O globo, n. 31010, 02/07/2018. Mundo, p. 17

 

Vitória da esquerda

Henrique Gomes Batista

02/07/2018

 

 

López Obrador se elege presidente e demais candidatos reconhecem derrota

Andrés Manuel López Obrador conquistou, segundo pesquisas de boca de urna, vitória histórica para a esquerda no México. Ele teria obtido até 49% dos votos, em eleição presidencial em um só turno. O governista José Meade já reconheceu a derrota. O resultado oficial será conhecido hoje. Obrador deve divulgar carta aos mercados, informa Andrés Manuel López Obrador fez história ontem e foi eleito presidente do México para os próximos seis anos. Sem resultados oficiais, mas com ampla vitória na boca de urna, os dois principais concorrentes reconheceram a derrota, confirmando o favoritismo do líder esquerdista do Morena, partido que pode ter uma votação ainda maior do que a prevista até então. Se isso for confirmado oficialmente, AMLO, como é chamado, o primeiro presidente de esquerda do país em décadas terá força para avançar sua agenda de reforma, focada em programas sociais, no protecionismo e no fortalecimento do Estado. E ele parece ter pressa, pois ainda hoje sua equipe deve publicar uma carta para acalmar os mercados, prometendo uma gestão fiscalmente responsável.

— A terceira (tentativa de ser presidente) será a vitoriosa — disse López Obrador, ao votar na manhã de ontem na Cidade do México. — Vamos bem, vamos bem — limitou-se a dizer o político até o início das apurações, embora não descartasse um discurso em uma praça central capital mexicana, caso os outros candidatos reconheçam rapidamente suas derrotas.

Com uma apuração manual, até o fechamento desta edição havia menos 1% dos votos apurados, com López Obrador ganhando com 46% dos votos. De acordo com a boca de urna do “El Financiero" com Bloomberg, AMLO teve 49% dos votos e Ricardo Anaya, do direitista Partido de Ação Nacional (PAN), obteve 27% dos votos. Com 18% dos votos, o governista José António Meade, do Partido Revolucionário Institucional (PRI), reconheceu a derrota logo após o resultado preliminar, e desejou êxito a Obrador.

Em discurso emocionado, Anaya também reconheceu a derrota, e disse que seguirá ativo na oposição, mostrando que não deverá deixar fácil o governo do esquerdista. Porém, apenas hoje no fim do dia haverá as primeiras previsões da composição do Congresso. Morena pode ter obtido a maioria absoluta, segundo algumas pesquisas. A rapidez relativa com que ambos os concorrentes reconheceram a derrota é outro indicativo da força do Morena nesta eleição:

— Pelo bem do México, estarei na oposição — disse ele, a fim de postular a posição de anti-AMLO.

Os números indicam a força política de López Obrador. Na eleição do ano 2000, em que Vicente Fox colocou fim a dinastia do PRI, sua vantagem foi de 6% — mesmo patamar da vitória de Enrique Peña Nieto em 2012, quando venceu AMLO. Em 2006, o cenário foi ainda mais apertado — Felipe Calderón (PAN) superou López Obrador por apenas 0,7% dos votos, gerando várias acusações de fraude e o não reconhecimento do resultado pelo líder do Morena.

AMLO DEVE APRESENTAR CARTA AO MERCADO

A contagem oficial talvez demore dias para ser anunciada oficialmente, embora esteja previsto que 80% dos votos já estarão computados às 10h (horário de Brasília), ainda que alguns atrasos sejam esperados, pois será a maior eleição da História do México, com a definição de 3.400 cargos de diversos níveis de governo.

Os primeiros resultados estaduais, que começaram a ser divulgados antes das prévias nacionais por não terem problemas de fuso horário, mostravam uma vitória maior que a imaginada do Morena, o partido de esquerda de López Obrador. As pesquisas e as primeiras apurações em locais como Jalisco, Tabasco, Yucatán e Veracruz também indicava uma votação no PRI, do atual presidente Enrique Peña Nieto, menor que a apontada até então pelas pesquisas. Isso pode indicar que ALMO poderá ter maioria no Congresso, favorecendo seus projetos.

Após a festa pela vitória histórica, López Obrador deve começar a dar os primeiros sinais de seu novo governo, que só assume em 1º de dezembro. Fontes do Morena indicaram que os principais assessores econômicos do candidato publicarão um comunicado ainda na manhã de hoje, para trazer tranquilidade ao mercado financeiro, em um movimento semelhante ao realizado por Luiz Inácio Lula da Silva na campanha de 2002 com a “Carta ao Povo Brasileiro”. Não está descartada nem mesmo uma teleconferência entre estes assessores e investidores de Wall Street.

