O globo, n. 31070, 31/08/2018. Economia, p. 17

 

Com o aval do STF

André de Souza

Geralda Doca

31/08/2018

 

 

Supremo aprova a terceirização irrestrita

Por sete votos a quatro, o plenário do Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu ontem que as empresas podem contratar trabalhadores terceirizados nas chamadas atividades-fim, ou seja, no seu negócio principal. A decisão põe fim aquase quatro mi lações em tramitação nas instâncias inferiores da Justiça — apresentadas antes da reforma trabalhista. Além disso, a decisão do STF pacifica o entendimento sobre um dos pontos principais da reforma trabalhista, em vigor desde novembrode 2017, que já autorizava a terceirização em qualquer atividade da empresa.

Antes da reforma, os juízes trabalhistas tomavam suas decisões com base na Súmula 331/91 do Tribunal Superior do Trabalho (TST). Por ela, as empresas só poderiam contratar terceirizados nas atividades-meio, o que gerou uma enxurrada de ações judiciais.

No julgamento no STF, os ministros fizeram duas ressalvas: decisões judiciais já transitadas em julgado não serão reabertas. Apenas processos

ainda em discussão. E a empresa que contrata os serviços de outra deve checar se ela é idônea e tem capacidade econômica, devendo inclusive responder pelos débitos trabalhistas e previdenciários se a terceirizada tiver problemas financeiros.

O julgamento, que consumiu cinco sessões do STF, só terminou ontem, com os dois últimos votos que faltavam: do ministro Celso de Mello e da presidente da Corte, ministra Cármen Lúcia, ambos favoráveis à liberação da terceirização. A decisão foi tomada em dois processos que chegaram ao STF em 2014 e 2016, mas há repercussão geral, ou seja, deverá ser seguida pelas instâncias inferiores em casos semelhantes.

EFEITO NA ECONOMIA

Entre os ministros favoráveis à liberação da terceirização, foram comuns os argumentos de cunho econômico. Segundo eles, as restrições são prejudiciais ao trabalhador e à economia brasileira.

— Com a proibição da terceirização, teríamos, talvez, uma possibilidade de as empresas deixarem de criar postos de trabalho e aumentar a condição de não emprego — comentou Cármen Lúcia.

Outro argumento dos ministros foi o de que não havia lei vedando a terceirização, embora também não houvesse uma que a autorizasse expressamente. E, de acordo com eles, eventuais abusos na intermediação de trabalho seriam analisados na Justiça, uma vez que os direitos trabalhistas previstos na Constituição continuam valendo.

— Atos do poder público, à guisa de proteger o trabalhador, poderão causar muitos prejuízos ao trabalhador, pois, nas crises econômicas, diminuem consideravelmente os postos de trabalho —disse Celso de Mello.

Para a ministra Rosa Weber, no atual momento da economia brasileira, a liberalização da terceirização em atividades-fim tenderá a nivelar por baixo o mercado de trabalho:

—São a demanda e o desenvolvimento econômico que geram postos de trabalho, e não o custo da força de trabalho. A precarização das formas de trabalho não é uma variável no nível de emprego.

A decisão do STF tem reflexo imediato nas 3.900 ações paradas em instâncias inferiores,

mas indica mais do que isso. Em março do ano passado, já tinha sido sancionada anova lei da terceirização, que não era clara quanto à permissão dessa prática para atividadesfim. Em julho de 2017, foi sancionada a reforma trabalhista, deixando expresso que a terceirização é permitida. Há no tribunal outras ações questionando justamente a reforma trabalhista, mas que ainda não foram analisadas. Assim, o julgamento terminado ontem também é um prenúncio de como os ministros poderão votar nessas ações.

A decisão foi comemorada pelo setor produtivo. Os empresários avaliam que ela consolida parte da reforma trabalhista, dando segurança jurídica à terceirização. Por outro lado, foi criticada por sindicatos e advogados, que apontam o risco de uma precarização dos direitos trabalhistas.

— A partir de agora, há certeza de que os contratos de terceirização têm validade. Isso vai resultarem ganhos de escala e produtividade. A empresa terá liberdade de decidir se deve contratar um terceiro para agregar valor à produção. A gente deixa de ter uma jabuticaba e se alinha a países onde a terceirização é irrestrita, como Alemanha, China, Japão, Suécia, Austrália e Noruega— disse Cassio Borges, superintendente jurídico da Confederação da Indústria (CNI).

MAIS QUESTIONAMENTOS

Para o especialista Emerson Casali, a insegurança jurídica em relação à contratação de serviços fica para trás:

— E grandes passivos trabalhistas serão superados.

