O globo, n. 31017, 09/07/2018. País, p. 6

 

Entenda as decisões judiciais sobre a libertação e prisão do ex-presidente Lula

09/07/2018

 

 

– O presidente do TRF-4, Thompson Flores, poderia reverter uma decisão de um desembargador plantonista?

– Sim. Normalmente o presidente de um órgão de Justiça cuida apenas da área administrativa do tribunal. Mas, diante da divergência entre dois magistrados da mesma Corte, o presidente do TRF-4, Thompson Flores, foi provocado pelo MPF a dizer quem é o responsável pelo processo de Lula: o relator da Lava-Jato, Gebran Neto, ou o plantonista, Rogério Favreto.

– O desembargador plantonista, Rogério Favreto, poderia decidir sobre o pedido de habeas corpus de Lula?

– Há divergências sobre se ele teria competência para tomar tal decisão. Para o Ministério Público Federal, um magistrado em plantão não pode rever decisões já tomadas pelo tribunal. O regimento interno do TRF-4 afirma que, durante o plantão, somente poderão ser apreciadas matérias urgentes e imprescindíveis. Nesta lista estão habeas corpus e mandados de segurança, assim como mandados de busca e apreensão. O regimento prevê ainda que o plantão não deve analisar pedido já apreciado pelo próprio tribunal, seja como reconsideração ou reexame.

– Com que argumentos o desembargador plantonista Favreto mandou soltar Lula?

– Foram seis: o processo eleitoral exige equidade entre os pré-candidatos e a prisão causaria prejuízos ao ex-presidente Lula; não houve ainda o esgotamento de todos os recursos contra a condenação; mesmo que o STF tenha permitido a execução da pena após condenação em segunda instância, isso dependeria ainda de uma fundamentação que indique a necessidade da prisão, que não teria ocorrido; o tema da prisão após segunda instância poderá ser rediscutido no STF; eventuais recursos do ex-presidente ainda podem levar no futuro à diminuição da pena ou à sua liberdade e o ex-petista solto não prejudicaria a Justiça, já que tem colaborado com as autoridades.

– Qual a situação de Lula nos tribunais superiores?

– O ex-presidente tem sofrido várias derrotas, tanto no Superior Tribunal de Justiça (STJ) quanto no Supremo Tribunal Federal (STF) na tentativa de conseguir sua liberdade. Há alguns recursos ainda pendentes, que poderão ser analisados pelo STF em agosto. Hoje, prevalece no STF o entendimento de que é possível prender um condenado em segunda instância, mesmo que ele ainda tenha a possibilidade de apresentar recursos em segunda instância.

– O fato de a condenação de Lula ter sido decidida de forma unânime pela 8ª Turma do TRF-4 impede que um plantonista reveja a prisão?

– Sim. Segundo Thompson Flores, o plantonista não pode reverter a prisão de Lula porque não houve nenhum fato novo que justificasse uma reavaliação do caso. O regimento interno do TRF-4 afirma que, durante o plantão, habeas corpus podem ser avaliados desde que eles ainda não tenham sido analisados pelo tribunal — e, no entendimento do presidente da corte, pedidos de liberdade de Lula já haviam sido negados pela turma do TRF-4.

– O entendimento de que é possível prisão após condenação em segunda instância poderá mudar?

– É possível que sim. Há duas ações que tratam do tema no STF. Até 2016, o entendimento vigente era o de que é possível executar a pena somente após o trânsito em julgado, ou seja, quando se esgotam todos os recursos. Mas então foi estabelecida nova regra: a maioria dos ministros entendeu que a prisão era possível já a partir da condenação em segunda instância. Se o caso for levado a julgamento novamente, é possível que haja novo resultado, seja para restabelecer a regra antiga, seja para estipular um meio termo: prisão após análise do STJ, que funcionaria como uma terceira instância da Justiça.

– Quando o julgamento sobre prisão em segunda instância será feito no STF?

– A atual presidente da Corte, ministra Cármen Lúcia, vem se recusando a pautar novamente a questão, dizendo que ela já foi julgada duas vezes, uma delas em 2016. Mas, em setembro, ela deixará o posto. Assumirá o cargo o ministro Dias Toffoli, que defende prisão após análise pelo STJ. Se quiser, ele poderá pautar essa questão para os ministros.

– Caso a decisão de Favreto continuasse válida, Lula poderia ser candidato?

