Título: Greve geral leva caos a La Paz
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Fonte: Correio Braziliense, 12/05/2012, Mundo, p. 23
Estudantes reforçam paralisação de trabalhadores contra medidas do governo Evo Morales
A capital da Bolívia viveu o terceiro dia de caos, após uma greve geral que paralisou as principais ruas da cidade. Milhares de universitários e trabalhadores de transporte e saúde aderiram ao movimento, que chegou a outros importantes centros do país. Acuado, o governo do presidente Evo Morales acusa os partidos de oposição de uma conspiração. A mobilização, iniciada na segunda-feira, é mais um indício do desgaste do líder boliviano, que, segundo analistas, terá dificuldades para conquistar um novo mandato em 2014.
As manifestações foram convocadas pela Central Operária Boliviana (COB), depois de uma revolta que começou entre os profissionais da saúde. Médicos e enfermeiros cruzaram os braços há mais de um mês, quando o governo aumentou a jornada de trabalho de seis para oito horas diárias. Morales chegou a dizer que a decisão seria revogada, na semana passada, mas os trabalhadores não se sensibilizaram. Esta semana, a COB mobilizou outras categorias para uma greve de 72 horas, com a reivindicação de melhores salários. Ontem, no terceiro dia de protesto, estudantes entraram em confronto com a polícia e balões de tinta rosa mancharam a casa do vice-presidente.
Autoridades têm acusado a COB de organizar os protestos para derrubar Morales, com a ajuda de partidos de oposição que ganharam espaço nos últimos dois anos. O atual líder da central, Juan Carlos Trujillo, rebateu a acusação. "Aqui ninguém quer derrubar nenhum governo", disse ele, segundo o jornal espanhol El País. Até a noite de ontem, a polícia mantinha um escudo de proteção na Praça Murillo, em La Paz, onde ficam o gabinete do presidente e a Assembleia Legislativa.
Além das reivindicações trabalhistas, os manifestantes apoiam uma marcha indígena contrária à construção de uma estrada que atravessará o parque nacional de Tipnis, no centro-oeste do país — um projeto que tem financiamento do Banco Nacional para o Desenvolvimento Social (BNDES). Com a construção, o governo brasileiro pretende ligar a Amazônia a portos no Oceano Pacífico. Os indígenas saíram da reserva em 27 de abril e vão percorrer 555km até a capital boliviana. Atualmente, eles estão retidos perto da cidade de San Ignacio de Moxos, onde enfrentam a resistência de bolivianos que defendem a construção da estrada.
Apoio
Enquanto lida com a revolta dos trabalhadores, Evo Morales conta com o suporte dos produtores de coca do leste do país. Em algumas cidades, os cocaleiros entraram em confronto os profissionais da saúde, gritando que eles deveriam trabalhar as oito horas diárias determinadas pelo governo. Outros bolivianos têm criticado o transtorno provocado pela mobilização. "Eles estão atacando veículos privados. Todos nós temos o direito de protestar, mas não de destruir", reclamou Arturo Quispe, presidente de uma organização de bairro de La Paz.
"Todos os anos, a Bolívia passa por uma temporada de protestos sociais. Desta vez, o desgaste político do governo tem tornado a gestão da crise muito mais difícil", avalia Ricardo Paz, sociólogo do Centro Interamericano de Gerência Política. Morales sempre desagradou parte da população, mas agora as classes médias urbanas engrossam o coro dos descontentes. "Ainda restam três anos de governo e é provável que o índice de popularidade do presidente siga diminuindo. Ele não deve ser derrubado, mas suas chances de reeleição estão seriamente comprometidas", disse o especialista ao Correio. Ricardo Paz, que é boliviano, espera a ascensão de outros partidos, entre eles o Movimiento Sin Miedo, uma das legendas acusadas de conspiração.
"Gasolinazo" pelo caminho
A popularidade de Evo Morales, primeiro indígena a ser eleito presidente da Bolívia, despencou no início do ano passado. A causa foi o reajuste de mais de 70% nos preços dos combustíveis — exceto o gás natural, abundante no solo boliviano. A medida foi anunciada em dezembro de 2010 pelo vice-presidente, que a justificou como uma forma de proteger o mercado interno de contrabandistas. O aumento da gasolina gerou uma onda inflacionária gigante: as passagens de ônibus duplicaram de valor e os alimentos subiram 20%. "Esse foi o ponto de inflexão da popularidade de Evo, que caiu muito de lá para cá", observa o sociólogo Ricardo Paz.