O globo, n. 31011, 03/07/2018. País, p. 3

 

Os gigabytes de Palocci

Bela Megala

03/07/2018

 

 

Ex-ministro promete abrir computadores da sua consultoria com arquivos de negociatas

O ex-ministro Antonio Palocci, preso há quase dois anos em Curitiba no âmbito da LavaJato, prometeu entregar nos próximos dias uma série de arquivos envolvendo negociatas da sua consultoria, a Projeto, e empresas que contrataram o trabalho e a influência do ex-todo-poderoso dos governos petistas para engordar seus cofres — na maioria das vezes de forma ilícita. O material reúne contratos, planilhas e outras evidências mantidos até hoje em segredo nos computadores da consultoria de Palocci que abrirão uma nova frente de investigação dentro da maior operação de combate de corrupção do Brasil com foco em empresas privadas.

O compartilhamento desses dados é a principal condição para que o ex-ministro deixe a prisão e progrida para o regime domiciliar com tornozeleira, segundo o acordo de delação assinado por ele com a Polícia Federal, em abril, e homologado no fim de junho pelo juiz João Pedro Gebran Neto, o relator da Lava-Jato no Tribunal Federal Regional da 4ª Região (TRF-4).

Quando a PF fez buscas no escritório da Projeto, em São Paulo, em setembro de 2016, os investigadores encontraram apenas teclados, mouses e monitores, mas não acharam nenhum gabinete de computador. Questionado sobre o fato, o principal assessor de Palocci na época, Branislav Kontic, que também chegou a ficar preso em Curitiba, disse que as máquinas haviam sido substituídas por laptops novos.

Os investigadores ficaram engasgados com a resposta, como mostrou o relatório sobre a operação assinado pelo delegado Rodrigo Luís Sanfurgo de Carvalho, que esteve no local coordenando as buscas. “Entretanto, causa espécie a suposta substituição dos computadores ‘velhos’ por notebooks sem a retirada dos monitores das bancadas, assim como teclados, mouse e fios, fato que mereceria esclarecimentos”, escreveu. O episódio embasou o pedido da PF para que a prisão de Palocci se transformasse de temporária, com vencimento em cinco dias, em preventiva, ou seja, sem data para terminar, o que foi deferido pelo juiz Sergio Moro.

R$ 81,3 MILHÕES DE 47 EMPRESAS

Os dados dos computadores da Projeto ainda não foram entregues à PF porque estão passando por uma análise de peritos contratados por Palocci, que estão organizando o material de maior relevância para facilitar o trabalho dos investigadores de filtrar os conteúdos que envolvem crimes. A previsão é que a perícia termine nesta semana, e que o material seja remetido à PF. Apesar dessa triagem, o conteúdo integral dos HDs da consultoria será compartilhado.

Fontes da PF afirmaram, porém, que a entrega dos dados não garante a imediata saída de Palocci. Para isso acontecer, é necessário que os investigadores avaliem se o material de fato ajudará no avanço de apurações ou contribuirá para a abertura de novas frentes. Diferentemente das delações premiadas firmadas com o Ministério Público Federal (MPF), em que multas e prazo de pena são definidas na assinatura do acordo, nas negociações com a PF os benefícios do delator estão diretamente ligados à efetivide dade das informações e dados cedidos por ele.

No entanto, a entrega das informações não suspenderá o bloqueio dos R$ 30 milhões nas contas da Projeto desde 2016, quando o ex-ministro foi preso. A decisão do desbloqueio, uma das principais preocupações de Palocci, caberá principalmente a Moro.

Um relatório da Receita Federal mostrou que a consultoria recebeu R$ 81,3 milhões de 47 empresas que contrataram seus serviços nos nove anos de funcionamento do escritório. Segundo o mesmo documento, a Projeto rendeu, entre 2007 e 2015, pouco mais de R$ 12 milhões a Palocci, sendo R$ 336 mil em remuneração do trabalho e R$ 11,7 milhões em lucros e dividendos.