– Não. Sem reverter a condenação no STJ e no STF, Lula pode ser barrado pela Lei da Ficha Limpa, mesmo que esteja solto. A Lei da Ficha Limpa tornou inelegíveis políticos condenados por um órgão colegiado. Em sua decisão, Favreto mandou apenas libertar o ex-presidente, embora tenha feito algumas considerações sobre a pré-candidatura de Lula e seus direitos políticos.

– Por que o desembargador plantonista do TRF-4 resolveu decidir a respeito, sem esperar a posição do relator?

– Ele usou dois argumentos. Primeiro, há réu preso, o que exige urgência. Depois, entendeu que há “fato novo”: a carta pública divulgada na última semana em que Lula reafirma sua pré-candidatura.

– O desembargador participou da decisão do TRF-4 que, há cerca de três meses, confirmou a condenação e mandou prender Lula?

– Não, o desembargador Favreto não faz parte da 8ª turma, composta por três desembargadores, a quem coube julgar o caso de Lula. A turma em questão condenou o ex-presidente por unanimidade.

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Presidenciáveis dizem que há risco de insegurança jurídica

Cristiane Jungblut

09/07/2018

 

 

Bolsonaro e Alvaro Dias criticaram Favreto por ligação com PT

-BRASÍLIA- Pré-candidatos à Presidência e dirigentes partidários manifestaram preocupação com a insegurança jurídica no país ao comentarem, ontem, a situação do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva e a batalha judicial no Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF-4) em torno de sua prisão. Os presidenciáveis do PSL, Jair Bolsonaro, e do Podemos, Alvaro Dias, criticaram ainda o desembargador Rogério Favreto, que determinou a soltura de Lula durante plantão no TRF-4, por sua ligação com o PT.

Assim que a decisão saiu, dirigentes partidários também passaram a fazer análises dentro do xadrez eleitoral. Os adversários do ex-presidente avaliam que o PT ganharia força com a liberdade de Lula, que poderia fazer campanha abertamente. Esses adversários mantêm o entendimento de que Lula não será o candidato do PT porque, condenado em segunda instância, está inelegível pela Lei da Ficha Limpa. Eles o consideram, no entanto, como um forte cabo eleitoral.

Pré-candidato do PSDB à Presidência, Geraldo Alckmin disse que o Judiciário precisa ser “ponto de equilíbrio” e não fonte de insegurança jurídica, ao comentar a batalha judicial de domingo. Para Alckmin, manter ou não Lula preso não pode ser uma decisão passível de vontades políticas.

— Manter Lula ou qualquer outro cidadão brasileiro preso não pode ser uma decisão política, mas sim da Justiça. O Brasil precisa de ordem e segurança jurídica em todas as áreas. Não podemos transformar o sistema de Justiça em fator de instabilidade. Ao contrário, o Judiciário deve ser ponto de equilíbrio — disse o tucano.

Bolsonaro, por sua vez, disse nas redes sociais que as instituições estão quase todas “aparelhadas”:

— Pior que a corrupção no Brasil é a questão ideológica. Quase todas as instituições estão aparelhadas. Um desembargador, que já foi filiado do PT, acaba de conceder um habeas corpus.

Alvaro Dias disse que Favreto agiu de forma “aloprada”:

— Uma decisão aloprada, de um antigo militante do PT, que hoje é desembargador. Adota uma competência absolutamente imoral e ilegal. Isso é uma afronta à sociedade brasileira. Provoca indignação — afirmou.

Ex-ministro de Lula, o pré-candidato do MDB, Henrique Meirelles, mostrou preocupação com uma politização da Justiça:

— Respeito decisões judiciais de última instância e sou absolutamente contra a politização da Justiça. O sistema judicial é pilar da nossa democracia, e o respeito às normas processuais é essencial.

Também ex-ministra de Lula, a précandidata da Rede, Marina Silva, disse que estava acompanhando o desenrolar dos fatos com “atenção e preocupação”:

— O estado de direito é pilar da democracia, e a observância às normas e regras processuais é o caminho pelo qual é possível legitimar a proteção jurídica a quem quer que seja. A atuação excepcional de magistrado, durante um plantão judicial de fim de semana, não sendo o juiz natural da causa, não deveria provocar turbulências políticas que coloquem em dúvida a própria autoridade das decisões judiciais colegiadas, em especial a do STF (Supremo Tribunal Federal) — disse Marina, nas redes sociais.

A avaliação de partidos do chamado centrão é que a libertação de Lula fortaleceria um candidato do PT, que poderia contar com o ex-presidente na rua para fazer campanha.

— Lula solto mudaria tudo — disse um dirigente partidário do centrão.