Correio braziliense, n. 20164, 05/08/2018. Mundo, p. 14

 

A paz em teste com novo líder

Rodrigo Craveiro

05/08/2018

 

 

COLÔMBIA » Crítico do acordo com as Farc, o direitista Iván Duque (E) tomará posse na terça-feira, em substituição a Juan Manuel Santos (D). Novo presidente terá as missões de reduzir a polarização política, combater a corrupção e implementar as bases do pacto

Na próxima terça-feira, a Casa de Nariño (sede do Executivo da Colômbia) receberá novo hóspede até 2022. Iván Duque, do partido de direita Centro Democrático e afilhado político do ex-presidente Álvaro Uribe, terá a difícil missão de ocupar a vaga deixada por Juan Manuel Santos, o líder que se tornou Nobel da Paz ao pôr fim a 60 anos de um conflito sangrento (veja arte). Crítico do acordo de paz com as Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia (Farc), Duque precisará levar adiante a reconciliação de um país profundamente dividido, encampar a luta contra a corrupção — um dos motes durante a campanha — e se distanciar da influência de seu padrinho. Com a desmobilização da maior guerrilha das Américas, os desafios em matéria de segurança ficarão por conta dos pontuais assassinatos de líderes sociais, ainda que a violência não possa ser comparada com os tempos de confronto entre rebeldes e forças do governo.

Cientista político da Universidad de Los Andes (em Bogotá) e colunista do jornal El Tiempo, Fernando Posada explicou ao Correio que Duque deverá tomar ações prioritárias para avançar na implementação dos pontos do acordo de paz e reduzir, com toda a capacidade do Estado, o crescimento das dissidências das Farc. “O núcleo do pacto com a guerrilha, a chamada justiça especial, tem sido modificado pelo Centro Democrático. É possível que as autoridades do novo governo busquem mudanças pontuais, mas o acordo está blindado pela Corte Constitucional”, disse. “Muitos de seus pontos se transformaram em uma realidade jurídica, implementada lentamente. O discurso público de indignação com o acordo de paz mudará assim que Duque assumir o poder.”

Posada lembrou que o novo líder colombiano encontrará um processo de paz sólido e em implementação. “Ele terá de dar continuidade a isso, mesmo que o Centro Democrático busque formas de lhe impor mudanças”, comentou. Para o especialista, a participação da direita no pacto de paz seria um passo importante rumo à reconciliação do país e à aceitação do acordo por parte da maioria dos cidadãos. Jaime Fajardo Landaeta, constituinte em 1991 e investigador do conflito colombiano, concorda que caberá a Duque garantir a não ruptura do pacto com as Farc. “Em um giro internacional recente, ele encontrou uma unidade internacional que respaldou a paz e fez um chamado pela garantia de sua implementação. Não creio que Duque esteja em condições de modificar o acordo, mesmo que faça alguns ajustes. Ele sabe que os investimentos estrangeiros e o turismo aumentarão, à medida que a Colômbia consolidar o processo de paz.”

Entraves

Landaeta pontua os principais entraves para os próximos quatro anos de governo: os assassinatos de lideranças sociais cometidos por setores de oposição à paz; a migração da Venezuela, que cria sérias  dificuldades em várias regiões do país; e a corrupção galopante. Segundo o constituinte, muitos dos aliados políticos de Duque estão mergulhados na prática. “O próximo presidente terá de se empenhar para alcançar níveis de reconciliação, algo difícil, pois a extrema-direita o pressiona para manter o discurso da guera. O maior desafio, no entanto, será saber se diferenciar da retórica de Uribe, a principal ameaça à sua governabilidade”, advertiu. Por fim, ele admite que Duque terá que barrar a deterioração da segurança, com a ação dos bandos criminosos emergentes (os Bacrim), do Clã do Golfo, do Exército de Libertação Nacional (ELN) e das dissidências das Farc.

Professor emérito da Universidad Externado de Colombia (em Bogotá), Andrés Macías Tolosa aposta que a tarefa mais urgente de Duque será administrar e reduzir a altíssima polarização política. “Caberá ao novo presidente mostrar que é ele quem governa e toma decisões, não o senador Álvaro Uribe. Isso ajudaria a reduzir a polarização e permitiria que mais decisões técnicas do que políticas sejam tomadas”, observou. No âmbito da segurança, Tolosa entende que Duque precisa tomar medidas concretas para responder às mortes de líderes sociais. “A mineração ilegal, fonte de violência nas áreas rurais, e o problema das drogas ilícitas — consumo e tráfico internos, e os cultivos ilícitos — são exponenciais.”

Duque também terá a responsabilidade de ocupar o espaço deixado por Juan Manuel Santos. Nos últimos dias, a popularidade do artífice do processo de paz aumentou. Para muitos colombianos, incluindo aqueles que se opuseram a várias de suas políticas, Santos foi um presidente com acertos históricos. “O fato de ter desarmado as Farc é uma conquista muito transcendental, que levará anos para ser compreendida pela população”, acrescentou Posada.

Ativismo no Twitter

Iván Duque promete ser bastante atuante nas redes sociais, a julgar pelos últimos dias. Às vésperas de tomar posse, o presidente eleito mantinha, no Twitter, 523 mil seguidores. Até a noite de sexta-feira, tinha publicado 22,1 mil tuítes. Os textos incluem o anúncio de membros de seu gabinete, como Diego Fernando Hernández, para o Departamento de Administração de Ciência e Tecnologia (Colciencias),  felicitações a desportistas colombianos e comentários sobre notícias de repercussão nacional — entre elas, a prisão de 18 pessoas acusadas de cometer crimes sexuais contra menores de idade e de exploração de mulheres em Cartagena. Duque também aproveitou para fazer um marketing pessoal, ao divulgar o livro La semilla del triunfo (“A semente do triunfo”), obra do ex-senador Everth Bustamante que trata de sua própria história.

Pontos de vista

Por Andrés Macías Tolosa

Oposição no Congresso

“Iván Duque goza de boa força dentro do Congresso, representada pelo Centro Democrático. O presidente do Legislativo, Ernesto Macías, é membro da legenda, e isso demonstra que Duque contará com um bom suporte. No entanto, neste ano, os partidos se declararam em oposição ao governo, o que lhes confere benefícios para que contestem as iniciativas de Duque. É a primeira vez que se usa este mecanismo.”

Professor emérito da Universidad Externado de Colombia (em Bogotá)

 

Por Jaime Fajardo Landaeta

Risco à legitimidade

“Nos primeiros meses, Duque terá a legitimidade garantida, mas a oposição estará muito mais organizada. Se o seu governo não obtiver independência em relação ao ex-presidente Álvaro Uribe, ele pouco a pouco carecerá de governabilidade e poderá ser encurralado pelos copartidários. Duque tem vários aliados com problemas na Justiça, além de grêmios econômicos vorazes, cujo objetivo é levar adiante as reformas que eles pretendem.”

Constituinte em 1991, investigador do conflito colombiano

 

Por Fernando Posada

Maioria questionada

“Duque conta com a maior bancada do Congresso, com quase um quinto do total de assentos. Não está claro se ele contará com a maioria absoluta para a aprovação de leis. Os partidos que apoiaram o acordo de paz podem somar mais da metade do Congresso e serão determinantes no momento de exigir ao governo o cumprimento dos acordos.”

Cientista político da Universidad de Los Andes (Bogotá) e colunista do jornal El Tiempo