O globo, n. 31012, 04/07/2018. Economia, p. 15
Sem maisconcorrência no refino
Ramona Ordoñez e Bruno Rosa
04/07/2018
Após liminar de Lewandowski, Petrobras suspende venda de refinarias que renderiam até US$ 10,7 bi
A decisão do ministro Ricardo Lewandowski, do Supremo Tribunal Federal (STF), que, na semana passada, proibiu o governo de privatizar estatais sem o aval do Congresso, atingiu em cheio os planos da Petrobras. A estatal anunciou ontem a suspensão da venda de quatro refinarias, de uma empresa de fertilizantes e da Transportadora Associada de Gás (TAG). A venda de ativos faz parte da estratégia da companhia para reduzir seu endividamento. Além disso, a liminar torna ainda mais distante o fim do monopólio da estatal na área de refino, segmento que requer mais investimentos para atender ao aumento da demanda por combustíveis. A falta de concorrência no setor e o preço dos combustíveis ganharam destaque após a greve dos caminhoneiros, que durou dez dias em maio e causou uma crise de desabastecimento do país.
O projeto da Petrobras de venda de refinarias foi apresentado ao mercado em abril e discutido internamente ao longo do ano passado. Os planos incluíam a venda de 60% das refinarias Landulpho Alves (Rlam), na Bahia, e Abreu e Lima (Rnest), em Pernambuco, em um bloco. No outro pacote, a empresa pretendia se desfazer também de 60% da Refinaria Alberto Pasqualini (Refap), no Rio Grande do Sul, e da Presidente Getúlio Vargas (Repar), no Paraná. Para isso, seriam criadas subsidiárias que poderiam render ao caixa da empresa de US$ 8,9 bilhões até US$ 10,7 bilhões, segundo avaliação do mercado. Com isso, a fatia da Petrobras no setor cairia de 99% para 75%. A estatal afirmou, em fato relevante, que “está avaliando medidas cabíveis em prol dos seus interesses e de seus investidores” e que manterá o mercado informado.
‘COMPETIÇÃO PERMITIRIA REDUZIR PREÇO’
Além das refinarias, a estatal também anunciou a suspensão da venda de sua participação na fábrica de fertilizantes Araucária Nitrogenados e da Transportadora Associada de Gás (TAG). Essas três operações foram suspensas porque preveem a venda de controle. A empresa tem ainda em andamento outras 27 operações de venda de participações minoritárias em ativos, como campos de petróleo, usinas de biodiesel, na Braskem e na refinaria de Pasadena, nos Estados Unidos.
Para especialistas, a decisão do STF é ruim para o caixa da Petrobras. Na avaliação de Giovani Loss, sócio do Mattos Filho e especialista na área de petróleo e gás, a venda das refinarias é considerada no mercado uma das mais importantes para a estatal devido ao impacto financeiro.
— Já existe uma discussão de que o refino precisa ser flexibilizado. É necessário mais investimento para reduzir a concentração do setor de refino de modo a evitar o que ocorreu recentemente, com a greve dos caminhoneiros — afirmou Loss.
Para o diretor de Consultoria no Mercado de Óleo e Dowstream da IHS Markit, Felipe Perez, a decisão da Petrobras foi cautelosa, mas a medida representou um retrocesso no processo de abertura do mercado de refino no país. Segundo Perez, se a estatal não começar a se desfazer de parte das refinarias e continuar com o monopólio de fato do setor, os consumidores serão prejudicados.
— Isso representa um retrocesso na busca pela concorrência no setor de refino. O petróleo é uma commodity com preços muito voláteis, e a competição entre empresas de refino permitiria menores preços aos consumidores. O monopólio não traz benefício para a população — destacou Felipe Perez.
Segundo David Zylbersztajn, ex-diretor-geral da Agência Nacional do Petróleo (ANP), a decisão do STF — que deve, em sua avaliação, ser suspensa — é ruim para a Petrobras e para o Brasil:
— A Petrobras já anunciou que quer sair do setor de refino. Se a estatal não investir no setor, vai faltar combustível no futuro. A médio e longo prazos, o crescimento futuro do setor, para atender à demanda, fica comprometido.
No ano passado, o consumo foi de 2,3 bilhões de barris de derivados. A capacidade de refino era de 2,2 bilhões.
Segundo Helder Queiroz, professor do Instituto de Economia da UFRJ, a estatal não tem condição de investir sozinha no setor. É preciso, disse, um ambiente para atrair os investidores:
— Com a greve causada pela política de preços da Petrobras, os investidores decidiram esperar até o próximo ano para saber se a atual política da estatal será mantida. Por isso, a decisão do STF embaralha ainda mais esse cenário.
Após a greve dos caminhoneiros, a ANP lançou consulta pública para avaliar mudanças na periodicidade do reajuste dos combustíveis aos consumidores, que hoje é diária para a gasolina. O preço do diesel segue congelado ao consumidor em razão do acordo fechado pelo governo para encerrar a paralisação. O diretor-geral da ANP, Décio Oddone, já havia afirmado que a discussão da periodicidade é necessária já que há um monopólio no refino.
Rafael Passos, analista da Guide Investimentos, também destacou a suspensão do processo de venda da TAG:
— Os valores relacionados à negociação chegam a US$ 8 bilhões. Levando em conta que a Petrobras anunciou um plano de desinvestimento na casa dos US$ 21 bilhões para o período de 2017 e 2018, é um fato que pode comprometer o cumprimento das metas. Colaborou Gabriel Martins
PROBLEMAS EM SÉRIE
CRISE POLÍTICA DO REAJUSTE. A Petrobras decidiu adotar, desde meados do ano passado, uma política de preços de combustíveis que acompanha as flutuações do petróleo e do dólar no mercado internacional, com reajustes quase diários. Insatisfeitos com a alta de preços do diesel, os caminhoneiros deflagraram uma greve em maio, que durou dez dias e causou questionamentos à política da estatal. O caso culminou na saída de Pedro Parente do comando da empresa.
DERROTA NO TST. Em junho, a Petrobras sofreu uma derrota no Tribunal Superior do Trabalho (TST), em ação movida pelos funcionários que discute o cálculo de remunerações e adicionais. A decisão pode ter impacto de R$ 17,2 bilhões para a companhia este ano, incluindo o pagamento de salários retroativos e o efeito na folha de pagamento. A empresa vai recorrer ao Supremo Tribunal Federal (STF).
PROCESSO DE FORNECEDOR. A Vantage Drilling International ganhou um processo arbitral contra a Petrobras no valor de US$ 622 milhões ( R$ 2,428 bilhões), após a estatal rescindir um contrato com a companhia. Empresa vai recorrer.
REFINO. Seis dias depois de o ministro Ricardo Lewandowski, do STF, proibir o governo de vender estatais sem o aval do Congresso, a Petrobras anunciou que decidiu suspender a venda de participação de 60% em quatro refinarias, de participação na fábrica de fertilizantes Araucária Nitrogenados e na Transportadora Associada de Gás (TAG).