Correio braziliense, n. 20164, 05/08/2018. Política, p. 2

 

A promessa esquecida

Alessandra Azevedo, Andressa Paulino e Marília Sena

05/08/2018

 

 

ELEIÇÕES 2018 » Cinco anos depois de o Brasil se comprometer a universalizar o acesso à água potável, mais da metade da população não tem o recurso. Resultados insignificantes mostram que o próximo presidente não conseguirá resolver o problema

SANEAMENTO

Pelo menos uma promessa, se feita pelos candidatos, os eleitores podem duvidar que o próximo governante conseguirá levar adiante: atingir todas as metas do Plano Nacional de Saneamento Básico (Plansab) dentro do prazo estipulado. Passados cinco anos desde que o Brasil se comprometeu a universalizar o acesso à água potável, entre outros pontos, mais da metade (55%) da população ainda não pode contar com tratamento de esgoto. Dois em cada 10 brasileiros não têm água de qualidade. Os resultados estão distantes do que estimava o governo quando assinou o documento.

Se o plano estivesse dando certo, 93% dos brasileiros teriam acesso à água tratada ainda este ano e 76%, à coleta de esgoto. Mas a realidade está bem distante disso: 83,3% e 51,9%, respectivamente, têm essa sorte, de acordo com dados mais recentes do Ministério das Cidades. Além disso, só 44,9% do esgoto é tratado, longe dos 69% previstos. “A situação é crítica. Quando a população tem coleta de esgoto, não tem tratamento adequado, que é o que permite a recuperação da água. Precisa de muito mais investimento do que temos atualmente na área”, afirma o professor do departamento de engenharia civil e ambiental da Universidade de Brasília (UnB) Demetrios Christofidis, doutor em gestão de recursos hídricos e desenvolvimento sustentável.

Para que seja possível universalizar os serviços até 2033, como prevê o plano, o país precisará praticamente quadruplicar os R$ 6 bilhões destinados ao setor em 2017 e investir, todos os anos até lá, R$ 21,6 bilhões, de acordo com estimativas oficiais, o que tanto especialistas quanto integrantes do governo consideram inviável. Caso sejam mantidos os níveis recentes de investimento, as metas só serão atingidas depois de 2050, com mais de vinte anos de atraso, estima a Confederação Nacional da Indústria (CNI). No primeiro semestre deste ano, o setor recebeu do governo R$ 2 bilhões, menos de 10% desse valor — montante que deve chegar aR$ 6 bilhões até o fim do ano, com outros R$ 4 bilhões que devem ser liberados nos próximos meses, contabiliza o Ministério das Cidades. Se a previsão se concretizar, 2018 fechará com o mesmo investimento de 2017 em saneamento, quase metade dos R$ 11,5 bilhões repassados em 2016. A queda, segundo a pasta, se deve à crise fiscal.

Tiro no pé

Mas, mesmo no auge do investimento em saneamento básico, o Brasil nunca aplicou mais que os R$ 12,2 bilhões que foram destinados ao setor em 2014. Inclusive, desde que o país se comprometeu com as metas, o montante vem diminuindo a cada ano, apesar de contrapartidas grandes na área da saúde e na economia do país. “A infraestrutura é cara, mas é a que mais traz benefícios. Os recursos aplicados em saneamento básico voltam para a população com redução de gastos em saúde pública, educação, aumento de valor dos imóveis, produtividade”, diz o presidente executivo do Instituto Trata Brasil, Édison Carlos.

Aumentar em R$ 3,8 bilhões nos investimentos do setor de saneamento produziria acréscimo de R$ 11,9 bilhões no valor bruto da produção total do país e geraria 221 mil postos de trabalho, segundo estudo da CNI. Em outras palavras, a cada R$ 1 investido no saneamento, o retorno é de R$ 2,50 ao setor produtivo. Sem contar a economia em gastos com saúde, a valorização de imóveis e o aumento na produtividade dos trabalhadores. O saneamento de qualidade “melhora a qualidade de vida e torna pessoas mais produtivas”, afirma Édison Carlos.