A medida serviria para reafirmar o compromisso de AMLO com a responsabilidade fiscal. Os investimentos estão congelados no México, não apenas pelas eleições, mas também pelas negociações do Nafta. Fontes do Morena dizem que isso ajudaria acalmar os ânimos e daria mais espaço para AMLO negociar seu governo.

Durante a campanha, grandes empresários se posicionaram contra López Obrador, que prometeu que não se “vingaria” caso vencesse. Por outro lado, o seu discurso para apoiadores em Zócalo, a praça central da Cidade do México, AMLO deve adotar um tom otimista e reforçar seu discurso nacionalista, que conquistou os eleitores cansados da corrupção e da violência.

Historicamente, marcas por suspeitas de fraudes, as eleições foram consideradas relativamente tranquilas. O clima na Cidade do México estava diferente de outros pleitos: apesar das filas no lado de fora na maior parte das escolas onde estavam as urnas, o intenso policiamento nas ruas da capital não precisou agir. Porém, a violência já havia vitimado 145 políticos assassinados até então. Ontem, houve registro de mais casos: quatro militantes foram mortos em comícios nos estados de Michoacán, Tabasco, Chiapas e Puebla.

Para evitar fraudes, contudo, um verdadeiro exército de fiscais por parte dos partidos foi convocado: 2,7 milhões de pessoas, segundo o INE. Isso representa 3% do total de eleitores cadastrados no país, que soma 89,1 milhões de pessoas. Ainda não havia informações sobre participação eleitoral — o voto não é obrigatório no país.

— Nunca vi uma eleição assim. Acho que o clima de Copa do Mundo e a grande vantagem de López Obrador nas pesquisas deixou tudo mais calmo — afirmou o aposentado Israel Vicente Ybarra, de 73 anos. — Só espero que não roubem López Obrador na hora da contagem dos votos.

O presidente Enrique Peña Nieto, que fica no governo até 30 de novembro, comemorou as eleições, principalmente o fato de 12 milhões de jovens estarem aptos a votar pela primeira vez, e prometeu uma boa transição.

— O presidente da República e o governo será absolutamente respeitoso e dará respaldo às autoridades eleitas — disse, após votar ontem.

DESAFIOS COM VIZINHOS AMERICANOS

Do outro lado da fronteira, John Bolton, conselheiro de Segurança Nacional da Casa Branca afirmou que Donald Trump, o presidente americano, estava “ansioso” para se encontrar com o novo mandatário do vizinho.

— O presidente Trump seguirá o mesmo padrão que usou com outros líderes estrangeiros. Vai esperar ansioso para se reunir com ele. Ter os dois líderes reunidos pode gerar alguns resultados surpreendentes — declarou Bolton à Fox News.

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Um novo líder para a esquerda na América Latina

02/07/2018

 

 

Eleição no México foi comemorada como feito regional antes do resultado

Após ver uma onda de direita varrer a América Latina, com mudanças ideológicas em governos da Argentina, Chile, Brasil e Colômbia, a vitória de Andrés Manuel López Obrador já era comemorada por diversas lideranças da região ontem, mesmo sem os resultados oficiais. Sua conquista histórica pode o credenciar para que se torne uma nova referência para a esquerda lantinoamericana.

As ex-presidentes Cristina Kirchner (Argentina) e Dilma Rousseff defenderam a eleição de López Obrador em suas contas no Twitter. Dilma, que é précandidata ao Senado pelo PT em Minas, disse que é importante para toda a região: “Na torcida para que o amigo povo mexicano eleja Andrés Manuel López Obrador neste domingo. Será uma vitória não apenas do México, mas de toda a América Latina”.

Depois de um período em que partidos de esquerda dominavam praticamente todos os países da América do Sul — de Argentina e Chile à Venezuela —, os governantes eleitos nos últimos anos têm sido, majoritariamente, de direita. E a crise humanitária na Venezuela fez com que o apoio à ditadura de Nicolás Maduro criasse novos constrangimentos para o país.

Países como Equador, apesar de se manter com uma gestão de esquerda, adotou uma postura muito mais alinhada aos EUA, enquanto a Bolívia, de Evo Morales, enfrenta o desafio de ver o mandatário concorrer a mais um mandato, o que iria contra um plebiscito realizado pelo seu governo em 2016.

A ligação de López Obrador com lideranças da região é antiga. Seu filho casçula se chama Jesús Ernesto — para homenagear Cristo e Che Guevara. Espera-se, assim, que ele abra um novo canal de contato com Cuba, que em abril viveu uma mudança de presidente, mas não de regime.

Porém, não está claro como será a relação com os EUA. AMLO disse na campanha que falará de igual com Donald Trump para convencê-lo a desistir das propostas negativas ao México. Até então, o Departamento de Estado se mostrava distante do pleito mexicano.