Já para Mauro Menezes, sócio do escritório Mauro Menezes& Advogados, a terceirização semr estrições terá impacto negativo no nível salarial, na segurança ena organização coletiva dos trabalhadores:

— Consideramos uma decisão que tem efeito negativo, pois tem um vetor no qual a liberdade de contratar supera paradigmas clássicos do Direito do Trabalho, como a proteção social, do ambiente do trabalho e da saúde e segurança do empregado.

Em nota, a Força Sindical criticou a decisão, alegando redução de direitos trabalhistas. Para a entidade, a terceirização irrestrita não cria empregos. “Cria trabalhadores de segunda categoria, sem o amparo de uma legislação específica”, diz o texto.

O advogado Luiz Marcelo Góis, do escritório BMA e professor da Fundação Getulio Vargas (FGV), avalia que uma questão ainda ficará pendente.Entre as decisões dadas no passado comba sena súmula do TST, partenão se resumia a declarara ilegalidade de um contrato de terceirizado. Há decisões estipulando que a empresa não recorra mais à prática de terceirizar. Apesar de o STF decidir que ações já concluídas não serão reabertas, esse ponto poderá voltara ser questionado.

O que dizem as regras

> A decisão do STF atinge quais contratos de trabalho?

Só afeta os contratos anteriores a duas leis aprovadas em 2017 e que tratam da terceirização. A primeira, de março, permite a contratação de trabalhadores terceirizados em serviços específicos. A segunda trata da reforma trabalhista, em vigor desde novembro e que autoriza expressamente a terceirização irrestrita, ou seja, em qualquer atividade da empresa. Antes dessas duas leis, uma súmula do Tribunal Superior do Trabalho (TST) considerava ilegal a terceirização da chamada atividade-fim. Por exemplo: um hospital não podia contratar médicos terceirizados. Com base nesse entendimento, milhares de ações tramitam na Justiça, exigindo, entre outras demandas, o reconhecimento de vínculo empregatício com a empresa contratante.

> O que acontece agora com quem entrou com ação, pedindo vínculo empregatício com a empresa contratante, por exemplo?

No caso de ações protocoladas depois da reforma trabalhista entrar em vigor, em 11 de novembro do ano passado, não há espaço para contestação na Justiça. A nova lei diz, explicitamente, que a terceirização vale para qualquer atividade, “inclusive a atividade principal” da empresa contratante. Portanto, ações que chegarem à Justiça contestando a terceirização de atividade-fim devem ser rejeitadas com base nessa nova legislação. Para quem ingressou com processos antes da reforma, há três possibilidades. Casos que estavam com julgamento suspenso, aguardando a definição do Supremo, serão retomados e seguirão os ritos normalmente. Aqueles que foram julgados, mas não transitaram em julgado, podem receber recursos, agora com base no novo entendimento. A terceira categoria engloba os casos em que houve o chamado trânsito em julgado, ou seja, não cabem mais recursos, não devendo ser reabertos, no entendimento da Corte. No entanto, especialistas destacam que, mesmo nestes casos, empresas podem entrar com uma ação rescisória para tentar reverter uma decisão.

> Com a decisão, os empregadores podem demitir seus trabalhadores e contratar só terceirizados?

Em princípio, sim. Mas não pode haver características de vínculo empregatício, como subordinação e frequência dos trabalhadores. Nestes casos, é considerado fraude. Se a empresa quiser substituir todo o quadro por terceirizados, ela precisa contratar uma prestadora de serviço que vai gerenciar toda a mão de obra.

> As empresas podem substituir assalariados por pessoa jurídica?

Somente se não houver característica de vínculo de emprego.

> A empresa pode demitir um funcionário e recontratá-lo como terceirizado?

Imediatamente, não. Para evitar fraudes, um funcionário só pode ser recontratado como terceirizado depois de um ano e meio da demissão. O mesmo prazo vale para a contratação de empresas cujos donos sejam ex-funcionários da empresa contratante.

> Quais são os direitos dos trabalhadores terceirizados?

Os mesmos direitos previstos na CLT, como férias e 13º salário, mais direitos previstos na convenção coletiva da categoria dos terceirizados, por exemplo, vale-refeição.

> Funcionários terceirizados têm direito a receber o mesmo salário que os empregados da empresa contratante?

Não necessariamente. A reforma trabalhista prevê, no entanto, que contratante e contratada podem firmar esse e outros direitos em contrato de trabalho.

> Se a empresa prestadora de serviço não pagar os direitos dos trabalhadores, quem paga?

Primeiro, é acionada judicialmente a prestadora de serviço e citada a contratante. Se a contratada não pagar, a empresa principal tem de arcar com os direitos dos trabalhadores.