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Na vizinhança do Planalto

05/08/2018

 

 

A cerca de 20km do Palácio da Alvorada, onde o próximo Presidente da República vai morar, está situada a invasão no setor de chácaras Santa Luzia, na Estrutural. Cerca de 3.800 pessoas vivem na área que carece de infraestrutura e saneamento básico. Um pequeno recorte do que acontece no país: hoje, 100 milhões de brasileiros não contam com coleta de esgoto e mais de 35 milhões não têm acesso à água potável, segundo dados do Ministério das Cidades.

Entre as pessoas que convivem diariamente com esgoto a céu aberto está José Damasceno, 54 anos, que trouxe a família do Piauí para morar na invasão, na Estrutural. “Achei que, em Brasília, por ser a capital do país, eu teria pelo menos o básico para sobreviver”, conta. Mas, no barraco onde ele mora, não tem água encanada, nem luz e  tratamento de esgoto. Os dejetos da família vão para uma fossa que foi instalada por ele, e a água para a alimentação é retirada de um poço.

Segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), havia 2.276 poços rasos, freáticos ou cacimbas em 2017. Um aumento em relação ao ano anterior, quando o órgão contou 2.025. “O Brasil é um país que nunca investiu muito em saneamento. Sempre foi um setor no qual foram buscadas alternativas locais. Então, as pessoas criavam fossas, poços, esse tipo de alternativa que acaba gerando problemas de saúde”, afirma a especialista em infraestrutura Ilana Ferreira, da Confederação Nacional da Indústria (CNI).

O barraco construído a poucos metros do antigo maior lixão da América Latina, onde José mora com a família, é quente, úmido, escuro, e o cheiro de gordura é forte. A família relata que gatos domésticos são necessários, pois ratos de esgoto e baratas são comuns. O esgoto a céu aberto também passa na porta da casa da ex-catadora de lixo Wania Solano, 37 anos, que mora com o marido e as duas filhas. O local não é asfaltado, e o odor do esgoto é forte, a lama de dejetos resseca na terra e a poluição afeta principalmente as crianças que costumam brincar no local.

Saúde

Wania e a família tiveram infecção intestinal devido às condições da água. Segundo ela, a água do poço, que é utilizada para consumo próprio, estava infectada pela água do esgoto. “Eu vivo assim há três anos, porque não tenho condições de pagar aluguel. O meu maior desejo é que os governantes olhem para nós como seres humanos, e não bichos”, afirma. Uma exigência razoável diante de dados preocupantes, como o fato de que 1,9 milhão de crianças morrerem todos os anos por conta da diarreia, segundo dados da Organização Mundial da Saúde (OMS). Oito em cada 10 mortes por esse motivo são atribuídas à má qualidade da água, ao saneamento inadequado e à falta de higiene.

“É só o cano do esgoto estourar que as doenças por aqui começam. Meu filho está há três dias doente, com virose, devido à contaminação que pegou”, conta Elton Barbosa, 32, morador do setor habitacional Sol Nascente. A rede de tratamento de esgoto começou a ser implantada pela Companhia de Saneamento Ambiental do Distrito Federal (Caesb) no local há cerca de seis meses. Ainda hoje, alguns moradores afirmam que frequentemente os canos entopem e as casas ficam alagadas pelos dejetos.

Ilana, da CNI, lembra que R$ 1 de investimento em saneamento economiza R$ 4 em gastos com saúde, “números ainda maiores, no caso brasileiro, porque, dependendo de quão carente é a região, é maior”. Além da diarreia, doenças como febre amarela, dengue e zika estão associadas à falta de saneamento adequado. “Saneamento de qualidade é como uma vacina social”, resume o professor do departamento de engenharia civil e ambiental da Universidade de Brasília (UnB) Demetrios Christofidis, doutor em gestão de recursos hídricos e desenvolvimento sustentável.