Os termos do acordo firmado com a PF e agora homologado pela Justiça Federal ainda estão sob sigilo. Conforme O GLOBO publicou em abril, grande parte das histórias abordadas por Palocci — que ainda poderão ser detalhadas no curso das investigações — reconstituiu o esquema de corrupção na Petrobras, as relações das empreiteiras com políticos do PT e a forma como os ex-presidentes Luiz Inácio Lula da Silva e Dilma Rousseff se envolveram nas tratativas que resultaram em um prejuízo de cerca de R$ 42 bilhões aos cofres da Petrobras, segundo estimativa levantada pela própria PF.

O ex-ministro teria narrado pelo menos uma conversa com Lula no Palácio do Planalto na qual teria tratado do esquema envolvendo a construção de sondas para exploração de petróleo. O objetivo da negociação, feita na presença Dilma, seria levantar dinheiro para bancar a primeira eleição da ex-presidente, em 2010. Ao falar da relação de Lula com empreiteiras, o exministro disse que parte do dinheiro entregue nas mãos dele e na sede do instituto que leva o nome do petista teria saído diretamente da “conta Amigo”, a reserva de propina atribuída ao petista no Departamento de Operações Estruturadas da Odebrecht, a área da empresa que operacionalizava pagamentos ilícitos.

PETROBRAS TERÁ ACESSO AO ACORDO

Além de detalhar os casos de corrupção dos quais participou ou teve conhecimento, o exministro deve apresentar provas do que disse e do que pode vir a revelar. Se mentir ou quebrar algumas das cláusulas firmadas, poderá perder os benefícios negociados. Investigadores relataram à reportagem que a Petrobras também terá acesso ao conteúdo de acordo de delação do exministro e terá poder de decisão sobre desbloqueio de seus bens.

Procurada, a defesa do ex-presidente Lula tem negado o envolvimento do petista nos crimes narrados por Palocci e afirma que “qualquer afirmação de entrega de dinheiro ao ex-presidente é mentirosa e, por isso mesmo, desacompanhada de qualquer prova”. A assessoria de imprensa da ex-presidente Dilma disse, em nota divulgada em abril, que “o ex-ministro mente para sair da cadeia e não tem provas para sustentar acusações a ela ou Lula”. O PT sempre negou irregularidades nas campanha da sigla.

______________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________

Consulta provocou a queda do ex-ministro

03/07/2018

 

 

Seis meses depois de assumir o cargo de ministro-chefe da Casa Civil do governo de Dilma Rousseff, em 2011, Antonio Palocci, considerado o nome mais importante da gestão petista, foi destituído do cargo. O motivo do desgaste foram as revelações do jornal “Folha de S. Paulo” de que Palocci havia ficado milionário com a Projeto Consultoria ao mesmo tempo em que exerceu as funções de deputado federal (2007 a 2011) e de coordenador da campanha de Dilma, em 2010. Uma das reportagens publicadas pelo jornal mostrou que Palocci multiplicou por 20 vezes o seu patrimônio após a estruturação da Projeto, em agosto de 2006, e que comprou dois apartamentos de luxo, sendo um deles em um bairro nobre de São Paulo, no valor de R$ 6,6 milhões, semanas antes de assumir a chefia da Casa Civil. O governo tentou blindar Palocci, mas uma nova matéria destacou que o então ministro arrecadou, no ano eleitoral de 2010, cerca de R$ 20 milhões com a sua consultoria e que atendeu cerca de 20 empresas da iniciativa privada. Apesar da tentativa do governo de blindar o então todo-poderoso do PT, Palocci caiu no dia 7 de junho de 2011.

