O globo, n. 31016, 08/07/2018. País, p. 8

 

Brasília tem prédio público de R$ 1,4 bi abandonado

Mateus Coutinho

08/07/2018

 

 

Criado em 2009 por Arruda e ‘inaugurado’ por Agnelo, centro administrativo segue inacabado

Um prédio com marcas de sujeira, pinturas descascando, rachaduras que podem ser vistas à distância, tapumes amassados e com materiais de construção largados em meio a pilastras inacabadas. Ao redor, há uma estrada de terra e um matagal, com um lote vazio de um lado, vegetação aos fundos. A descrição é de um complexo de prédios que ocupa uma área de 180 mil metros quadrados, custou R$ 1,4 bilhão e deveria ser o novo Centro Administrativo do Governo do Distrito Federal (Centrad), mas está na mira da Polícia Federal por suspeitas de corrupção e fraude à licitação.

Idealizado por José Roberto Arruda — o primeiro governador preso em flagrante no exercício do mandato — o Centrad foi “inaugurado” pelo ex-governador Agnelo Queiroz (PT), em dezembro de 2014, sem nunca ter sido usado. A obra foi alvo de uma série de questionamentos na Justiça e no Tribunal de Contas do DF. E se tornou um elefante branco nas mãos do governo Rodrigo Rollemberg (PSB), que, em três anos e meio, ainda não deu uma solução ao caso. Uma comissão instaurada pelo governo de Brasília, em julho de 2017, para analisar uma eventual anulação do contrato, teve seus trabalhos prorrogados em junho e deverá propor uma solução até setembro.

Inspirada na Cidade Administrativa de Minas Gerais — megaprojeto do governo Aécio Neves, inaugurado em 2010, e alvo de investigação — a ideia era criar, na cidade de Taguatinga, um moderno complexo de 16 edifícios para sediar a estrutura administrativa. Firmado por Arruda, em 2009, o contrato, na forma de Parceria-Público Privada (PPP), previa que o consórcio formado por Odebrecht e Via Engenharia seria o responsável pelo empreendimento e pela manutenção do complexo. Em contrapartida, o governo, ao usar a estrutura, deveria fazer repasses mensais de R$ 12,6 milhões por um período de 21 anos para quitar a obra e também custear as despesas do consórcio com manutenção e limpeza.

Em julho de 2014 foi concluída a primeira fase da obra, mas como ainda não havia sido expedido o Habite-se, o governo não se mudou para o local.

A Secretaria de Obras do Distrito Federal encaminhou à Procuradoria-Geral do DF um termo aditivo ao contrato com o consórcio que previa o pagamento antecipado das parcelas antes de ser expedido o Habitese. A proposta recebeu parecer contrário da Procuradoria em novembro. Cinco dias após a publicação do parecer, o então governador Agnelo Queiroz baixou um decreto que declarava o “Centrad” como obra de interesse público, com o objetivo de acelerar o Habite-se.

No seu último mês de mandato, Agnelo Queiroz acabou expedindo o Habite-se e “inaugurou” o prédio que não estava concluído e sequer tinha móveis para funcionar. Naquele mesmo mês, o Ministério Público do Distrito Federal e Territórios entrou com duas ações civis públicas para proibir o governo de pagar o consórcio sem efetivamente ocupar o espaço. E também para anular o Habite-se. As duas medidas foram determinadas pela Justiça em 2015.

Recém-empossado, Rollemberg assumiu o elefante branco e logo descobriu que havia mais problemas. Além de estar incompleto, foi constatado que o contrato da PPP não previa itens básicos, como os móveis para o edifício, bem como obras de energia e acesso viário. Uma série de ações judiciais foram abertas até que, no final de 2016, o governo resolveu sentar-se à mesa de negociações com o consórcio. Todos os processos movidos pelas partes foram suspensos.

 

DELAÇÕES COMPROMETEDORAS

As negociações descarrilharam em 2017 depois das delações premiadas de três executivos da Odebrecht. Alexandre José Lopes Barradas, João Antônio Pacífico Ferreira e Ricardo Ferraz disseram à Lava Jato que houve um acerto entre as empreiteiras para definir o consórcio vencedor, que posteriormente subcontratou outras companhias interessadas na obra. Segundo os delatores, teria havido um acerto de propina para Agnelo, Arruda e o ex-vice governador Tadeu Filipelli a ser paga a cada medida do governo Agnelo para acelerar a ocupação do Centrad. Enquanto a situação não se resolve, a Polícia Federal e o Ministério Público Federal seguem nas investigações da Operação Panatenaiko, desdobramento da Lava Jato no DF. Ao todo, foram instaurados oito inquéritos para investigar suspeitas em vários empreendimentos no DF que surgiram com a Lava Jato. Um dos inquéritos trata do Centrad.

Por meio de nota, o consórcio Centrad informou que as obras do complexo estão 96,5% concluídas e foram suspensas em 2015 “devido à indefinição do GDF em ocupar o empreendimento”. O GDF afirma que não pode ocupar o local sem o Habite-se e que a construção, a manutenção e a operação do complexo cabem ao “parceiro privado” . O governo Rollemberg também diz que a mudança para o Centrad causaria prejuízo anual de R$ 270 milhões aos cofres públicos. Por isso, está avaliando algumas possíveis soluções “como ocupação parcial do complexo, locação para universidades, entre outras possibilidades, caso o empreendimento venha a ser recepcionado no futuro”.

À época das delações, em 2017, Arruda, Agnelo e Tadeu Filipelli negaram as acusações de recebimento de vantagens indevidas para acelerar o uso do empreendimento.