O globo, n. 31011, 03/07/2018. Economia, p. 15

 

Dólar retoma valorização

Ana Paula Ribeiro

Allan Borba

03/07/2018

 

 

Divisa vai a R$ 3,912 por preocupação com guerra comercial. BC não atua no mercado

Em meio a um cenário externo mais turvo, e sem atuação do Banco Central (BC) no mercado de câmbio, o dólar comercial voltou a superar os R$ 3,90. A moeda americana encerrou ontem com valorização de 0,59%, a R$ 3,912. A cotação, a maior desde os R$ 3,925 registrados em 7 de junho, foi resultado, principalmente, do temor de acirramento nas disputas comerciais entre as principais economias do mundo. No câmbio turismo, a moeda era vendida a R$ 4,08 em espécie e R$ 4,34 no cartão.

Tarcisio Rodrigues, diretor de câmbio do Banco Paulista, ressalta que o comportamento do dólar no Brasil foi semelhante ao registrado em outros países emergentes, cujas moedas vêm sendo pressionadas em um cenário externo de maior incerteza. O principal fator para essa volatilidade é a preocupação com as consequências de uma guerra comercial, devido às medidas tomadas pelos Estados Unidos. Mas pesam também a crise política na Alemanha e dados mais fracos da economia chinesa. Na avaliação do especialista, o BC ficou de fora porque toda a pressão veio do exterior.

— Os fatores externos foram muito relevantes. Não adianta o BC querer lutar contra o mundo. A maior parte das moedas de emergentes perdeu. E a gente ainda teve um pregão de menor liquidez, devido ao jogo do Brasil — explica Rodrigues.

De fato, o dólar ganhou força em escala global. O Dollar Index, da Bloomberg, que mede o comportamento da divisa frente a uma cesta de dez moedas, avançava 0,41% próximo ao horário de encerramento dos negócios no Brasil.

Desde o início dos negócios, o dólar já estava pressionado, chegando a R$ 3,921 na máxima. Repercutiram nos investidores, principalmente, as declarações feitas no fim de semana pelo presidente americano, Donald Trump. Em entrevista à Fox News, ele afirmou que “a União Europeia é, possivelmente, tão ruim quanto a China, apenas menor.”

— O conturbado quadro político internacional leva o mercado a elevar os preços dos ativos devido aos riscos do acirramento da guerra comercial envolvendo Estados Unidos, China e União Europeia. E a ausência do Banco Central permitiu o avanço da moeda estrangeira — afirma Ricardo Gomes da Silva, superintendente da Correparti Corretora de Câmbio.

BRF SALTA 12,2%. VALOR DE MERCADO SOBE R$ 1,8 BI

Na última sexta-feira, o BC anunciou que faria a rolagem dos contratos de swaps cambiais (instrumento que tem efeito de uma venda no mercado futuro) que vencem em 1º de agosto. Foram ofertados 14 mil contratos, o equivalente a US$ 700 milhões. Volume igual será ofertado no pregão de hoje. Mas, por se tratar de uma rolagem, não há impacto na cotação da moeda. A autoridade monetária sinalizou que vai continuar fazendo leilões de linha (venda de dólares com compromisso de recompra a curto prazo), mas ainda não anunciou nenhuma operação para este mês.

Além da ausência do BC, o menor volume de durante o jogo do Brasil contra o México, em partida que garantiu a classificação da seleção brasileira para as quartas de final da Copa, contribuiu para uma maior volatilidade. No mercado futuro de câmbio da B3 (antiga Bovespa), foram negociados ontem 261 mil contratos, o equivalente a US$ 1,3 bilhão. Na última sexta-feira, foram 382 mil contratos, ou US$ 1,9 bilhão.

Nas casas de câmbio do Rio, as cotações acompanharam a valorização do dólar comercial. O papel-moeda era vendido entre R$ 4,08 e R$ 4,16. Já a recarga no cartão pré-pago variou entre R$ 4,28 e R$ 4,34.

Todas as cotações já incluem o Imposto sobre Operações Financeiras (IOF). Nas compras de moeda em espécie, este é de 1,1%. Para o cartão de débito ou crédito pré-pago, de 6,38%.

A aversão ao risco se refletiu no mercado de ações. O Ibovespa, índice de referência da Bolsa brasileira, operou em queda por quase todo o dia. O alívio só veio no fim: o indicador terminou em leve alta de 0,10%, aos 72.839 pontos.

O giro financeiro ontem ficou em R$ 6,67 bilhões, abaixo dos últimos pregões, em que o total das negociações superou os R$ 8 bilhões. Durante o jogo do Brasil contra o México, os investidores fizeram pouco mais de R$ 900 milhões em negócios.

Este ano, a B3 optou por não alterar o horário de negociação durante os jogos da seleção brasileira na Copa. No entanto, segundo operadores, o que tem acontecido é que os investidores e gestores que atuam no Brasil ficam menos presentes no pregão durante as partidas, e o que dá o movimento é apenas a participação de estrangeiros.

— Os investidores estrangeiros não vão parar pela partida do Brasil. Então aproveitam para operar e também fazem arbitragem com ADRs (sigla em inglês para os recibos de ações negociados na Bolsa de Nova York) — afirmou um operador.

O destaque do pregão ficou com a BRF. Na noite de sextafeira, a empresa anunciou um plano de reestruturação que inclui venda de ativos, que pode chegar a R$ 5 bilhões, o que irá melhorar a estrutura de capital da companhia, ao reduzir o tamanho da dívida.

— A Bolsa conseguiu recuperar um pouco as perdas apenas no fim dos negócios. A Petrobras acabou ajudando e reduziu o desempenho neganegócios tivo que o índice teve pela manhã. Mas o destaque foi a BRF, que com o anúncio da reestruturação fez o papel subir — explica Ari Santos, gerente de renda variável da corretora H.Commcor.

O papel da BRF, dona das marcas Sadia e Perdigão, saltou 12,27%, a R$ 20,21, o melhor desempenho no Ibovespa. Com isso, a companhia ganhou R$ 1,796 bilhão em valor de mercado, atingindo R$ 16,420 bilhões.

No caso da Petrobras, as ações preferenciais (PN, sem direito a voto) subiram 1,62%, cotadas a R$ 17,47, e as ordinárias (ON, com voto) avançaram 1,33%, a R$ 19,68.

Outras ações importantes do Ibovespa, no entanto, tiveram comportamento mais tímido. A Vale recuou 1,67%. Os bancos, de maior peso na composição do índice, também tiveram desempenho fraco. Os papéis PN do Itaú Unibanco ficaram praticamente estáveis, com leve variação de 0,07%, enquanto os do Bradesco recuaram 0,67%.

A melhora no Brasil acompanhou o mercado americano. Após operar o dia em queda, o Dow Jones, principal índice da Bolsa de Nova York, fechou em leve alta de 0,15%, enquanto o S&P 500, mais amplo, subiu 0,31%. Na Europa, o DAX, de Frankfurt, perdeu 0,55%, e o CAC 40, de Paris, recuou 0,88%. Já o FTSE 100, de Londres, caiu 1,17%.