______________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________

Presidência busca, mas não acha 74 objetos de Lula e 6 de Dilma

Patrik Camporez

03/07/2018

 

 

Itens do acervo público levados de Brasília são alvo de comissão

Depois de 45 dias de buscas, a comissão criada pela Presidência da República para recuperar centenas de itens do acervo presidencial — que haviam sido levados de Brasília pelos ex-presidentes Lula e Dilma Rousseff — concluiu os trabalhos sem identificar o paradeiro de 74 objetos que estariam em posse de Lula. No caso de Dilma, apenas seis dos 117 objetos levados não foram localizados.

As buscas foram determinadas em 2016 pelo Tribunal de Contas da União (TCU) a partir de uma lista de presentes recebidos pelos dois petistas em eventos oficiais durante seus mandatos. Quando deixam o Planalto, os ex-presidentes só podem levar itens de natureza estritamente pessoal e não objetos entregues em função do cargo que ocuparam.

Concluído no último dia 18, o relatório da comissão será agora enviado ao TCU para a adoção de providências. Obtido pelo GLOBO, o documento revela, em dez páginas, que os servidores da Presidência conseguiram localizar, no caso de Lula, apenas 360 de 434 itens levados do Planalto. As buscas foram feitas num depósito do Sindicato dos Metalúrgicos de São Bernardo do Campo, para onde foram levadas cerca de 800 caixas com artigos do expresidente.

Além dos presentes listados pelo Planalto, os integrantes da comissão localizaram um vaso chinês do acervo do Museu de Belas Artes, no Rio de Janeiro. O documento informa que a peça tinha numeração do patrimônio da Presidência e um selo do museu. “No dia 9 de maio de 2018, a comissão, quando da abertura de caixas e desembalagem do acervo do ex-presidente Lula, identificou um vaso nas cores azul e marrom com etiqueta de identificação com os dados da Presidência da República. Verificando-se tratar de bem com numeração patrimoniada da Presidência, o representante de Lula, de pronto, fez a entrega à comissão”, diz o relatório.

Reincorporado ao acervo do museu, o vaso apresentava avarias quando foi localizado. “Constatou-se que o vaso apresenta algumas rachaduras na base, mas nenhuma na parte superior”, diz o relatório, sem especificar se as rachaduras foram provocadas antes ou depois de a peça ter sido levada do Planalto.

A lista de artigos encontrados no sindicato não inclui os objetos localizados pelos investigadores da Operação Lava-Jato no cofre de uma agência bancária em São Paulo, em março de 2016, no qual o expresidente Lula guardava presentes recebidos durante os oito anos de Presidência. Dentro da sala estavam guardados 186 itens, entre moedas e joias.

CONTÊINER DE COOPERATIVA

No caso dos artigos levados pela ex-presidente Dilma, o relatório revela que foram localizados em um contêiner na Cooperativa dos Trabalhadores Assentados da Região de Porto Alegre. Dos 117 itens levados por Dilma, a comissão afirma não ter encontrado seis. Em documento apresentado à comissão, no entanto, a ex-presidente indicou registros que comprovariam que os objetos estariam nas “dependências da Presidência da República”. “Em relação aos seis bens que não foram localizados no local, o senhor Douglas Szefer (representante de Dilma) apresentou à comissão documento descritivo em quatro laudas que relata que os citados seis bens estariam nas dependências da Presidência da República”, registra o relatório.

Diante da documentação apresentada pela petista, a comissão oficiou o setor de patrimônio do Planalto a se manifestar “quanto às alegações do representante da expresidente Dilma, de que seis bens não localizados na diligência estariam nas dependências desta Presidência da República”.

O Instituto Lula informou que toda a organização do acervo presidencial foi feita por funcionários do Palácio do Planalto e que tal acervo permaneceu intocado pelo ex-presidente desde que ele deixou o cargo. “Houve uma mudança de critérios (sobre o que deve ou não ser devolvido) que estranhamente só se refere a ele e não a outros expresidentes. O acervo está à disposição para qualquer pesquisa”, diz o instituto. A assessoria da ex-presidente Dilma foi procurada, mas não quis comentar o caso.