (Seap), a fraudar os requisitos necessários para conseguir o registro sindical no Ministério do Trabalho.

DINHEIRO VIVO

No despacho em que autorizou o afastamento de Yomura, Fachin enfatizou que as conversas apontadas pela PF mostram “a sua ciência e efetiva participação nas manipulações realizadas em processos de registro sindical no âmbito da secretaria de relações de trabalho”. Ele também proibiu o ex-ministro de frequentar a sede do ministério e de ter contato com outros investigados.

Fachin também proibiu o deputado Marquezelli de ir ao Ministério do Trabalho e de ter contato com os demais investigados, a menos que isso seja essencial para exercer a função de parlamentar e seja informado ao STF. Nas buscas, a PF encontrou R$ 5 mil em dinheiro vivo em uma mala do deputado que estava em seu gabinete na Câmara. Os investigadores também apreenderam R$ 95 mil em espécie na residência do assessor de Marquezelli. O deputado afirmou que “não teme” as investigações. Yomura disse que “adotou rigorosas providências para a garantia do interesse público”.

QUEM JÁ DEIXOU O GOVERNO TEMER

ROMERO JUCÁ. Saiu do Ministério do Planejamento em 23 de maio de 2016, após a divulgação de conversas em que ele sugere um pacto para “estancar a sangia” da Operação Lava-Jato.

GEDDEL VIEIRA LIMA. Pediu demissão da Secretaria de Governo em 25 de novembro de 2016, após as acusações do ex-ministro da Cultura, Marcelo Calero.

BRUNO ARAÚJO. Pediu demissão do cargo de ministro das Cidades em novembro de 2017. O motivo seria a falta de apoio de seu partido, o PSDB, que não ofereceria ajuda “no tamanho” para continuar á frente do ministério.

HENRIQUE ALVES. Pediu demissão do Ministério do Turismo em 16 de junho de 2016. Foi citado na delação do ex-presidente da Transpetro Sérgio Machado como beneficiário de propina.

FÁBIO MEDINA OSÓRIO. Foi demitido em 9 de setembro de 2016 da Advogacia-Geral da União (AGU). Ele disse que o Planalto o tirou do cargo porque desejava abafar a Operação Lava-Jato.

MARCOS PEREIRA. Investigado na Lava-Jato, o pastor Marcos Pereira pediu demissão do cargo de ministro da Indústria em janeiro de 2018. Alegou precisar se "dedicar a questões pessoais e partidárias".

MARCELO CALERO. Se demitiu do Ministério da Cultura em 18 de novembro de 2016. Acusou o ministro da Secretaria de Governo, Geddel Vieira Lima, de pressioná-lo para liberar obras em área tombada.

FABIANO SILVEIRA. Pediu demissão em 30 de maio de 2016 do Ministério da Transparência, Fiscalização e Controle. Ele foi gravado criticando a Operação Lava-Jato.

LUISLINDA VALOIS. Foi demitida em fevereiro de 2018 com o fim do status de ministério da pasta dos Direitos Humanos. Estava desgastada por pedir para acumular salários e dizer que sua situação se assemelhava ao trabalho escravo.

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Investigações levantam suspeita sobre atuação de Marun por registros sindicais

06/07/2018

 

 

PF teve negado pedido para fazer busca e apreensão no gabinete do ministro no Planalto

A terceira fase das investigações da Polícia Federal sobre fraude no registro de sindicatos no Ministério do Trabalho resultou na demissão do agora ex-ministro interino da pasta Helton Yomura e levantou suspeita sobre a atuação do ministro Carlos Marun (Secretaria de governo), um dos mais próximos do presidente Michel Temer. A polícia chegou a pedir autorização para fazer busca e apreensão no gabinete de Marun, no Palácio do Planalto. Mas, com parecer contrário da procuradora-geral Raquel Dodge, o pedido foi rejeitado pelo ministro Edson Fachin, relator do caso no Supremo Tribunal Federal (STF).

Ao longo da investigação, a PF também descobriu registros de conversas de Viviane Melo, assessora de Marun, com dirigentes do Ministério do Trabalho suspeitos de participação na emissão ilegal de registros de sindicatos. Ela teria pedido o registro de vários sindicatos. Para a polícia, a assessora agia em nome do ministro. Com base nestas informações, a PF até pediu busca e apreensão no gabinete de Marun, no quarto andar do Palácio do Planalto. Mas o pedido foi rejeitado.

Após cerimônia no Planalto, Marun leu uma nota aos jornalistas para dizer que não esteve no Ministério do Trabalho desde que assumiu a Secretaria de Governo. Ele admitiu, porém, que uma assessora de seu gabinete conversou com funcionários da pasta, que poderiam ser os acusados de fraudes, e que, após agenda pública com sindicalistas do Mato Grosso do Sul, seu reduto eleitoral, sua assessoria de imprensa encaminhou pleitos que lhe foram feitos.

— Desde que assumi a Secretaria de Governo, nunca pus os pés no Ministério do Trabalho, nunca conversei com nenhum servidor do ministério a respeito de demandas de qualquer ministério — afirmou Marun, acrescentando que, na segunda-feira, apresentará uma queixa-crime para se opor ao que chamou de “vazamento canalha e vagabundo”.

Marun conclamou deputados e senadores para que “tenham a coragem” de pautar e votar uma lei contra o abuso de autoridade.

Marun foi desmentido por Júlio Bernardes. Em depoimento logo depois de preso, o chefe de gabinete do Ministério do Trabalho afirmou que Marun pediu informações sobre o andamento de registros sindicais. Bernardes disse ter se encontrado com Marun cerca de quatro ou cinco vezes e que mantinha com ele uma relação institucional, tendo participado de reuniões para discutir “estratégias políticas”.